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    “Vida de menos consumo”: trend do TikTok prega sustentabilidade, mas reflete privilégios, dizem especialistas

    Movimento "Underconsumption core", similar ao "Project Pan", prega consumo consciente, mas ainda de uma perspectiva distante da realidade da maioria da população

    Marien Ramosda CNN*

    Uma realidade na qual as pessoas compram o que precisam e utilizam seus produtos até o fim. Podia ser a rotina de grande parte dos brasileiros, mas é uma trend do TikTok que já conta com mais de 10 mil vídeos circulando na rede social, em especial, fora do Brasil.

    Chamado de “undercosumption core“, ou uma “vida de menos consumo”, da tradução livre do inglês, o movimento vem sendo disseminado no último mês sobretudo entre jovens na faixa dos 20 e 30 anos.

    Em um dos vídeos, que já conta com 115 mil visualizações, o jovem se gaba por usar “o mesmo par de tênis todos os dias por dois anos” e por sempre usar até a última gota de seus produtos.

    Em diversos relatos, as pessoas mostram a quantidade de produtos que haviam adquirido ao longo dos anos por consumismo, mas nem mesmo usado.

    Não é muito diferente do “Project Pan”, outra tendência relacionada à redução de desperdícios e economia, mais frequente no TikTok brasileiro.

    “Consegui finalizar dois cremes. Esse, aqui na frente, até parece que tem, mas não dá para tirar mais nada. Acreditem, eu tentei. Esse eu precisei abrir para conseguir tirar, e foi muito bom”, conta a brasileira Alice Muller, em um dos vídeos com 105,3 mil visualizações.

    @alicemullerg resultado do meu project pan de junho 🤩 foi meu primeiro e eu adorei, vou postar video do project pan de julho tambem! #projectpan #projetopan #beleza #cosmeticos #cuidadopessoal ♬ BIRDS OF A FEATHER sped up – Dear.angel.lacy14

    Consumo consciente ou privilégio?

    A sequência pode até estar falando de consumo consciente, mas ainda de uma perspectiva distante da realidade da maioria da população, inclusive da norte-americana, defende Lilian Carvalho, professora de marketing digital da Fundação Getulio Vargas (FGV).

    Quem promove essa pauta é quem, normalmente, tem os meios de dizer que já consumiu muito e agora consegue conter os gastos, explica a especialista em entrevista à CNN.

    “Hoje em dia a classe alta de qualquer geração entende que é mais difícil se diferenciar por consumo, já que o outro pode dividir em até 12 parcelas ou alugar. Hoje ele tem se diferenciado pelas ‘crenças de luxo’, como a ideia do minimalismo. Na verdade, é um ‘não consumo’ para se diferenciar das classes mais baixas”, diz Carvalho.

    A professora também relaciona esse discurso ao de coachs, profissionais que se dispõem a passar motivação e orientação, à medida que muitos falam em não fazer faculdade. “Mas tem quem já não possui esse direito: pessoas de baixa renda”, pontua, analisando a realidade de grande parte da população.

    Nessa linha, alguns internautas participam do movimento de forma irônica. Em um dos vídeos, uma usuária dos EUA escreve: “menos consumo, mas, na verdade, é a realidade de viver abaixo da linha de pobreza”, mostrando detalhes da sua casa.

    @itshardouthereman my culture of underconsumption is not your costume! #underconsumption #fyp coffee morning vibes #viral #underconsumptioncore ♬ original sound – speedz!

    Michel Alcoforado, antropólogo e pesquisador, vê essa trend no Brasil menos atrelada à questão da sustentabilidade e mais a uma pauta de ocasião entre o público mais jovem.

    Para ele, o movimento “está ligado à perenidade da identidade de quem consome. Os mais jovens eram marcados pela ideia de identidade, do eu que perdura ao longo do tempo, e agora, ao que muda com as circunstâncias que ele se submete, mais ligado ao estou do que sou”.

    Especialmente entre os jovens, a ideia é ser aquilo que muda com as circunstâncias a que ele se submete, principalmente ao consumir — seja produtos ou conteúdo nas redes sociais, pontuou Alcoforado.

    Ainda que seja um movimento efêmero, na opinião do especialista, o professor vê a trend impactando as marcas. Para ele, existem marcas que conseguem driblar ou se encaixar mesmo nesse cenário de menos consumo.

    “É o exemplo da Stanley, que consegue promover algumas novidades e vender um conceito aos consumidores”, afirma.

    Em algumas postagens da trend, é comum pessoas se gabarem de ter uma garrafa da marca por mais de um ano, por exemplo.

    “Não vou comprar só mais uma garrafa porque a cor da tampa é diferente, as empresas conseguem mostrar inovação”, diz o especialista.

    Vale dizer que esse movimento ocorre em um cenário onde o TikTok se mostra muito influente na esfera do consumo, já que 1 em cada 3 usuários indicou ter comprado algo que conheceu na plataforma, segundo pesquisa da Opinion Box em abril deste ano.

    Redes sociais são usadas por 65% dos brasileiros para compras online

    *Sob supervisão de Gabriel Bosa

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