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    Guerra muda projeções sobre dívida pública do Brasil, com chance de nova queda

    Segundo recuo consecutivo na relação dívida/PIB não reverteria tendência de alta nos próximos anos, dizem especialistas

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business , em São Paulo

    A guerra entre Ucrânia e Rússia tem tido uma série de efeitos diretos e indiretos na economia, e um dos mais recentes é a revisão de projeções sobre a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) em 2022.

    Apesar de o mercado ainda apostar em uma alta da dívida em relação ao nível de 2021, de 80,29%, revisões já começam a ser feitas. Uma delas, da XP, projeta agora uma queda na dívida, seguindo o movimento do ano passado.

    Mesmo assim, os especialistas consultados pelo CNN Brasil Business afirmam que esse alívio na dívida, de uma queda ou alta menor, não reverte a tendência de elevação que ganhou força a partir de 2014, e nem a necessidade de realizar reformas estruturais.

    O efeito da guerra

    O economista da XP, Tiago Sbardelotto, afirma que, antes da guerra na Ucrânia, a expectativa era de que o governo tivesse um resultado primário pior, com déficit maior. Combinado com uma taxa de juros ao longo do ano bem mais alta que em 2021, a perspectiva era de arrecadação menor e juros de dívida maiores, e portanto a dívida subiria.

    Para 2022, a projeção era que a relação dívida/PIB ficasse em 83,7%. A situação da taxa de juros não mudou, com a Selic começando o ano em 10,75% e devendo encerrar em, no mínimo, 12,75%. Mas as perspectivas para a arrecadação melhoraram.

    “O que mudou é que, com a guerra e valorização de commodities, a arrecadação tende a subir, e o PIB nominal, que é o denominador da equação, também subiu muito, e isso é mais que suficiente para compensar a elevação da taxa de juros”, diz.

    O PIB nominal é medido a partir da multiplicação do Produto Interno Bruto pelo “deflator do PIB”, um indicador de inflação um pouco mais abrangente que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

    Ou seja, com a perspectiva de uma inflação maior graças ao choque nas commodities, do petróleo ao trigo, o efeito inflacionário tende a aumentar a arrecadação no curto prazo pelos preços maiores, assim como o PIB nominal.

    A projeção de queda feita pela XP leva em conta uma duração limitada para o conflito, de dois a três meses, que segundo o economista “já seria suficiente para o impacto do choque se transmitir para a economia”.

    “Tem tido discussões, negociações, e isso gera resposta do mercado, mas os preços ainda continuam bastante pressionados pela incerteza quanto ao conflito. Se a guerra acabasse hoje, boa parte desse efeito já estaria na economia”, afirma.

    Juliana Damasceno, economista da Tendência Consultoria e pesquisadora associada do FGV IBRE, ainda não aposta em queda da relação dívida/PIB, mas sim em um crescimento menor que o previsto antes da guerra.

    A expectativa da consultoria é de que a relação fique na casa dos 81%, no máximo 82%. Para ela, as causas são “motores conjunturais”, assim como em 2021, devido à alta inflação.

    “Achávamos que motores de preços de commodities, câmbio e inflação fossem ser mais fracos neste ano. Mas commodities e inflação continuam em cena, não perderam tração. Não são coisas a se comemorar mesmo que tragam algum benefício”, avalia.

    A alta nos preços dos combustíveis, também devido à elevação nas commodities, é outra “promessa de arrecadação maior”, e deve ter efeito indireto na dívida.

    Damasceno considera que, graças à inflação, o PIB nominal deve ser alto mesmo com a perspectiva de baixo crescimento em 2022, mas ainda não é possível dizer se compensará o aumento no estoque de dívida. “Mas, se [o PIB nominal] vai ser maior, faz a dívida crescer menos”.

    Em relação à taxa Selic, a pesquisadora afirma que haverá um custo maior de carregamento da dívida devido aos juros altos, assim como para emitir novas dívidas, o que também é um fator que complica o cenário de redução na dívida/PIB em 2022.

    Riscos com gastos

    A projeção de queda feita pela XP já leva em conta, segundo Sbardelotto, medidas recentes do governo federal chamadas de “renúncias fiscais”, quando abre-se mão da arrecadação com a redução temporária de impostos.

    É o caso da desoneração do PIS/Cofins no diesel e do corte da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para 25% —e que ainda deve chegar a 33%.

    “Com essas duas medidas, consegue ter um saldo bastante positivo ainda, mas medidas adicionais além dessas já começam a pesar. Apesar de às vezes ser individualmente pequeno, quando vai somando vai ficando um impacto grande”, diz.

