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    China volta a ter lockdown, mas analistas veem impacto limitado em exportações brasileiras

    Mesmo com risco de crescimento chinês menor, Brasil pode se beneficiar com perspectiva de nova rodada de estímulo e demanda por commodities segue forte

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business em São Paulo

    A China voltou a fechar em março com a disseminação maior da variante Ômicron, sobretudo em áreas economicamente importantes do país, como Shenzen e Xangai.

    Para especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, esses novos lockdowns tendem a prejudicar o crescimento chinês e provocar uma nova rodada de estímulos que podem favorecer as exportações do Brasil. O país asiático é o maior parceiro comercial das empresas brasileiras.

    Livio Ribeiro, pesquisador do Ibre-FGV, afirma que os sinais mais recentes indicam um efeito negativo desses lockdowns para a demanda, mas a quantidade de informações ainda é incipiente, e é difícil dar uma certeza sobre a duração desse novo choque.

    “Parece ser um cenário de desaceleração mais intensa da economia chinesa, mesmo que mais pontual, nesse trimestre”, diz.

    Em março, quando os lockdowns já estavam em vigor, os Índices de Gerentes de Compras (PMIs, na sigla em inglês) dos setores de indústria e serviços ficaram abaixo de 50 pontos, indicando uma desaceleração da economia pela primeira vez desde 2020.

    O ponto principal, na visão de Ribeiro, é entender se essa desaceleração é persistente ou não, e ainda não há como definir isso porque não se sabe qual será a atitude do governo frente a esse choque.

    Shenzen e Xangai são polos industriais relevantes não apenas para a China, mas para o mundo, com fábricas de marcas como Apple e Samsung. Com a população não podendo sair de casa, uma das primeiras consequências é a queda de produção nessas regiões.

    Uma opção é o Estado reconhecer uma piora nas condições da economia, com uma meta de crescimento de 5,5% estabelecida antes da guerra da Ucrânia e dos novos lockdowns precisando ser revista, assim como as políticas para levar ao cumprimento da meta.

    Por outro lado, se essa meta for mantida, o governo precisará tomar mais medidas de incentivo à economia para tentar aquecê-la e aumentar a demanda interna, o que não seria negativo para o Brasil.

    Atualmente, as exportações brasileiras para a China são majoritariamente commodities, em especial o minério de ferro, a carne bovina, o petróleo e a soja. Ribeiro avalia que não vê a exportação de uma delas muito mais afetada que das outras.

    A mais “ameaçada” seria a do minério de ferro, que depende da demanda de indústrias e da construção civil, duas áreas bastante prejudicadas pelos lockdowns. “Quando interrompe a indústria siderúrgica, afeta minério no curto prazo, mas os estoques estão baixos”.

    Mas, para Ribeiro, os estoques baixos na China, que precisam ser repostos, limitam a queda na demanda com os lockdowns. Ao mesmo tempo, os preços do minério estão em níveis recordes, o que já beneficia o setor mesmo com uma possível queda na demanda.

    Ribeiro afirma também que, se o governo optar por intensificar estímulos para atingir a meta de 5,5%, a tendência é que o minério de ferro seja especialmente beneficiado devido à alta na produção e na demanda, o que não ocorreria com commodities alimentícias.

     

    Apenas a promessa do governo chinês de fazer isso no dia 30 de março já fez a cotação do minério de ferro no porto de Dalian ter o maior ganho trimestral desde o fim de 2020.

    Para Roberto Dumas, professor do Insper, os lockdowns já indicam que a China vai crescer menos em 2022, mas isso não necessariamente prejudica o Brasil na demanda por commodities, em especial as agrícolas.

    O motivo é a guinada no modelo econômico chinês cada vez mais para fomentar o consumo e a renda da população. E uma tendência é que, com aumento da renda, o consumo de produtos que o Brasil exporta também aumente.

    No caso das commodities metálicas, a situação seria de crescer menos que o esperado, mas ainda com expansão nas exportações, diz Dumas.

    “A política de Covid zero foi implementada no fim de 2021, teve um controle, mas a Ômicron gerou vários surtos, e isso já começa a prejudicar a economia”, afirma

    Antes mesmo dos casos atuais, o governo já tinha revisto a meta de crescimento em 2021. “A revisão é boa, mas muda a precificação de ativos, investimento, vendas. Isso bate em commodities, mas não agrícolas, porque elas envolvem alimentação, e aí reduzir consumo delas pode gerar tensão social”.

    O professor avalia que o Brasil ainda tem um cenário “bastante positivo” na China graças às políticas públicas voltadas ao consumo e renda, mas que a situação poderia ser “ainda mais positivs” sem os lockdowns. “Os lockdowns já são negativos, e quanto mais tempo durar, pior”.

    Já Ribeiro considera que mesmo que a China cresça menos, uma taxa menor não representa necessariamente uma demanda reduzida.

    Por mais que os níveis não sejam semelhantes aos avanços de dois dígitos nos anos 2000, a economia chinesa hoje é muito maior, e mesmo crescimentos pequenos já representam expansão de demanda significativa. Com isso, os impactos dos fechamentos para as exportações brasileiras ficam limitados.

    Outras consequências

    Para Dumas, o principal efeito dos novos lockdowns na China é reforçar um processo de mudança na organização de empresas em meio à globalização, com um foco em cadeias de produção mais próximas do país consumidor, ou até dentro, para reduzir vulnerabilidades.

    “Mas isso, de certa forma, não quer dizer que tem que abandonar a China, mas sim diversificar a parceria de fornecedores”, diz.

    Ele avalia que “a globalização está se transformando”, e o processo ganhou força após a pandemia mostrar vulnerabilidades nas cadeias, que reaparecem agora com os novos lockdowns e a guerra na Ucrânia.

    O estabelecimento dos isolamentos também ocorreu com uma média de casos baixa na China para os padrões internacionais, ainda na casa dos 10 mil por dia, mas segue a política de Covid-19 zero do governo.

    Apesar dela gerar choques pontuais que prejudicam a economia pela queda na produção, Dumas diz que o governo provavelmente insistirá nesse posicionamento, ainda que apenas no discurso. “Pode flexibilizar um pouco, mas não falar que parou, indicar um retrocesso”.

    Por isso, ele ainda aposta em novos choques devido gerados por lockdowns no país, cuja acumulação de efeitos piora ainda mais o cenário para a economia global afetada por uma guerra, com novas pressões inflacionárias.

    Livio Ribeiro diz que esperava uma revisão dessa política após as Olimpíadas de Inverno, em Pequim, e algumas restrições chegaram a cair, mas voltaram com os novos surtos.

    A estratégia chinesa é diferente da de outros lugares, são mais proativos em controle de focos do que a gente observa por aí. Tem espaço para revisão, mas é um espaço relativamente apertado”, avalia.

    Ele também não descarta novos choques devido a essas restrições, o que segundo ele aumenta ainda mais a incerteza sobre a economia da China em 2022. “Quanto mais foram implementados e mais tempo durarem, pior para a economia”.

    Mesmo assim, ele ainda não considera que a China passou a exportar inflação com encarecimento de custos de empresas, mas sim que ela abandonou uma tendência recente de exportar deflação, uma mudança que já acaba contribuindo para o cenário de inflação global que indiretamente atinge o Brasil.

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