América do Sul deve crescer 2,6% em 2022, avalia Cepal
Combinação de fatores gerou fortes pressões inflacionárias na região, com perspectiva de crescimento menor
Os países da América do Sul vêm passando por um quadro econômico comum em 2022, tanto pelos fatores que ajudam as suas economias quanto pelos elementos negativos, em especial a inflação.
Um relatório divulgado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgado nesta terça-feira (23) projeta que a região deve ter crescimento de 2,7% em 2022. Em 2021, a alta de 6,5%.
Considerando apenas a América do Sul, a expectativa é de expansão de 2,6%. Para o Brasil, a previsão é de alta de 1,6%.
Segundo o Cepal, “a desaceleração econômica aprofundou-se pelos efeitos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, somando-se aos crescentes limitadores que a política macroeconômica doméstica enfrenta para impulsionar o crescimento”.
“Embora alguns países da região — principalmente os exportadores líquidos de energia – têm se beneficiado do alto preço desses produtos nos mercados internacionais, na maioria dos países há quedas dos termos de troca”, ressalta a organização.
O relatório destaca ainda que “as condições financeiras mais restritivas nos mercados internacionais e a maior aversão ao risco dos investidores estão afetando os fluxos financeiros para a região”.
Desempenho em 2022
Francisco Nobre, economista da XP, aponta que o ano de 2022 teve um início favorável para a região, graças a um fluxo de entrada de investimentos estrangeiros apoiado em bolsas de valores e câmbios “baratos”, preços altos de commodities e um combate rápido à inflação.
“Os bancos centrais começaram a subir juros antes dos países desenvolvidos, e criou-se um fluxo de capitais para dentro da região, com valorização de câmbio e ativos”, observa.
Entretanto, o início da guerra na Ucrânia piorou o cenário inflacionário mundial, afetando também a região.
“A aversão a riscos aumentou, o que tende a afetar negativamente economias emergentes como da América Latina, a tendência é ver o fluxo de capital saindo desses países e indo para economias consideradas mais seguras”, destaca o economista.
Desde então, houve uma desvalorização do câmbio latinoamericano, refletindo um cenário de “juros mais altos e chance maior de recessão global”.
Com isso, houve uma revisão geral das projeções de crescimento por diversas instituições, incluindo o Cepal, esperando agora um desempenho econômico pior em relação a 2021.
Entretanto, Paulo Feldmann, professor da USP, observa que 2021 “não é um bom ano de comparação. Ele teve muito crescimento porque 2020 foi um ano péssimo, com queda muito grande por causa da pandemia”.
Ele destaca que os países da América do Sul são muito dependentes de commodities, que possuem um forte peso em economias como a da Colômbia, Chile, Argentina e Brasil.
Como os valores desses produtos dispararam em 2022, a situação dessas economias pode acabar sendo melhor que a de países desenvolvidos na Europa e dos Estados Unidos, pondera Nobre, já que eles foram mais afetados pela guerra.
A piora das pressões inflacionários gerou um quadro de níveis recordes em países que tradicionalmente não enfrentam inflações descontroladas, como o Chile e a Colômbia, com um quadro piorado por fatores como as mudanças políticas nos dois países.
“No Chile teve a entrada de um novo presidente de esquerda, com agenda de gastos ambiciosas e incertezas quanto à implementação pela falta de apoio o Congresso”, observa.
Já no caso da Colômbia, “também há incerteza política elevada, com o primeiro presidente de esquerda e uma agenda ambiciosa, de mais gastos e reformas para aumentar a arrecadação”.
Nobre afirma que, mesmo com os dois países tendo um crescimento alto acompanhando as exportações de commodities, os déficits de fluxo de moeda estrangeira estão altos, pressionando os câmbios dos dois países para baixo.
Considerando que o quadro econômico da Argentina é ainda pior, com a maior inflação da América do Sul, Nobre diz que o Brasil “se posiciona até melhor pela alta nos preços das commodities, e vem surpreendendo na atividade, superando expectativas”.
“A arrecadação vem crescendo de forma forte, o mercado de trabalho também, o Brasil, em termos relativos, pode ser destaque”, avalia o economista, destacando que o real é a moeda sulamericana com maior valorização até o momento.
Já Feldmann ressalta que “há um crescimento com elementos como o aumento do valor do Auxílio Brasil e outros fatores como uma retomada do comércio, e o setor de serviços em geral crescendo mais do que em 2021, com pequeno aumento na renda das pessoas”.
Mesmo assim, o destaque no ano ainda deve ser a volta da inflação, com o professor dizendo que ela se reflete “principalmente via combustíveis, além de produtos que importamos muito, como componentes eletrônicos e semicondutores, que a região não fabrica”.
Perspectivas
Nobre, da XP, destaca que a região deve desacelerar neste ano pela combinação de inflação alta e juros ainda mais elevados para combatê-la. Mas a maior parte da desaceleração deve ocorrer em 2023, com chances de um quadro recessivo.
Para Feldmann, a queda nas cotações das commodities em 2023 devido à desaceleração global deve prejudicar a região, com menos exportações e entrada menor de dólares, afetando os câmbios.
No caso do Brasil, as medidas do governo federal para aquecer a economia e reduzir preços, em especial o teto de 17% no ICMS e aumento do Auxílio Brasil, devem ter um impacto negativo no próximo ano, com repercussão na região.
“O Brasil é o líder da América do Sul, responsável por 35% do PIB da América Latina, 50% da do Sul. Se a economia brasileira vai mal, a economia da América do Sul vai mal”, avalia.
Ele afirma ainda, que, em 2023, a região enfrentará a combinação de combate à inflação via aumento de juros, uma desaceleração na China, maior parceira comercial da América do Sul, e novas repercussões da guerra.
A tendência, segundo Nobre, é de “crescimento menor, e mais desaceleração econômica”.