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    Mais da metade das mulheres empreendem sobrecarregadas, diz pesquisa

    54,9% das empreendedoras conciliam as tarefas domésticas e do negócio, sendo um dos fatores apontados por elas que afetam o seu desempenho

    Marien Ramosda CNN , São Paulo

    Mulheres que empreendem estão mais sobrecarregadas, acumulando as tarefas de gestão e as domésticas, e por isso encontram mais dificuldades para se dedicar aos seus negócios. A conclusão é da pesquisa “Mulheres empreendedoras: contexto de atuação” realizada pela startup Olhi, em 2023.

    O estudo deste ano revelou que 54,9% das entrevistadas conciliam funções domésticas com o trabalho de empreendedora, em sua maioria dedicando mais de oito horas ao negócio por dia, e mais de duas a quatro horas com as tarefas do lar.

    Ter seu próprio negócio ou pensar em tê-lo faz parte da vida da população brasileira, segundo relatório da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2022, realizado pelo Sebrae e pela Associação Nacional de Estudos em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas (Anegepe).

    São 93 milhões de brasileiros entre 18 e 64 anos que já possuem seus empreendimentos ou são potenciais empreendedores. Do total, 34,4% são mulheres – marca histórica no pós-pandemia.

    Porém, a experiência de empreender pelo público feminino é diferente.

    Segundo Stefanie Schmitt, CEO da Olhi, tradicionalmente as mulheres são responsabilizadas pelo cuidado não remunerado, e elas já são responsáveis da renda de quase metade dos lares brasileiros.

    “É um cenário preocupante, se não desolador”, aponta.

    Esse é um dos principais fatores que afetam o desempenho de seus empreendimentos, segundo elas.

    Ana Flávia Silva, consultora do Sebrae-SP e gestora estadual do Sebrae Delas, explica que a mulher busca empreender por necessidade de prover renda para a família, além da flexibilidade para dedicar cuidado aos afazeres domésticos.

    “Em virtude disso, elas dedicam menos tempo aos seus negócios”, diz.

    A consultora analisa que, em contrapartida, os homens entram por oportunidade e conseguem dedicar mais tempo aos empreendimentos, e por isso os negócios liderados pelo público masculino são mais sólidos e faturam mais.

    Não acreditar que está preparada para empreender também é um dos empecilhos encontrados nessa jornada. Também associado à razão de que muitas não são encorajadas por familiares ou não são levadas a sério, nem mesmo pelos clientes, mostra o levantamento da Olhi.

    Somente 66% das mulheres se sentem positivamente engajadas a falar com as pessoas do seu convívio sobre os negócios, ante 85,9% quando se dirigem a pessoas do mercado.

    O motivo disso pode estar associado à forma que elas sentem que seus empreendimentos são vistos em relação a negócios fundados por homens, sendo que 31,5% afirmam que as enxergam com menos seriedade.

    Em entrevista à CNN, Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora e do Instituo RME afirma que existem quatro dificuldades principais que dificultam o ato de empreender pelo público feminino:

    • Acesso a capital: créditos, linhas de inovação e outros recursos financeiros
    • Rede de apoio: não somente vagas de creche, por exemplo, mas também horários mais flexíveis, já que a realidade da mulher empreendedora é de flexibilização do horário e outras particularidades. Especialmente para aquelas que se encontram em vulnerabilidade social.
    • Acesso a ambientes de inovação: programas de inovação e linhas de fomento que ajudem a incluir tecnologia nos negócios.
    • Acesso a mercado: programas que possibilitem a venda de serviços e produtos oferecidos pelas mulheres empreendedoras, a exemplo das compras inclusivas, programas de empresas privadas ou do governo que adquirem parcela de pequenos negócios liderados por mulheres.

    O acesso à tecnologia é um dos pontos cruciais que Ana aponta para o enfrentamento às dificuldades que as mulheres vivenciam ao empreender.

    Ela afirma que o número de mulheres na liderança já é pequeno, mas se colocamos o filtro e “tentamos pesquisar co-fundadoras de startups unicórnios – startups que faturaram mais de um bilhão – o número diminui absurdamente”. 

    Perfil das mulheres empreendedoras

    As mulheres que empreendem são em sua maioria brancas, entre a faixa dos 35 a 44 anos e 51,5% delas possui pós-graduação, segundo a pesquisa da Olhi com 235 respondentes. 

    Ter independência profissional foi o que fez 60,4% delas começarem a empreender, sendo que 30,6% o fez para conseguir conciliar trabalho e maternidade.

