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    A gente deveria estar trabalhando menos?

    Antes de responder, só não esquece que quantidade de horas trabalhadas não têm necessariamente a ver com produtividade

    Phelipe Siani

    Tem ficado cada vez mais comum eu começar textos e legendas de redes sociais me justificando como alguém que tem TDAH, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. É que depois que eu fui diagnosticado pra valer, há pouquíssimos anos, a minha percepção sobre o mundo (e sobre mim mesmo) mudou demais. Uma das características mais comuns entre quem tem TDAH é a procrastinação.

    A gente tem uma tarefa pra fazer, mas demora pra concluir. E não é por mal. O cérebro de alguém como eu trabalha de maneiras esquisitas, a gente sofre de um tilt no sistema de recompensa da parte frontal do cérebro. Isso faz com que a nossa noção de prioridade fique torta. Como a nossa fonte natural de prazer no cérebro é mais escassa, qualquer coisa que entregue a recompensa imediata por uma tarefa recém-concluída é levada em consideração. Ou seja… tudo passa a ser importante.

    Eu abro o computador pra escrever esse texto, mas na minha cabeça pipocam inúmeros afazeres que eu tenho uma dificuldade imensa de entender que são secundários. Eu parei pra escrever o texto na meia hora que eu tinha reservado pra isso, mas, nesse meio tempo, lembrei que não podia esquecer de pegar minha cachorra na creche, tinha que comprar o ferro de passar que quebrou, precisava pagar o boleto do convênio médico, precisava cancelar o streaming que eu assisto menos e mais 598 coisas diferentes que eu vou anotando pra “não esquecer depois”.

    Tudo isso, claro, desvia a minha atenção e, muitas vezes, faz com que eu não consiga terminar o que comecei. Há alguns anos luto contra isso com técnicas que vou desenvolvimento, além do acompanhamento profissional, mas, acreditem… não desejo essa rotina pra absolutamente ninguém.

    Desculpa essa introdução gigante e aparentemente nada a ver, a ideia não é ser um tratado sobre a minha condição neuro atípica, mas achei importante deixar isso claro pra falar sobre o assunto que realmente interessa aqui: a possibilidade de uma semana de trabalho de 4 dias úteis. A princípio parece um sonho. Um dia de folga, um feriado contínuo, 24 horas a mais pra pensar na gente e ganhando a mesma coisa. Mas a ideia é trabalhar 80% do tempo mantendo 100% da produtividade.

    Já faz uns bons anos que isso vem sendo colocado pro mercado como uma alternativa aos casos de burnout que só crescem no mundo. É o tal esgotamento profissional que trava a gente pelo excesso de informações, de cobranças, de prazos, de cortes, de uma vida profissional que muitas vezes não parece ter sido pensada pra trazer a tal recompensa por tarefas cumpridas que tanto me falta.

    O trabalho pode e, na minha opinião, deve dar prazer pra valer a pena. Mas eu sei que não é assim pra todo mundo. É só olhar pros números bizarros de impressionantes da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt). Eles dizem que quase 1 terço dos trabalhadores brasileiros tão sofrendo com o problema. Na boa… a gente não pode achar isso normal.

    O esgotamento profissional custa caro pra quem sofre, mas também pra quem tem o esgotado na folha de pagamento. O mundo perde todos os anos, segundo a Organização Mundial da Saúde, 1 trilhão de dólares por problemas de saúde mental dos trabalhadores. Trabalhar um dia a menos resolve o problema com certeza absoluta? É muito difícil de responder, mas há quem diga que pode ajudar bastante. Com uma rotina que faz a gente passar cada vez menos tempo em casa descansando (porque pra muitos o chegar em casa é seguir trabalhando), ter 4 dias úteis na semana pode dizer pro nosso cérebro quase à força que descansar também é preciso.

    E o mais maluco é que os estudos tão dizendo que diminuir a carga horária pode ser possível mesmo mantendo a mesma quantidade de tarefas, ou, em alguns casos, até aumentando a produtividade. O objetivo disso tudo é o que o mercado já chama de felicidade corporativa, uma área que tem profissionais e empresas especializadas, como a Reconnect Happiness, que vai ajudar a experimentar a semana de 4 dias no Brasil.

    Antes de ter gente pouco informada dizendo absurdos como “isso é coisa de preguiçoso” ou “o brasileiro quer isso porque não gosta de trabalhar”, é importante dizer que as primeiras tentativas foram feitas lá fora. Os testes já começaram no Reino Unido, Estados Unidos, Espanha, Austrália e por aí vai. Aqui no Brasil. isso vai rolar a partir de novembro numa parceria entre a própria Reconnect Happiness e a organização 4 Day Week Global. Apesar de muita gente fazer careta pra ideia, mais de 300 empresas de tudo que é tamanho já disseram que tão a fim de participar.

    Qual a ideia deles? Implantar em algumas dessas empresas a semana de 4 dias e a cada 3 meses, recolher dados sobre a produtividade desses CNPJ’s. Depois de um semestre inteiro, os números vão ser apresentados pro mercado e todo mundo vai saber se a ideia faz sentido, como pensam muitos especialistas e como mostram outros testes parecidos fora do Brasil. De cada 10 empresas do Reino Unido que testaram esse formato de trabalho, 9 querem manter porque melhorou pra todo mundo. As empresas passaram a ganhar mais, menos funcionários pediram demissão e dizem que tão menos estressados e fazendo mais exercício físico. E olha que nem tô falando de menos emissão de carbono, otimização dos espaços compartilhados, economia de energia nos escritórios fixos, enfim… pode fazer sim muito sentido pra todo mundo.

    A minha única dúvida é se isso pode funcionar pra um TDAH. Entregar todas as minhas tarefas em 80% do meu tempo, a princípio, me parece um desafio que me gera um bom nível de ansiedade. Só que ter mais momentos pra tentar relaxar a minha cabeça que comprovadamente é muito mais acelerada que a média pode me fazer muito bem, acho eu. Quer dizer… eu também não tenho certeza se vai funcionar. Mas, como um TDAH que sabe na pele o que é uma crise de ansiedade grave causada por um burnout, também acredito que vale a pena tentar mais essa alternativa pra, quem sabe, ver um mundo menos doente no futuro.

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