Eleições e conflitos vão levar desaceleração e incertezas à economia em 2024, dizem especialistas
Projeções indicam que PIB brasileiro vai crescer menos neste ano em comparação a 2023
Para especialistas consultados pela CNN, o cenário econômico de 2024 será marcado por desaceleração e incerteza, dentro e fora do Brasil.
No território nacional, as eleições municipais devem deixar as instâncias políticas em marcha lenta. Lá fora, o pleito estadunidense e os conflitos geopolíticos reforçam as interrogações.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Ministério da Fazenda e o mercado financeiro tem consenso: o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro não deve avançar em 2024 tanto quanto em 2023. Os números das previsões, porém, variam.
Economista-chefe do Warren Rena, Felipe Salto reitera que o PIB vai perder fôlego, mas crê em uma “composição boa”. Ele destaca o ciclo de corte da Selic pelo Banco Central (BC) e indica que a trajetória de juros nos Estados Unidos tende a ter influência positiva.
“O investimento e o consumo vão ser auxiliados pela redução dos juros, que será contínua. Evidentemente, a preservação de um plano de responsabilidade fiscal mínima será crucial”, afirma.
“Acredito que, seguindo esse caminho, teremos um bom ano pela frente”.
Para as demais variáveis, a expectativa é de que a inflação continue se aproximando do centro da meta — de 3% ao ano — e que os juros sigam caindo.
As incertezas pairam sobre o patamar que os juros vão atingir ao fim do ciclo de cortes — o que vai depender, por exemplo, do compromisso do governo federal com o fiscal.
Luciano Nakabashi, professor da FEARP-USP explica que o controle das contas públicas está intrinsecamente ligada às incertezas que rondam os rumos da economia doméstica.
“Se não controlarmos os gastos e o déficit fiscal não reduzir de maneira significativa, podemos ter maior incerteza em relação aos compromissos do governo e à própria trajetória da dívida pública em relação ao PIB”, aponta.
Enquanto o Ministério da Fazenda mantém previsão de que vai zerar o déficit primário em 2024, agentes do mercado financeiro preveem déficit por volta de 0,8% do PIB.
A pasta comandada por Fernando Haddad trabalhará pelo aumento de receitas, a fim de impedir contingenciamentos de gasto no exercício.
Eleições tiram foco da economia
Com o foco voltado às eleições municipais, a pauta econômica não dever ser prioridade do mundo político no Brasil. O Legislativo deve se ocupar em 2024 de tramitar as leis complementares que vão regulamentar a reforma tributária e da reforma do Imposto de Renda e folha de pagamentos, que ainda será apresentado pelo governo.
Segundo sinalizou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o ano também será voltado à tramitação de pautas relacionadas às transições ecológica e energética. O governo Lula vê essas matérias como carro-chefe de seu terceiro mandato.
Para Fábio de Andrade, economista e professor de Relações Internacionais da ESPM, as eleições podem ter efeito positivo sobre a economia.
Na contramão das expectativas, o especialista acredita que o crescimento do PIB novamente vai surpreender o mercado financeiro.
“Acho que teremos um crescimento maior em 2024, inclusive pelo ano eleitoral, em que há, apesar da Lei de Responsabilidade Fiscal, maior liberação de recursos. Esse motor da economia brasileira, que é a renda dos 25% mais pobres, deve ser acionado no ano que vem”, indica.
Incertezas no cenário internacional
No cenário internacional, permanecem as expectativas sobre os próximos passos do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA). Em julho, a autoridade monetária elevou a taxa de juros para até 5,5% — o maior nível em 22 anos – e a manteve neste patamar ao longo de 2023.
Com o arrefecimento da inflação observado ao longo do ano, cresceram as apostas de que o ciclo de cortes comece em 2024.
“Há um mês, eu diria que haveria um corte no terceiro, quarto trimestre, de 0,25 ponto porcentual. Mas já se fala, após a última reunião, em mais cortes [ao longo do ano]”, avalia o pesquisador do Ibre-FGV, Samuel Pessôa.
Já na Europa, o cenário é “um pouco mais complexo”, na avaliação do economista Ricardo Rodil. Para o especialista, permanecem incertezas quanto à duração da alta dos juros.
“Não acho que dá para precisar neste momento quando e quanto essas duas autoridades monetárias vão cortar os juros, mas é um movimento inevitável. E qualquer movimento neste sentido favorece, direta ou indiretamente, os países em desenvolvimento, entre eles o Brasil”, disse.
Também colaboram para as incertezas os conflitos. A guerra da Ucrânia persiste desde 2022 e mantém temores sobre a Europa, por conta da dependência da energia russa; e de todo o mundo, visto o impacto na exportação de grãos ucranianos.
Com a guerra entre Israel e o Hamas iniciada em outubro, novos alertas surgiram em torno do mercado de petróleo. Em 2024, esses conflitos devem seguir no radar do mercado.
“Isso pode levar a uma volatilidade dos preços, impactando o Brasil, que é tanto produtor quanto consumidor, influenciando os preços internos de energia e a balança comercial”, diz o pesquisador do Instituto Sul-americano de Política e Estratégia (ISAPE), Késsio Lemos.
Na China, a crise imobiliária, o endividamento dos governos locais e a demanda fraca levaram o país a um ciclo de contração da indústria e acelerada deflação.
O governo anunciou reformas a fim de retomar o crescimento econômico. “De fato, achamos que ano que vem ainda será de ajustamento, [principalmente] para o setor imobiliário”, afirma Samuel Pessôa.
Na América do Sul, os olhares do mercado ficam voltados aos próximos passos do presidente eleito da Argentina, Javier Milei. Em sua campanha, além de afirmar que pretende dolarizar a economia, sugeriu reduzir relações com países como Brasil e China.
“[China e Brasil] são os dois maiores parceiros comerciais do país. Diante deste cenário, projeta-se que o presidente Milei, apesar de ter adotado posturas antagônicas durante sua campanha, se oriente por um pragmatismo no exercício do poder”, diz Lemos.
Para Rodil, o pragmatismo de Milei também deve se manter na postura em relação ao Mercosul. Durante sua campanha, o agora presidente também sugeriu que a economia poderia deixar o bloco.