    De acordo com Ana Flávia, do Sebrae-SP, muitas mulheres também fundam seus negócios por necessidade de prover renda. Pouco mais de 20% cada responderam que o que as motivou foi sustentar a casa/família e complementar a renda.

    Esses diversos motivos e preocupações, que se somam à acumulação de tarefas, faz com que 62,2% das empreendedoras sintam exaustão e cansaço.

    Segundo a especialista, as empreendedoras ainda se sentem sobrecarregadas e ansiosas ao perceberem não ser possível dar conta de tudo.

    “A gente tem essa cultura de falar que mulher é multifacetada, mas ela tem limites”, pontua.

    Mais da metade foram diagnosticadas com algum transtorno mental, entre ansiedade, depressão, transtorno alimentar e síndrome do pânico.

    Para 74,5% do público feminino, a saúde mental também é um dos fatores que afeta sua performance, além de comprometer as atividades de cuidado com familiares ou pessoas do convívio.

    Dicas de mulheres empreendedoras em destaque

    Karine dos Santos Oliveira

    Os segmentos em que as mulheres empreendem, em sua maioria, são aqueles mais próximos às atividades que exercem no dia a dia ou estão mais habituadas. Por isso, 13,2% se dedicam a áreas de contabilidade, finanças e marketing.

    A CNN ouviu diversas mulheres, suas histórias e principalmente, como empreenderam em um ambiente tão desafiador.

    Divulgação/Wakanda Educação

    Karine dos Santos Oliveira, fundadora do Wakanda Educação e destaque do programa Shark Tank, começou no caminho do empreendedorismo para atender outros empreendedores da sua região, no bairro Engenho Velho, em Salvador, que têm seus negócios como único meio de subsistência e não porque enxergaram uma oportunidade, como trançistas, cabeleireiras, barbeiros, vendedores de marmitas, revendedoras de revistas e ambulantes.

    Ela ressalta que a maioria desse tipo de empreendedores – por necessidade – são pessoas negras que não faturam tanto assim. Por isso, viu a necessidade de criar um ambiente de apoio, que simplificasse a linguagem e fosse mais acessível a esses empreendimentos.

    Contudo, enfrentou diversas dificuldades nos primeiros anos devido à falta de investimentos, a comentários de descrédito por ser uma mulher negra, jovem e periférica e à falta de representatividade no seu meio.

    “Para além de ser uma startup liderada por uma mulher, que estava querendo ir na contramão em vez de complicar a linguagem, eu ainda estava geograficamente no nordeste”, comenta Karine, sendo a concentração dos investimentos e dinheiro no eixo sul-sudeste como mais uma dificuldade nesse processo.

    Ouvir e caminhar ao lado de outras mulheres como ela foi o que mais a ajudou, afirma.

    “Quando você vai começar a empreender (…) você se sente só, porque você tem que ser uma boa esposa, uma boa filha, uma boa aluna e uma boa empresária Então, essa sobrecarga, é manejada sozinha, mesmo que rodeada por uma equipe”, diz.

    Marília Lima

    Arquivo pessoal/Marília Lima/Cenoradas

    O segundo segmentos que elas dominam é de alimentos, com 12,8% do público feminino.

    Marília Lima é fundadora do Cenoradas, loja especializada em bolo de cenoura, e iniciou em um contexto bastante desafiador: a pandemia. Tudo começou quando enviou um bolo de cenoura a uma amiga, publicou nas redes e acabou se transformando de forma muito rápida em pedidos constantes para experimentar o seu produto.

    O que começou em casa, hoje escalou para quatro lojas e uma fábrica, além de mais de R$ 1 milhão em vendas entre janeiro e março de 2023. O negócio foi uma alternativa à demissão de uma agência de publicidade que trabalhava.

    Como empreendedora, Marília conta que teve que renunciar a muitas coisas e usar seu dinheiro guardado.

    “Cada dia é um dia, parece uma montanha-russa, me sinto sobrecarregada várias vezes porque tem decisões difíceis que tenho que tomar”.

    O que mais lhe chama atenção é a rede de delivery, já que usa seus conhecimentos de marketing para criar uma conexão com seu público através das embalagens e da experiência do unboxing que chega nas casas.

    Marília conta que o que a ajudou no processo mais burocrático do negócio, que pode ser uma grande dificuldade para muitas, foi pesquisar bastante na internet. Além de que o mais importante, segundo ela, é acreditar no processo.

