Arnaldo Jabor e sua contribuição para o Cinema Novo e o pensamento crítico
Personalidades relembram os filmes que marcaram o cinema e falam sobre a habilidade do cineasta e escritor em manifestar suas ideias de forma crítica aos problemas da sociedade brasileira


O falecimento de Arnaldo Jabor na manhã desta terça-feira (15) espalhou comoção entre o público de admiradores, artistas e jornalistas de todo o Brasil. Após a confirmação da morte do cineasta aos 81 anos por complicações de um AVC, atores e colegas que trabalharam com Jabor em filmes dos anos 1960, 70 e 80 relembraram momentos marcantes da carreira do diretor.
Embora o jornalismo atravesse toda a trajetória de Arnaldo Jabor e o tenha tornado uma figura conhecida do grande público, sua contribuição com o cinema deixou marcas memoráveis na história do audiovisual brasileiro.
Seu envolvimento aconteceu por estímulo do cineasta alagoano Cacá Diegues, um dos fundadores do Cinema Novo – movimento cultural que surgiu na década de 1960 e prezava por produções que retratassem a realidade social brasileira.
Em entrevista à CNN, Cacá Diegues se manifestou sobre a morte do amigo. “Não era só um companheiro de trabalho mas também um amigo íntimo, um irmão, praticamente. Foi uma pessoa muito importante na minha vida e para a cultura brasileira também”, disse.
“Jabor era uma alma permanentemente em ebulição, era um cara que estava sempre vendo o que estava acontecendo de errado no país. Ele era muito culto, muito instruído, e tinha uma capacidade muito grande de entender e formalizar a crítica dele a tudo isso”, elogiou, destacando sua importância para o cenário audiovisual do país.
“Ele foi um grande cineasta. Ele traz uma novidade muito grande para nós, que é essa capacidade de se relacionar com o público, e isso foi muito importante e fazia parte da personalidade dele como escritor, como jornalista, como crítico”, completou.
A atriz Fernanda Montenegro, que estrelou o filme “Tudo bem” (1978), dirigido por Jabor, divulgou um vídeo no Instagram falando em tom emocionado e saudoso sobre o amigo e companheiro de trabalho.
“Eu me lembro que em ‘Tudo Bem’, o filme que eu fiz, nós não tínhamos dinheiro, mas havia uma devoção intensa naquele elenco. Paulo Gracindo, Regina Casé, [Paulo César] Peréio, Fernando Torres, Zezé Motta. Sonia Braga no ‘Eu te amo’. E a Fernanda Torres ganhou o prêmio em Cannes de atriz, muito jovem, o primeiro filme dela chegando assim além-fronteira”, relembrou a veterana.
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Arnaldo Jabor e sua filha Carolina no Cine Livraria Cultura, Conjunto Nacional, na cidade de São Paulom em outubro de 2014. • ESTADÃO CONTEÚDO
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O cineasta, escritor, crítico e colunista, Arnaldo Jabor, concede entrevista, em agosto de 2006, na qual falou sobre o lançamento de seu livro "Porno Política", em São Paulo. • VALÉRIA GONÇALVEZ
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O cineasta, escritor, crítico e colunista, Arnaldo Jabor, posa para foto durante entrevista concedida em São Paulo, em março de 1995. • MILTON MICHIDA
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O cineasta, escritor, crítico e colunista, Arnaldo Jabor, posa para foto durante entrevista concedida em São Paulo, em março de 1995. • MILTON MICHIDA
“Eu amo o filme que fizemos juntos. Amo. Louco, mas numa transcendência poética como toda sua obra cinematográfica. Um grande abraço, meu amigo querido, detonador de uma vida cinematográfica para a qual eu de repente me vi levada. Devo a você essa confirmação de que eu poderia fazer cinema”, continuou a atriz.
Fernanda Torres, que foi premiada como Melhor Atriz no Festival de Cannes pela performance em “Eu sei que vou te amar” (1986), também lamentou a perda em post no seu Instagram. “Arnaldo Jabor era um provocador irônico, lúcido e apaixonado. Tenho e terei saudades da sua presença majestosa”, declarou.
Jabor foi lembrado por muitos por uma habilidade excepcional de manifestar ideias e direcionar críticas complexas e contundentes ao seu tempo, através da expressão artística e argumentativa.
