Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    O que é o imposto corporativo global acordado por Brasil e outros 135 países

    Previsto para 2023, novo tributo prevê acabar com a prática de concorrência tributária internacional, mas processo de implementação será desafio para os países

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business* , em São Paulo

    A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) anunciou na sexta-feira (8) que 136 países assinaram um acordo para estabelecer um imposto mínimo global para grandes empresas até 2023. O Brasil está entre os signatários.

    As discussões sobre a criação desse imposto, que será de 15% sobre os lucros das grandes companhias, começaram há quatro anos, mas ganharam força após a eleição do presidente dos Estados Unidos (EUA), Joe Biden, e sua posse em janeiro de 2021.

    A proposta teve como uma das principais defensoras a secretária do Tesouro do país, Janet Yellen. Para ela, estabelecer uma taxa mínima pode desencorajar empresas a desviar lucros para países onde pagariam menos impostos.

    Os especialistas consultados pelo CNN Brasil Business destacam que a implementação do imposto não será fácil, por envolver uma série de questões, e que, sozinha, a cota de 15% ainda não resolve o problema.

    A concorrência tributária internacional

    Pedro Forquesato, professor da FEA-USP, explica que o novo imposto global tem como alvo as empresas multinacionais, que operam em diversos países.

    “Elas existem há décadas, e reportam a maior parte dos lucros em paraísos fiscais, onde não há impostos, ou em países que têm impostos corporativos menores, como a Irlanda”, afirma.

    A existência desses locais faz parte do que o professor chama de “concorrência tributária internacional”, um contexto em que as empresas buscam países exatamente pelas vantagens de pagar menos, ou nenhum, imposto.

    A prática foi batizada de política de empobrecimento dos vizinhos, já que evita a chegada de investimentos nos países menos competitivos.

    Segundo ele, as tentativas de combater essa prática, e garantir que todo o lucro das multinacionais seja tributado, começaram nos anos 2000.

    “Tivemos alguns avanços com acordos de transferência de informações sobre paraísos fiscais, normas na União Europeia, é algo que está na agenda de políticas públicas de forma ativa, mas não tem funcionado muito bem”, diz.

    O bloco europeu, por exemplo, buscou taxar as contas de pessoas ou empresas europeias na Suíça, um conhecido paraíso fiscal. O resultado, porém, não foi o esperado. Buscando burlar esse pagamento, as contas simplesmente se mudaram para outros paraísos fiscais.

    “Com a financeirização da economia, é fácil não apenas transmitir a atividade econômica para outros países, mas também transmitir a realização de lucros, reportá-lo, em outros locais”, afirma Forquesato.

    Pesquisas de grandes centros acadêmicos mostram que 40% do resultado líquido das multinacionais acabam em paraísos fiscais. O valor representaria uma perda de arrecadação de até US$ 500 bilhões, em especial para os países em que elas estão sediadas.

    “Isso gera um custo arrecadatório gigantesco, em especial para os países sedes das empresas, como EUA, Alemanha e França. Então agora essa discussão aumentou com a eleição do Biden, que é menos pró-mercado ou multinacionais que o Trump, essa vontade dos países centrais de controlar isso de certa forma”, diz.

    Se a solução não era taxar contas em um único país, intensificou-se o debate em torno de outro método: um valor mínimo de imposto que fosse cobrado em todos os países.

    O imposto mínimo global

    Juliana Damasceno, pesquisadora de economia aplicada do IBRE-FGV, afirma que, com o acordo, “as empresas pagarão tributos onde operam, mas também onde registram os lucros, não precisam estar presentes fisicamente para serem tributadas”.

    Para ela, a adesão global ao novo imposto “deixa um ambiente propício para uma pacificação no ambiente tributário, além de envolver um estímulo a investimentos em infraestrutura, educação e outras áreas estratégias para a recuperação pós-pandemia”.

    Forquesato considera que a busca por novas fontes de arrecadação, em um contexto de aumento de gastos, também foi um fator que estimulou as conversas sobre o tema, e o apoio dos Estados Unidos.