    Ele avalia que o impacto das medidas de renúncia fiscal afeta mais os anos subsequentes do que 2022 em si, o que também depende do tempo de duração delas. Para o economista, havia espaço para realizar essas desonerações, mas agora esse espaço está “muito mais limitado”.

    O risco nesse caso seria que novas medidas do governo gerassem custos e reduzissem a receita a ponto de compensar os benefícios pela inflação alta, e então a dívida cresceria.

    “Não dá para pensar em desoneração na gasolina, é um custo muito alto, mesma coisa para transporte público, ou aumentos salariais, isso pressiona o orçamento, em especial para os próximos anos”.

    Já Juliana Damasceno considera que o quadro mais positivo não vem de um aumento estrutural na arrecadação, e que ela poderia ser ainda mais alta em 2022 se não fossem as desonerações.

    “São medidas fáceis quando sabe que vai ter arrecadação bem maior, mas falta planejamento. O perigo é não serem temporárias, serem postergadas, porque aí compromete a arrecadação, que não teve uma melhora estrutural”, afirma.

    Outro risco, segundo a pesquisadora, é que medidas como zerar impostos só podem ser feitas uma vez, mas os preços continuam muito voláteis. Se o cenário piorar, o governo pode tentar realizar novas medidas para conter a inflação, e sair da esfera dos impostos para a de aumento de gastos.

    Nesse caso, o teto de gastos tinha uma brecha em 2022 de R$ 6 bilhões, e que já caiu para R$ 1,7 bilhão. “A execução orçamentária está mais complicada, a receita pode ser menos forte se desonera muito, e há a pressão no lado dos gastos, como reajuste de servidores. Mostra a falta de planejamento e esforço em fazer reformas, revisitação de gastos”, diz.

    Há riscos também que a eleição presidencial acabe gerando uma desvalorização cambial, em especial se ela for mais polarizada e populista. O aumento do dólar refletiria nos combustíveis, e poderia levar a medidas de gastos pelo governo que pioraram o quadro da dívida pública.

    Com esses fatores, a pesquisadora afirma que as projeções para a dívida tem mudando bastante desde o início do ano, e que o cenário ainda é incerto, podendo tanto melhorar quanto piorar.

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    Dívida ainda deve subir em 2023

    Damasceno afirma que, como os fatores para a queda da dívida em 2021, e possivelmente em 2022, são totalmente conjunturais, ligados à pandemia e à guerra, uma vez que eles passem a tendência é que a dívida retome a tendência de alta pela falta de reformas estruturais.

    “Para 2023, a expectativa é de freio no preço das commodities, o que ajuda menos na inflação e a receita começa a mostrar o que de fato tem de estrutural. O crescimento também não deve ser tão grande, então projetamos uma expansão da dívida maior que nesse ano”, diz.

    A projeção atual da Tendências é de uma relação dívida/PIB em 82,2% em 2022, ante 82,9% antes da guerra. Para 2023, a previsão é de 84,1%.

    O problema, segundo a economista, é que faltam reformas para reduzir os componentes estruturais da dívida pública.

    “Os dois principais candidatos [nas pesquisas] não tem dado indicativos disso, de lidar com os problemas de gasto, orçamento, a governança do orçamento. Falta também uma reforma administrativa”, afirma.

    Para ela, é necessário um esforço e vontade de usar o capital político necessário para essas reformas, que também acabam sendo relativamente impopulares. “A sociedade precisa de uma assistência mais ampla, não zeramos a fila do Auxílio Brasil, e não tem espaço para isso hoje”, diz.

    A projeção da XP, segundo Tiago Sbardelotto, é que a receita do governo central comece a perder força no segundo semestre deste ano conforme a inflação recue, mas ainda com um ano positivo.

    Já para 2023, a queda deve se acentuar, com a arrecadação em um nível modesto e sem recordes históricos.

    “Por outro lado, o teto tem segurado as despesas. Em 2023, deve ter déficit na mesma proporção que temos neste ano, já que a receita e a despesa estão caindo quase na mesma proporção. A conta de juros começa a pesar muito a partir de 2023, e aí a dívida deve voltar a crescer”, afirma.

    Pela projeção atual, que considera a manutenção do teto de gastos e não espera novas medidas populistas, seria possível ter um superávit no resultado primário em 2024 ou 2025, mas mantendo a tendência de alta da dívida em relação ao PIB.

    A estabilização da dívida viria apenas em torno de 2027, e depois seria seguida por uma redução. Para 2023, a XP espera que a relação dívida/PIB fique em 82,5%, o que seria o maior valor da série histórica desconsiderando 2020, quando foi de 88,8% devido aos gastos com a pandemia.

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