Mercado prevê nova alta na Selic, mas guerra gera divergências sobre patamar
Elevação para 11,75% ao ano em março ainda é majoritária, mas alta para 12% ganhou força entre especialistas


O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central divulga na noite desta quarta-feira (16) a decisão sobre a taxa básica de juros, a Selic. No mercado, é consenso de que os juros continuarão a subir. A aposta majoritária é de alta de 1 ponto percentual, para 11,75%, mas ela não é única.
O Brasil já tem a maior taxa de juros real do mundo, e deve continuar com esse título após a reunião de março, com um ciclo de altas que se iniciou em março de 2021 para combater a inflação no país, que encerrou o ano passado em 10,06%.
Para as casas de análise e bancos consultados pelo CNN Brasil Business, a continuidade do ciclo de altas já era esperada pelo grau de disseminação da inflação.
Mas o cenário piorou com as novas pressões inflacionárias geradas pela guerra entre Ucrânia e Rússia, dando origem a algumas projeções de alta maiores para a Selic, como a de 1,25 ponto percentual, a 12%, já nesta reunião. Um consenso, porém, é que os juros terminarão 2022 em um nível maior que o previsto anteriormente.
Projeções
Dentre as 12 casas de análise e bancos consultados pelo CNN Brasil Business, sete projetam a Selic em 11,75% após a reunião (XP, BTG Pactual, Toro, LCA, Suno, Ativa e Itaú), enquanto quatro esperam a Selic em 12% (Banco MUFG, Necton, Genial e Paraná Banco) e um em 12,25% (Banco UBS).
É um cenário mais disperso que o da última reunião, quando todos os consultados esperavam que os juros subissem para 10,75% e voltassem aos dois dígitos após cinco anos, o que ocorreu. Mesmo assim, a alta para 11,75% manteve-se como a favorita desde o fim do último encontro do Copom, em fevereiro.
É o que também indica o Relatório Focus, que consulta uma série de agentes do mercado, e na edição mais recente trouxe a projeção de alta da Selic para 11,75%. Por outro lado, o documento trouxe outra tendência, a de projetar os juros ao fim de 2022 em um patamar maior que o previsto inicialmente.
No Focus, a previsão da taxa Selic no fim do ano passou de 12,25% para 12,75%. É um movimento em linha com a consulta do CNN Brasil Business, mas nesse caso a maioria dos consultados espera que os juros terminem 2022 em 13%.
Causas para a alta
A economia brasileira começou 2022 com “heranças” da inflação em 2021, ligada a uma série de choques de ofertas gerados pela pandemia que encareceram alguns produtos, em especial as commodities, caso do petróleo e consequentemente dos combustíveis.
No Brasil, a combinação de dólar valorizado devido à percepção de riscos fiscais, a crise hídrica e energética e a produção de alimentos menor que o esperado devido a problemas climáticos intensificaram o problema.
Com isso, a inflação iniciou o ano disseminada pelos setores da economia. Entretanto, o Copom já havia começado um forte ciclo de alta da taxa Selic, e a expectativa do comitê é de que isso seria suficiente para colocar a inflação sob controle e rumo à meta.
“Com base em simulações com diferentes trajetórias de política monetária, o Copom concluiu que, após mais uma alta de 1,5 ponto percentual [em fevereiro], seria possível antecipar altas adicionais em ritmo mais lento nas próximas reuniões”, diz o BTG em relatório.
Favorecendo essa visão, o dólar entrou uma tendência de forte desvalorização em relação ao real no começo de 2022, com o mercado brasileiro favorecido pelos juros altos e ligação com commodities. A moeda depreciada, na faixa dos R$ 5,10, ajuda a reduzir as pressões inflacionárias, barateando importações.
Mas o cenário com que o Copom trabalhava mudou. O principal fator para isso foi a eclosão da guerra entre Ucrânia e Rússia.
Dois importantes produtores de commodities minerais, energéticas e agrícolas, o conflito fez o preço desses produtos dispararem, gerando uma nova, e forte, pressão inflacionária em todo o mundo. O petróleo, por exemplo, chegou a passar dos US$ 130 o barril e segue rondando US$ 100, com a Petrobras realizando o maior reajuste nos preços dos combustíveis em um ano.
Esse cenário pode exigir juros ainda maiores, incluindo no Brasil, apesar do patamar já elevado.
Em relatório, a XP cita ainda dois elementos que podem fazer o Copom considerar subir mais a Selic no futuro que o previsto.
O primeiro é que a inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), segue em níveis elevados e superando os valores estimados no mercado, indicando disseminação.
“Não há sinal de que o aperto monetário implementado pelo banco central desde março do ano passado esteja desacelerando a inflação”, diz o relatório.
Já os números da atividade econômica “sugerem demanda final um pouco melhor do que o esperado”, o que acaba sendo um fator de inflação.
Combinando todos esses fatores, a expectativa da XP é de que o Copom suba mais a Selic, e que “seria prudente o Copom deixar as portas abertas para a próxima reunião, ao invés de sinalizar outra alta de mesma magnitude”.
