Ex-diretores da Americanas forjavam contratos para mascarar resultados, aponta relatório
Investigação diz que varejista usou artifícios para melhorar resultados publicados e postergar pagamentos
O comitê independente que investigou a fraude na Americanas revelou que ex-diretores da empresa buscavam forjar contratos com fornecedores para mascarar seus resultados, enquanto utilizava operações de risco sacado para adiar suas obrigações.
Em janeiro de 2023, a Americanas revelou um esquema de fraude que teria ocultado um rombo de R$ 25,3 bilhões da empresa. Desde então, uma equipe de investigação revisou aproximadamente 74 terabytes de dados, 1,2 milhão de documentos e entrevistou cerca de 250 funcionários, ex-funcionários e terceiros para apurar o caso.
No fato relevante emitido na ocasião, a Americanas apontou inconsistências sobre “lançamentos contábeis redutores da conta fornecedores realizados em exercícios anteriores”, ou seja, a empresa estaria reportando a entrada de dinheiro que nunca existiu.
Conforme o relatório da investigação, contratos de verba de propaganda cooperada (VPC) forjados eram utilizados para melhorar os resultados divulgados pela empresa.
VPCs são acordos firmados entre uma varejista e seu fornecedor para promover seus produtos nas lojas. O objetivo é reduzir parte do custo da compra.
A investigação identificou uma série de VPCs que não foram pagos ou abatidos dos valores negociados com fornecedores informados pela empresa. De acordo com o relatório, não haviam valores negociados com fornecedores ou provas documentais suficientes para sustentar os lançamentos.
Foram apurados supostos contratos vencidos desde 2016 e que nunca foram pagos. Entre as irregularidades, foram observadas cartas em duplicidade, alegação do fornecedor de que valores tinham sido quitados ou não reconhecimento de valores pelo fornecedor.
A consultoria da varejista à época, KPMG, disse não ter encontrado evidências de acordos com fornecedores e nem abatimentos de valores.
Como eram forjados os resultados?
Os VPCs geram um saldo na conta de fornecedores da Americanas. A varejista compilava a primeira versão do seu fechamento sem o efeito dos VPCs forjados. Esses resultados então eram reavaliados e ajustados com os valores dos contratos de acordo com as expectativas do mercado.
“Registramos um VPC para alcançar nossas margens. Como ainda não temos todas as cartas do VPC, temos que mostrar todas as cartas. O que não temos cartas, tiro do contas a receber e coloco no fornecedor”, diz um dos e-mails trocados entre funcionários da empresa exposto pelo relatório.
A empresa planejava esses movimentos e identificavam esses contratos que sabiam que não seriam pagos como VPC B, que também eram chamados de VPC extra, carta fake ou carta ruim.
O resultado disso: os resultados apresentados pela empresa vinham superfaturados devido à subavaliação de custos e despesas, enquanto a conta de fornecedores também era diminuída considerando o que os parceiros deviam, em teoria, à varejista.
A investigação ainda constatou que haviam inconsistências entre as informações relacionadas aos VPCs dadas aos credores da Americanas e as de seu sistema interno. Foram notadas divergências em datas de vencimento de algumas cartas e do respectivo contrato.
Risco sacado
Enquanto maquiava seus resultados, para diminuir o consumo de caixa e esconder a manipulação da conta de fornecedores, a Americanas buscava postergar o pagamento de suas obrigações com os fornecedores.
Alguns dos meios utilizados foram operações utilizando crédito e antecipação de recebíveis dos VPCs não forjados. Mas o principal era a utilização de operações de risco sacado.
A operação envolve um credor, o fornecedor e a varejista. Ela consiste em o produto entregue ser pago em parte pelo banco sem juros, por conta da antecipação. Ao final do contrato a empresa paga o que deve ao credor e ao fornecedor.
A investigação descobriu que a Americanas realizava essas operações buscando negociar o alongamento dos prazos, utilizando títulos já vencidos no momento da contratação como garantia e acumulando despesas com o pagamento de reembolsos aos fornecedores.
Entre 2008 e 2022, as empresas do grupo realizaram um total de 36 operações de risco sacado com 32 aditivos, junto de 15 instituições financeiras e dois fundos de investimento.
À CNN, a Americanas disse que “reitera que os resultados do trabalho do Comitê Independente evidenciam a fraude cometida pela antiga diretoria, que manipulou os controles internos, e corroboram, por caminhos próprios, o que foi até o momento divulgado pela investigação criminal. A Americanas reafirma que é a maior interessada no esclarecimento dos fatos e na responsabilização judicial de todos os envolvidos”.