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    A história por trás do sucesso de “All I Want for Christmas” e “Last Christmas”

    Nas últimas décadas, muitos músicos tentaram lançar o seu clássico de Natal, mas poucos conseguiram alcançar a fama dessas canções

    Filipe Santos Costada CNN

    Todos os anos, chegando novembro e dezembro, a história se repete: músicos das mais variadas origens tentam a sorte lançando músicas de Natal, que competem com clássicos de décadas facilmente reconhecíveis nos primeiros acordes.

    Muita coisa mudou em 2021, mas não essa tradição natalina. Elton John e Ed Sheeran protagonizam o principal caso das canções de Natal deste ano: “Merry Christmas”, juntando dois superstars, cujo dinheiro foi revertido para causas sociais, é o concorrente mais sério deste ano a um lugar no cânone de temas de Natal.

    Curiosamente, neste ano o ABBA também está na disputa, com “Little Things”, um tema lançado este mês, mas que soa a ABBA vintage.

    Alguma delas entrará no hall das canções de Natal que se tornam clássicos?

    É uma galeria onde dezenas de canções têm lugar cativo, muitas delas das décadas de 1940 e 1950, os anos de ouro dos grandes musicais americanos e dos especiais de natal que consagraram artistas e canções por muitas gerações.

    São os casos de “The Christmas Song”, “Have Yourself a Merry Little Christmas”, “Frosty the Snowman” ou “Let it Snow! Let it Snow! Let it Snow!”.

    “White Christmas”, de Irvin Berlin, na versão de Bing Crosby, é provavelmente o exemplo mais evidente da capacidade de uma canção de agarrar o espírito de Natal, transcendendo o tempo e o lugar em que foi escrito e gravado pela primeira vez.

    É da grande fornada dos anos 1940, e continua a ter o selo do Livro de Recordes Guinness como o single mais vendido de todos, com mais de 50 milhões de cópias – mas se forem contabilizados também as dezenas de covers gravados por outros artistas, são mais de 150 milhões de discos vendidos.

    Mas a lista inclui muitas outras canções, desde “Jingle Bells”, clássico do século XIX que foi originalmente escrito para celebrar o dia de Ação de Graças, a “Happy Christmas” e “Wonderful Christmas Time”, dos ex-Beatles John Lennon e Paul McCartney, respetivamente.

    Porém, os Beatles nunca entraram por terrenos natalinos, o que os Beach Boys, por exemplo, fizeram, com grande sucesso, em um álbum repleto de gravações para a posteridade, com destaque para “Little Saint Nick”.

    As duas músicas de Natal mais ouvidas da atualidade

    Depois da Segunda Guerra Mundial, ficou estabelecida a tradição de os músicos mais populares do momento gravarem álbuns de Natal, o que consolidava o seu status de “artistas do povo”, ao mesmo tempo que reforçava algumas canções como marcas da época.

    Os grandes crooners deixaram inúmeras coletâneas de Natal – muitos deles com especial televisivo também – que se tornaram incontornáveis. São os casos dos discos de Natal de Frank Sinatra, Bing Cosby, Dean Martin ou Nat King Cole.

    As abordagens dos grandes do jazz acrescentaram outras camadas a músicas que ficaram no cânone, pelas vozes de gente como Ella Fitzgerald ou Tony Bennet. E nem as estrelas do rock and roll ou do rhythm’n blues fugiram dessa tendência – aí estão as gravações de Natal de Elvis Presley, Chuck Berry, Brenda Lee ou Jackson 5, Stevie Wonder e quase todos os grandes nomes da Motown.

    A tradição de gravar novas canções de Natal ou regravar os clássicos continua, e os músicos que assim têm feito vão de Sufjan Stevens a Taylor Swift, passando por Lizzo, Ariana Grande, Michael Bublé ou Kelly Clarkson. Dos que arriscam temas novos, só o tempo dirá quais tiveram sucesso e acrescentaram mais um tema às playlists que se repetem todos os anos.