Em conversa com a CNN, o político e jurista José Gregori, ex-Secretário Nacional de Direitos Humanos, definiu o jornalista e cineasta como uma figura básica para definir o Brasil que vale a pena. “Ele era um grande artista que, por meio da cinematografia, do poder redacional, da coragem de dizer as coisas que acreditava, soube colocar o dedo naquilo que precisava ser dito. Jabor tinha o ímpeto do pensamento igualitário”, destacou.
O Cinema Novo e Arnaldo Jabor
O Cinema Novo foi um movimento cultural e artístico de crítica às desigualdades sociais e instabilidades políticas da década de 1960 no Brasil, influenciado por correntes europeias notadamente subversivas, como o neorrealismo italiano e a Nouvelle Vague francesa.
Iniciado por um grupo de jovens cineastas composto por nomes como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Cacá Diegues e Luiz Carlos Barreto, o movimento buscava contrapor o tipo de cinema produzido no Brasil até então, muito pautado pelo modelo de Hollywood e frequentemente financiados por produtoras e distribuidoras do exterior.
O Cinema Novo é comumente dividido em três fases distintas: a primeira precedeu a instauração da ditadura militar no Brasil e buscava expor a realidade de pobreza no país. Um dos marcos inaugurais do movimento foi o filme “Cinco Vezes Favela” (1961), dirigido por Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman, Miguel Borges e Marcos Farias. “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964), de Glauber Rocha, também integra o primeiro período do Cinema Novo.
Na segunda fase do movimento, já sob vigência do regime militar, as produções mergulharam em narrativas sobre os problemas comuns da classe média brasileira. A terceira fase, após o decreto do AI-5, ficou caracterizada pelo entrelaçamento com o Tropicalismo, trazendo uma estética mais chamativa.
Em diálogo com a segunda fase do cinema novo, Arnaldo Jabor dirigiu produções que registraram em documentário e ficção a mentalidade e os dilemas do brasileiro médio das grandes capitais brasileiras. Entre as produções mais marcantes da carreira de Arnaldo Jabor estão os longas “Tudo bem” (1978), “Eu te amo” (1981) e “Eu sei que vou te amar” (1986), que integram a chamada Trilogia do Apartamento. Confira abaixo a galeria com os principais filmes do cineasta.
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Opinião Pública (1967): Primeiro grande destaque da carreira de Jabor como cineasta, o documentário "Opinião Pública" é uma reunião de depoimentos da classe média do Rio de Janeiro sobre assuntos como família, mídia, política e a juventude brasileira. Foi uma parceria do cineasta com o poeta Carlos Drummond de Andrade. • Reprodução
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Toda a Nudez Será Castigada (1972): O filme de ficção, adaptado da peça homônima de Nelson Rodrigues, narra a história de um homem que, em sua viuvez, garante ao filho que jamais terá outra mulher. A produção explora os dramas que se estabelecem na dinâmica familiar quando o protagonista se apaixona por uma prostituta e decide se casar com ela. Conquistou a quarta maior bilheteria do país em 1972 e foi premiado com o Urso de Prata no Festival de Berlim no ano seguinte. Em 2015, foi eleito um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine).
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Tudo bem (1978): A produção que inaugura a Trilogia do Apartamento traz Fernanda Montenegro e Paulo Gracindo nos papeis de protagonistas, além de outros nomes de peso como Zezé Motta, Stênio Garcia, Fernando Torres, José Dumont, Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães. A narrativa se desenvolve ao redor da tensão de classes entre uma família de classe média do Rio de Janeiro e um grupo de operários que presta serviços na reforma do apartamento da família no bairro de Copacabana. • Reprodução
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Eu Te Amo (1981): O filme narra a história de um casal que enfrenta o divórcio recente e a falência econômica nos anos 1970 no Brasil. Encenada por Sonia Braga, Paulo César Peréio, Vera Fischer e Tarcísio Meira, a produção toca em temas como prostituição, machismo, homossexualidade, solidão e poder. • Reprodução
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Eu sei que vou te amar (1986): Fernanda Torres e Thales Pan Chacon interpretam um casal recém-separado que decide se reencontrar e revisitar suas memórias sobre a relação, após um período de afastamento. O filme rendeu o prêmio de Melhor Atriz para Fernanda Torres, na época com 20 anos, na mostra principal do Festival de Cannes. • Reprodução
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A Suprema Felicidade (2010): Depois de quase três décadas sem filmar longas, Arnaldo Jabor lançou "A Suprema Felicidade", produção que se desenrola a partir das dinâmicas de relação entre três gerações de uma família: filho, pai e avô. Estrelado por Jayme Matarazzo e Marco Nanini. • Reprodução
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