Yihao Lin, coordenador de economia da Genial Investimentos, afirma que a principal mudança que o Copom precisará considerar nesta reunião é a deterioração do cenário externo.
Para ele, apesar de a queda do dólar ser positiva, há uma tendência de retomada da valorização devido à alta volatilidade no período eleitoral, o que pioraria o cenário econômico. O principal ponto positivo, diz, é a perspectiva de implementação da bandeira verde nas contas de luz em maio, relaxando um gerador de custos e grande contribuidor para a inflação.
Segundo o BTG, o Copom não deu sinais recentes de que mudou a posição apresentada em fevereiro, e “alguns dos choques significativos que pressionaram a inflação do IPCA se dissiparam. Mas o IPCA recuperou tração no início deste ano e sua composição continua desfavorável”. Por isso, a projeção é de um ciclo de alta maior.
Também em relatório, o Banco UBS resume a situação do comitê: “às vezes, coisas inesperadas acontecem e, quando acontecem, os planos devem mudar”.
“A inflação para 2022 e 2023 será maior do que anteriormente esperado, em nossa opinião, com um choque de commodities primárias e inflação de bens, uma vez que a normalização dos preços relativos de bens/serviços provavelmente levará mais tempo para convergir”, diz.
Mesmo assim, Gustavo Sung, economista da Suno Research, avalia que “utilizando como referência as últimas atas do Copom, a autoridade monetária deverá prezar pela cautela para não tomar qualquer atitude precipitada que leve, por exemplo, à redução da atividade econômica”.
Com o cenário de alta incerteza, a expectativa é de que o Copom tenha cautela, o que também dificulta prever exatamente quanto a Selic subirá em maio, e principalmente em quanto encerrará no ano de 2022.
“Naturalmente, o comitê deve enfatizar que, em ambiente de elevada incerteza, os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar a convergência da inflação para suas metas”, afirma o Itaú em relatório.
Saiba mais sobre o petróleo e como funciona a sua cotação
- 1 de 9
O petróleo é considerado uma commodity. O termo se refere a recursos finitos que têm origem na natureza e são comercializados. No caso, o petróleo é usado principalmente como combustível, mas também dá origem a materiais como o plástico • REUTERS/Vasily Fedosenko
- 2 de 9
O petróleo pode ser de vários tipos, dependendo principalmente do seu grau de impureza. Os dois principais, Brent e WTI, são leves (pouco impuros), e a diferença se dá pelo local de negociação: bolsa de Nova York no caso do Brent e bolsa de Londres no caso do WTI • Instagram/ Reprodução
- 3 de 9
Os preços do petróleo seguem uma cotação internacional, e flutuam pela oferta e demanda. No Brasil, o preço de referência adotado pela Petrobras - maior produtora no país - é do Brent, seguindo a cotação internacional, em dólar • REUTERS
-
- 4 de 9
Quando se fala da comercialização de petróleo, um fator importante é a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). Com 13 membros, ela é responsável por quase 50% da produção mundial de petróleo, e portanto consegue regular a oferta - e preços - pelos fluxos de produção • Reuters/Dado Ruvic
- 5 de 9
A partir de 2020, os preços do petróleo foram afetados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia. A Opep+ (que inclui países aliados do grupo, como a Rússia) decidiu cortar a produção temporariamente devido à baixa demanda com lockdowns, e os preços caíram. A média em 2020 foi US$ 40, distante da de anos anteriores, entre US$ 60 e US$ 70 • REUTERS
- 6 de 9
Em 2021, porém, o cenário mudou, com o avanço da vacinação, os países reabriram rapidamente, e a demanda por commodities decolou, incluindo pelo petróleo. A Opep+, porém, decidiu manter os níveis de produção de 2020, e a oferta baixa fez os preços saltaram, ultrapassando US$ 80 • REUTERS/Nick Oxford
-
- 7 de 9
Já em 2022, a situação piorou. A guerra na Ucrânia, e as sanções ocidentais a um dos maiores produtores mundiais da commodity, a Rússia, fizeram os preços dispararem, ultrapassando os US$ 120. Atualmente, o barril varia entre US$ 100 e US$ 115 • 03/06/2022REUTERS/Angus Mordant
- 8 de 9
A alta dos preços do petróleo, porém, trouxe consequências negativas para o Brasil. Como a Petrobras segue a cotação internacional e o dólar está valorizado ante o real, ela subiu o preço nas refinarias, o que levou a uma elevação da gasolina e outros combustíveis. Até o momento, o preço da gasolina já subiu 70% • REUTERS/Max Rossi
- 9 de 9
A alta do petróleo não afetou só o Brasil. Países dependentes da commodity, como EUA, Índia e Reino Unido, também viram os preços dos combustíveis subirem, e têm tentado pressionar a Opep+ a retomar os níveis de produção pré-pandemia, o que tem ocorrido lentamente enquanto a organização aproveita para se recuperar das perdas em 2020 • Reuters
-