    Mas esse não é um clube de entrada fácil. Nas últimas décadas, poucos conseguiram de forma consistente. Os mais bem-sucedidos foram os Wham!, com “Last Christmas”, e Mariah Carrey, com “All I Want for Christmas is You”.

    Ambas as canções tornam-se onipresentes assim que se aproxima o natal. As estatísticas mundiais do Spotify confirmam a canção de Mariah Carrey e a dos Wham!, nesta ordem, como as duas músicas de Natal mais ouvidas nos últimos anos – dados que apenas mostram aquilo que todos sabem: ambas são ouvidas em todo luga, a qualquer hora, seja na gravação original ou nas inúmeras versões que já foram feitas.

    O clássico moderno que nunca tinha chegado a nº1

    Em 1984, quando os Wham! estavam no auge da sua fama, George Michael, o cantor e frontman do duo, avisou que, até ao final daquele ano, teria quatro singles no primeiro lugar do top inglês.

    Ele errou, mas por pouco. Três singles do álbum “Make it Big” chegaram ao topo da tabela de vendas: “Wake me Up Before You Go-go!, “Freedom” e “Careless Whisper”, que apesar de estar creditado como trabalho solo de George Michael integrou o segundo LP da banda.

    O quarto single daquele ano não passou do segundo lugar na lista dos mais vendidos no Reino Unido. Por ironia, seria aquele que, ao longo dos anos, ficaria mais tempo na lista de mais tocadas: “Last Christmas”, o tema de Natal que em pouco tempo ganhou o status de hino da quadra festiva.

    Não é que “Last Christmas” não tenha sido um sucesso instantâneo. Foi um êxito desde o dia do seu lançamento, em 3 de dezembro de 1984. Mas no primeiro lugar da tabela estava ocupado por outra canção de Natal, que naquele ano foi um sucesso ainda maior, apesar de não ter perdurado tão bem no tempo: “Do They Know it’s Christmas”, canção de Bob Geldof e Midge Ure que chamou a atenção do Ocidente para a fome na Etiópia e que daria origem a muitas iniciativas semelhantes —e ao megaconcerto intercontinental Live Aid.

    Esse tema juntava quase todos os grandes artistas pop do momento no Reino Unido, de Paul Young a Bono Vox e Sting, incluindo George Michael.

    O então vocalista dos Wham! foi desde o início um entusiasta do projeto da Band Aid, apesar de saber que faria concorrência a si mesmo. O envolvimento foi tanto que o duo abdicou dos lucros das vendas do single de “Last Christmas” para ajudar no combate à fome na Etiópia.

    Esta é provavelmente a maior curiosidade de “Last Christmas”: apesar da sua popularidade planetária, que começou no Reino Unido, não foi número um na lista de mais tocadas por lá até… 2021. Sim, foi só em janeiro deste ano que o clássico de 1984 liderou pela primeira vez o top britânico.

    Até então, detinha o excêntrico título de música mais vendida no Reino Unido que nunca chegara a nº1.

    Após a morte de George Michael, em 2016, os fãs fizeram uma grande campanha para que a música chegasse ao lugar mais alto do top britânico —e todos os anos entrou na tabela, chegando várias vezes ao top 10, e até ao segundo lugar… até que finalmente foi primeira colocada em janeiro.

    Com as novas plataformas de música online, todos os natais “Last Christmas” vem à tona, tendo sido adotada pelas novas gerações – e o filme com o mesmo nome, lançado em 2019, ajudou a relançar a popularidade da canção.

    “Last Christmas”, protagonizado por Emilia Clarke, a Daenerys Targaryen de Guerra dos Tronos, é inspirado na canção dos Wham!, e parte de um projeto em que o próprio George Michael esteve envolvido.

    Foi um dos seus últimos projetos antes da sua inesperada morte no dia de Natal de 2016. Michael fez questão de que fosse desenvolvido pela atriz Emma Thompson, e no filme se ouve, claro, a canção que o intitula e várias outras de George Michael, incluindo uma música até então inédita.

    Também nos Estados Unidos, “Last Christmas” teve um percurso estranho. Não foi lançado comercialmente como single em 1984, e por essa razão não apareceu na Billboard durante muitos anos – isso apenas aconteceu em 2018, já depois da morte de Michael.