    “Você tem que acreditar no seu trabalho, não ouvir muito a opinião dos outros porque pode ser algo ruim e ouvir pessoas com negócios parecidos”.

    Lela Brandão

    Divulgação/Lela Brandão

    Com 11,5%, outro setor que as mulheres empreendedoras também estão presentes é o da moda.

    A artista e empreendedora Lela Brandão, criou uma loja de roupas confortáveis, a Lela Brandão Co., e possui o podcast “Gostosas também choram”, disponível no Spotify.

    Ela começou como muralista, criando uma comunidade sólida nas suas redes sociais e assim entrando no universo da comunicação. A partir disso, ela viu a oportunidade e decidiu abrir um empreendimento que sanasse as suas necessidades e do seu público de mulheres em relação à indústria da moda: roupas confortáveis que também fossem bonitas.

    Hoje, como estilista e diretora de marketing da marca, conta que muitas vezes é difícil ser levada a sério, já que ela empreende ao lado do seu sócio e noivo, além de outros amigos, homens.

    “Eu vejo como é diferente o tratamento, tanto de fornecedores, instituições e organizações, quanto até com clientes (…) é muito diferente a seriedade com que escutam e oferecem oportunidades”.

    Seu podcast, criado com uma lógica de maior proximidade e vulnerabilidade com seu público majoritariamente feminino, converte em aproximadamente 9,9% em vendas na loja desde o lançamento.

    Lela relata que as mulheres têm que fazer jornadas duplas ou triplas para dar conta de tudo, uma vez que hoje elas estão no mercado de trabalho – fator que antigamente era pensado apenas para os homens – e também têm que fazer o trabalho de cuidados.

    “O que eu vejo entre minhas amigas e empreendedoras é que, mesmo que a gente tenha uma carreira muito sólida é muito difiícil de você escapar pelo menos da mentalidade de ‘eu sou responsável por isso, eu preciso elaborar qual vai ser a dinâmica da casa'”

    Uma dica que ela aponta como essencial é estar atenta a não acumular tarefas para não ficar tão sobrecarregada.

    “Converse com outras mulheres (…) a gente acha que tudo que agente passa é individual e que é um desafio que ninguém nunca passou, mas quando você conversa com outras mulheres as vezes ela sjá passaram por coisa sque você está passando e ela tem uma luz, uma direção”, acrescenta.

    Emily Ewell

    Arquivo pessoal/Emily Ewell

    Na tecnologia, o cenário atual é dominado por homens, com 83,3% do mercado, enquanto as mulheres ocupam apenas 12,3% dos cargos de tecnologia. Mas, Emily Ewell, CEO e co-fundadora da Pantys, vai na contramão desses dados.

    Emilly e sua sócia, Maria Eduarda Camargo, criaram a marca que tem como objetivo oferecer uma experiência mais positiva e sustentável, de forma ambiental e financeira, no processo de menstruar, com calcinhas e outros produtos absorventes. A ideia liga moda, saúde e tecnologia.

    Contudo, não foi nada fácil entrar no mundo do empreendedorismo. Emily conta que enfrentou situações incomômodas desde as mais simples às complexas, como ao abrir uma conta do correios para realizar os envios, a gerente perguntou se não queria usar a conta do seu marido.

    “Parece que a expectativa é que eu estou fazendo uma coisa ‘do ladinho’, que não é muito sério”, diz.

    Por um ano, ela e sua sócia investiram seu próprio dinheiro até conseguirem um fluxo de caixa saudável, já que o acesso a fundos de investimentos também foi outra barreira, mesmo que ambas tivessesm experiência em mercados.

    “Em conversa com um fundo muito bem respeitado na América Latina, ouviu toda a apresentação, a gente já tinha loja na Oscar Freire, já tinha comprovação que era uma empresa de verdade e não só de edital, e a resposta foi ‘adorei tudo, o projeto está muito lindo, mas meu conselho é que vocês precisam de um sócio homem, para ter sucesso e para eu ter interesse em investir em vocês'”, disse.

    A dica que ela deixa para mulheres empreendedoras, e que aprendeu por experiência própria, é ouvir sem julgamentos. O consumidor e a comunidade sabem muito, “e a gente tem que estar com a mente aberta, com o coração aberto, para seguir projetos que vão atender necessidades de verdade”.

    Veja também: Um em cada cinco jovens no país não estuda nem trabalha, aponta IBGE

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