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    Vara, Conga, Tchau: ações com ‘torcidas organizadas’ prejudicam o mercado?

    Derretimento das opções da Cogna acende luz amarela; gestores acreditam em distorção no curto prazo ou até mesmo bolha em alguns papéis da B3

    Matheus Prado, , do CNN Brasil Business, em São Paulo

    via varejo
    Loja da Casas Bahia, da Via Varejo: empresa é uma das ‘queridinhas’ das redes sociais e tem até o apelido de ‘Vara’
    Foto: Leonardo Benassatto/Reuters

    A transição galopante do investidor pessoa física para a renda variável, catapultada pela histórica queda na taxa de juros, é super bem-vinda e muito esperada pelo mercado financeiro. Nessa linha, entre março e julho de 2020, período de pico da pandemia do novo coronavírus, a B3 (B3SA3) ganhou 900 mil investidores. E, até aí, tudo ótimo.

    O problema, para muitos especialistas, é que alguns destes recém-estabelecidos ‘sócios’ das maiores empresas do Brasil ainda não têm o conhecimento necessário e estão entrando de cabeça na bolsa de valores. Com um agravante: fazem isso sem consultar os profissionais certificados.  

    Neste processo, a fome se junta com a vontade de comer nas redes sociais. Sobram informações (boas e ruins) e pessoas prontas para dizer o que tem de errado ou que papel está faltando no seu portfólio de investimentos. De maneira ainda mais profunda, alguns investidores passam a torcer ativamente por uma empresa e colocam boa parte dos suas economias numa ação só.

    Não é preciso procurar muito para encontrar, inclusive, apelidos para alguns destes ativos no Twitter (o ‘fintwit’) ou em grupos do Facebook. Via Varejo (VVAR3) é Vara, Cogna (COGN3) é Conga, Oi (OIBR3) é Tchau, Marfrig (MRFG3) é Churras, e por aí vai. Não por acaso, são ações com fortíssima presença de pessoas físicas. A Via Varejo, por exemplo, tinha mais de 440 mil investidores com este perfil comprados em seus papéis em agosto.

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    “A postura do brasileiro é ir de peito aberto, buscar a dica quente de vez”, diz Ricardo Schweitzer, sócio-fundador e analista de ações da casa de análises Nord Research. “O movimento de ingresso na bolsa é salutar, só não podemos perder de vista que estamos falando de dinheiro.”

    Para Luis Sales, analista de investimentos da Guide, o processo está criando um efeito cascata que gera distorções no curto prazo em certas ações. “São papéis de empresas que estão em processo de transformação. Com isso, cria-se a possibilidade de valorização dos ativos e um consequente aumento no potencial de ganhos do investidor”, diz.

    Ou seja, o pequeno investidor corre para não perder a oportunidade, investe em massa, e acaba aumentando sensivelmente a volatilidade do papel. Um tom acima, Guilherme Aché, sócio da gestora de Squadra, afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico que tem visto “algumas análises sendo feitas nas redes que estão grosseiramente erradas”, compatível com a formação de bolha.

    A convicção é tão grande que a empresa está buscando ações sobrevalorizadas para ter posição “short”, ou seja, bancando que os papéis devem cair no futuro.

    José Falcão, analista da Easynvest, também vê possibilidades isoladas de distorções, mas trata o processo como um movimento natural. “Isso sempre existiu, mas com o crescimento das redes sociais fica maior”, diz. “E também não está restrito ao mercado financeiro, todos os ramos têm isso. Há, por exemplo, muita gente falando sobre saúde e bem-estar sem ter formação nessa área.”

    Opções da Cogna

    Um exemplo prático desse movimento foi o derretimento das opções da Cogna com vencimento programado para este mês. Eram mais de 200 milhões de contratos em aberto e um montante de R$ 60 milhões que escapou das mãos de milhares de investidores e foi parar no bolso de outros. 

    Acreditando que o papel se valorizaria nos próximos meses, muitos investidores realizaram a operação que consiste em pagar um “prêmio” para ganhar o direito de comprar o papel no futuro com preço pré-determinado (o instrumento busca antecipar uma tendência de alta ou de queda e lucrar em cima dessa variação). 

    Essa animação por parte do mercado, baseada em expectativas de crescimento e transformação da empresa, foi frustrada com o resultado fraco do IPO da Vasta, empresa subsidiária da Cogna que começou a ser negociada em julho na Nasdaq. 

    Os papéis da empresa do setor de educação, que se aproximavam do patamar de R$ 10, voltaram a ser negociados por menos de R$ 7 e derrubaram qualquer possibilidade de lucro para quem investiu nas opções. Pipocaram na internet, a partir disso, relatos de pessoas que perderam todo o dinheiro que tinham.

    Sales alerta que a operação de opções é especulativa, deve ser feita com pequenas quantias e não pode ser vendida como alternativa para ganhar dinheiro rapidamente. “Precisa observar a tendência rapidamente e fazer operações curtas, se não o prêmio perde o seu valor ao longo do tempo”, afirma. 

    Front Running

    Diversas fontes do mercado atentam inclusive para uma prática ilegal que pode estar sendo realizada: o front running. Isso ocorre quando um operador “prevê” uma movimentação que será realizada pelo mercado ou seus clientes e realiza essa transação primeiro para lucrar com o impacto gerado pelo fluxo que ocorrerá em seguida. 

    Rodrigo Knudsen, gestor de investimentos da Vitreo, explica como a coisa funcionaria nas redes sociais. “É uma operação fácil para quem tem poder de influenciador na internet”, diz. “Um agente começa a falar sobre um ativo que já comprou nas redes. Quando outras pessoas compram o mesmo papel, o operador vende essa posição e lucra com o movimento”, conta.

    Na hora de escolher os ativos, se dá a preferência para empresas que estejam em período de grandes mudanças. Aqui entram as suspeitas de costume: Oi, IRB (IRBR3), Cogna, Via Varejo e por aí vai. Com isso, “pode vender aquilo como aposta e, se der errado, se iliba que qualquer custo”, disse um analista que preferiu não se identificar. 

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    Por conta de movimentos como esse, é unânime entre os especialistas a preocupação com a atuação da Comissão de Valores Mobiliários nas redes sociais. Marcelo Trindade, ex-presidente da autarquia, foi um dos que defenderam uma atenção específica para lidar com o ambiente digital.

    Em nota, a CVM afirma que está acompanhando de perto a divulgação de informações sobre os fundos de investimento realizadas por seus administradores, assim como essas movimentações nas redes sociais.

    A autarquia também reiterou que informções relativas às empresas e fatores relevantes em redes como o Twitter só podem ser feitas após ou de maneira simultânea pelos meios de comunicação admitidos pela autarquia, como os sites de relação com investidores e o próprio portal da CVM.

    Para completar, a CVM afirmou que, caso infrações às normas sejam identificadas, as punições vão desde a advertência até a proibição de atuação no mercado. 

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