    A melhor posição alcançada pela canção no top norte-americano aconteceu também em janeiro de 2021.

    Uma hora para a eternidade

    Diz a lenda —ou melhor, diz Andrew Ridgeley (ou “outro” Wham!) —que George Michael escreveu a estrutura de “Last Christmas” em uma hora, em um domingo de 1984 em que ambos tinham ido visitar os pais do vocalista.

    Depois do almoço, Michael se levantou da mesa, foi para o seu quarto de infância, e voltou uma hora depois com o esqueleto da canção, incluindo quase toda a letra.

    Ambos acharam que tinham ali um sucesso instantâneo.

    Foram para estúdio em agosto daquele ano —ou melhor, Michael foi para estúdio, pois Ridgeley praticamente não participou no processo criativo da canção. O vocalista, além de compositor, fez questão de gravar quase todos os instrumentos, incluindo os guizos de Natal e o sintetizador Roland-Juno60, que dá a “Last Christmas” o inconfundível charme de synth-pop.

    O vídeo, que se tornou tão famoso como a canção, foi gravado nos Alpes Suíços em novembro com um grupo de amigos, no qual estavam as duas cantoras backvocals dos Wham!, Pepsi e Shirley, que mais tarde teriam uma breve carreira como duo.

    Cerca de um ano depois do lançamento da canção, George Michael foi processado por suposto plágio na canção de Natal. A editora Dick James Music, representando os autores de “Can’t Smile Without You”, avançou com o processo, considerando que Michael havia copiado partes da canção que foi gravada por Barry Manilow e pelos Carpenters.

    O processo acabou resolvido fora do tribunal, depois de um musicólogo ter apresentado mais de 60 canções com progressões harmônicas e melódicas semelhantes. Ninguém nunca disse que “Last Christmas” ficou para a história pela sua originalidade musical.

    Tudo o que ela queria era um sucesso de Natal

    Por falar nisso, não era provável haver nada de original no álbum de Natal de Mariah Carey. A cantora tinha apenas quatro anos de carreira, tendo estreado em 1990. Em 1994, após três álbuns, a editora de Carey apostou num disco de Natal.

    À época não era comum alguém com um percurso tão curto aventurar-se num disco de Natal, mas o fato é que a história desse álbum, com o pragmático título “Merry Christmas”, teve pouco de comum.

    Devia ter sido uma coleção de músicas padrão norte-americanas – e lá estão vários -, mas o single de apresentação não era um cover de um clássico bem conhecido, e, sim, um tema novo, coescrito pela cantora.

    Foi um risco assumido pela editora, após insistência de Mariah – a coincidência de a cantora ser, à época, casada com Tommy Mottola, o patrão da Sony Music, que a editava, pode ter ajudado, mas o fato é que a música é “impactante” desde que se ouvem os primeiros sininhos de Natal.

    Dizem que Mariah é tão apaixonada pelo Natal que alguns amigos a chamam de “Mariah Claus”, num trocadilho com Santa Claus (Papai Noel, em inglês). Ela cantava canções de Natal desde sempre e queria escrever uma que transmitisse todo o seu fascínio pela magia da data festiva.


    Começou então a esboçar a letra, na casa nos Hamptons, com o filme “Do céu caiu uma estrela” como fundo sonoro. Apesar de ser quase verão, Mariah decorou a casa como se fosse Natal, para inspiração. Depois, continuou a composição com Walter Afanasieff, que era seu colaborador habitual, e fez os arranjos e quase toda a programação e instrumentos sintetizados que se ouve na gravação.

    O resultado tem o espírito de natais passados, mas não a melancolia de Frank Capra – apenas a nostalgia de tempos de alegria ingênua. A inspiração na sonoridade da Motown dos anos 1950 e 1960 é notória, e a cantora faz essa ligação em um dos três videoclipes que já gravou para este sucesso, vestida como se fosse uma das Ronettes.