    “A partir do momento que o presidente Biden quer um Estado maior, precisa de mais fontes de arrecadação, essa é uma delas, vira um potencial importante”, diz.

    O acordo para a criação do novo imposto englobará 90% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, incluindo todos os países da OCDE e do G20. Para Damasceno, esse processo deve “derrubar uma insegurança jurídica sobre tributação, que varia de país em país, e impede uma guerra fiscal desenfreada”.

    A taxa de 15% será válida para empresas que tenham uma receita acima de 750 milhões de euros, e as estimativas apontam uma arrecadação de US$ 150 bilhões por ano.

    “A forma como os países vão calibrar esse imposto vai determinar muito [o sucesso], eu acredito que essa questão de alocar recursos de forma estratégica faz sentido, mas depende da regulação na prática, o destino do dinheiro”, afirma a pesquisadora.

    Para Forquesato, a taxa estabelecida pelos países ainda é muito baixa para resolver a questão dos paraísos fiscais, e não envolve outro grande elemento: o uso de offshores por parte de pessoas físicas.

    “O problema dos paraísos fiscais vai além das multinacionais, envolve a riqueza das pessoas. 8% da riqueza mundial está nos paraísos fiscais, e o imposto não resolve isso”, diz. Atualmente, a taxa média de imposto corporativo é de 23,5% nos países industrializados.

    Também foi definido o que fazer no caso de países que não aderiram ao acordo. A OCDE informou que, entre os 140 que participaram das negociações, quatro não aderiram: Quênia, Nigéria, Paquistão e Sri Lanka. Países que ficaram conhecidos como paraísos fiscais também devem resistir à adesão.

    O que ocorrerá, segundo Forquesato, é uma taxação pelos países que aderiram ao acordo nas vendas dessas multinacionais, de modo a fazer com que ocorra o pagamento equivalente à porcentagem não paga nesses países.

    Se uma multinacional paga impostos equivalentes a 5% do seu lucro em um país, o país sede da empresa poderá cobrar os outros 10%, evitando a prática de evasão fiscal. Estimativas apontam que os direitos tributários que esses países passariam a ter chegariam a mais de US$ 125 bilhões em lucros.

    A implementação

    A previsão dos países que aderiram ao acordo é que o imposto global seja implementado em 2023, mas ainda existem questões a serem resolvidas que podem dificultar o processo de implementação.

    “Você precisaria de uma organização internacional que coordenasse isso. Em geral, a razão para não avançar até recentemente era por causa desse problema de como coordenar, garantir a implementação”, diz Forquesato. Para o professor, porém, essa questão não inviabiliza o acordo.

    Para Damasceno, será necessário “discutir se 2023 é um prazo muito ambicioso pensando na prática, quem implementaria, quem fiscalizaria isso, como adaptar a tributação à legislação de cada país, o prazo pode ser curto”.

    Outro desafio para o futuro, segundo ela, será como redirecionar a arrecadação com o novo imposto, de modo a garantir um retorno para a sociedade. “As próprias empresas podem escolher ir para países que de fato façam um bom redirecionamento, porque dá melhores condições para operarem”, diz.

    Alta nos preços?

    É comum que o primeiro pensamento das pessoas quando se ouve falar na criação de um novo imposto é se os preços dos produtos ou serviços aumentarão. Entretanto, ainda não é possível saber se isso ocorrerá com a implementação desse imposto global.

    “As empresas podem repassar isso para os consumidores, mas acho que o efeito seria pequeno, porque atinge um grupo particular de empresas, como as de internet, que tem outro modelo de negócios”, diz Forquesato.

    Damasceno lembra que “aumentar preços depende da capacidade de repasse de cada firma, que é inversamente proporcional à de absorver os tributos e reduzir seus lucros”. Ela afirma que as empresas brasileiras têm, hoje, uma capacidade de repasse comprometida por questões como inflação alta, endividamento das famílias e uma demanda desaquecida.

    Para ela, possíveis repasses para a população dependerão, portanto, da situação em cada país, além das estratégias de cada empresa.

    *Sob supervisão de Ana Carolina Nunes e Thâmara Kaoru.

    Tópicos