    Segundo a “mitologia” de “All I want for Christmas”, a canção foi gravada no verão, mas o estúdio tinha a temperatura propositalmente baixa e estava completamente decorado como se fosse Natal – incluindo guirlandas de luz e pinheiros decorados.

    Assim, Mariah Carey transformou o Natal em um dos negócios mais lucrativos da história da música pop. “All I Want for Christmas” já é muito mais do que uma canção, é uma fábrica de entretenimento.

    Durante anos, Carey foi uma das cantoras mais requisitadas para espetáculos ao vivo e especiais de televisão no Natal e Ano Novo. Lançou um livro de Natal e um filme de animação inspirado em “All I Want for Christmas is you” (a protagonista é uma menina igualzinha a Mariah).

    No ano passado, Carey protagonizou um especial de natal para a Apple TV, o que motivou o lançamento da respetiva trilha sonora, com os clássicos de sempre e temas novos, com a participação de vários famosos, como Ariana Grande e Snoop Dogg.

    Antes, a cantora já tinha realizado um filme para a Hallmark, “A Christmas Melody”, também em volta de sua canção mais famosa. Assim como o vídeoclipe, que tem três versões, também há três gravações “oficiais” do single, a última delas de 2011, em dueto com Justin Bieber.

    Só em direitos, enquanto coautora, coprodutora e intérprete, Mariah Carey já arrecadou mais de 60 milhões de dólares.

    27 anos em evidência

    Apesar da boa recepção da canção quando foi lançada, nada indicava que ela se tornaria um sucesso sazonal desta dimensão.

    Em 1994, a música ficou em 12º lugar das canções mais tocadas nas rádios nos EUA, mas as vendas de unidades físicas demoraram mais para fazer sucesso. “All I Want for Christmas” só chegou ao Top 40 da Billboard nos anos 2000, junto do filme “O Amor Acontece”, que deu à canção uma inesperada sobrevida, já no tempo da música em streaming.

    Sem a era digital, talvez “All I Want for Christmas” nunca tivesse chegado tão longe como chegou, figurando hoje em qualquer playlist natalina que se preze, seja feita por algoritmos ou por humanos.

    Na década de 2010, com a reformulação das regras da Billboard, “All I Want for Christmas is you” passou a ser uma presença habitual entre as mais ouvidas em todos os natais – e alcançou pela primeira vez o 1º lugar do Billboard Hot 100 em 2019, com 45,6 milhões de plays em streaming e 27 mil vendas digitais.

    Esse foi o single que levou mais tempo a chegar ao topo da tabela Billboard, tendo em conta que foi lançado 25 anos antes. Mas foi apenas a segunda canção de natal em 60 anos a atingir o número um (a outra foi “The Chipmunk Song”, em 1958).

    Ao liderar a tabela com “All I Want for Christmas is you” no final de 2019 e no início de 2020, transitando entre décadas, Mariah Carey conseguiu outro feito: foi a primeira artista a conseguir ter canções no primeiro lugar da Billboard em quatro décadas seguidas: 1990, 2000, 2010 e 2020.

    Outro recorde: desde 2011, a Billboard tem o top Holiday 100, só para as músicas mais ouvidas no Natal, e em uma década “All I Want for Christmas” é, de longe, a canção com mais semanas em primeiro lugar.

    Em 52 semanas de existência do Holiday 100, a canção da Mariah Carey esteve na liderança durante 47 delas.

    Portugal não escapou ao charme de Natal de Mariah Carey, e, logo em 1994, o single esteve duas semanas em primeiro lugar nas vendas – chegou a disco de platina. Em todo o caso, uma gota de água em um império global construído sobre downloads e streaming: 309 milhões de visualizações e plays só no ano passado. Mais do que o dobro dos 145 milhões de “Last Christmas”.

    “Eu de fato vivo de Natal para Natal”, disse Carey em um longo artigo publicado pelo “Wall Street Journal”. E para provar que o Natal é quando o público quiser, no Japão a loucura com “All I Want for Christmas is you” é tanta que a cantora já teve de a cantar ao vivo em pleno verão.

    Dizem os jornais que foi o melhor momento do espetáculo e a canção que todo o público conhecia a letra.

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