Se o dinheiro está caro, a culpa não é do BC, porque é malvado, mas do governo, que deve muito, diz Campos Neto à CNN
Presidente do Banco Central comentou ainda sobre a importância da autonomia para sua permanência no cargo e afirmou que irá finalizar seu mandato
Em entrevista exclusiva ao programa Caminhos com Abilio Diniz, da CNN, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou que a taxa de juros estar em um patamar alto não é culpa do Banco Central (BC), mas sim da dívida do governo.
“A gente tem que tomar cuidado para não ter uma inversão de valores. Se você, empresário, está tentando pegar um dinheiro e está caro, a culpa não é do BC, porque é malvado, a culpa é do governo, que deve muito. Porque o governo está competindo com você pelo dinheiro que tem disponível para aplicar em projetos. Então, assim, o grande culpado pelos juros estarem altos é que tem alguém competindo pelos mesmos recursos e pagando mais”, disse.
De acordo com Campos Neto, se a dívida do governo fosse baixa, “o custo do dinheiro seria mais barato para todo mundo”.
“Quando a gente pensa que o governo faz uma emissão hoje, longa, e paga uma taxa de juro real acima de 6%, isso não tem a ver com o Banco Central, isso é uma percepção de longo prazo e existe um risco que justifique que a taxa de juro real seja 6%”, explicou o presidente da autoridade monetária.
“Falácias” sobre inflação
Sobre a questão da inflação não estar associada à demanda, Campos Neto considerou como “falácia”.
“Acho que tem duas falácias. Primeiro, que a inflação não é de demanda (…) Os componentes de oferta existiram em algum momento, principalmente durante a invasão da Ucrânia, mas eles diminuíram. Hoje, a gente tem claro os componentes de demanda e a gente consegue quantificar, olhando, dependendo do índice ou o que está acontecendo na economia, o que é a demanda e onde que está vindo essa demanda. Essa é a primeira falácia”, rebate Campos Neto.
Em seguida, ele rebate o argumento de que, se fosse uma inflação de oferta, o Banco Central não deveria atuar.
“Segundo é que não existe também alguma coisa que diga ‘quando é inflação de oferta, você não faz nada’. Porque o BC tem que combater a inflação de demanda e tem que combater o que chamamos de efeitos secundários de um possível choque de oferta”.
Em fevereiro, durante entrevista à CNN, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu que não é a demanda aquecida no país a maior responsável pela alta dos preços e que, por isso, os juros não devem ser mantidos em patamares tão elevados.
Autonomia
Campos Neto declarou que a autonomia era uma das condições para a sua permanência no cargo e, segundo ele, essa condição existiu mesmo antes da aprovação da lei de autonomia do Banco Central.
“Umas das condições que eu sempre disse que era fundamentais para a minha permanência é que eu tivesse autonomia. Então, eu sempre tive autonomia desde o começo, mesmo antes de aprovarem a lei de autonomia, nunca teve nenhum tipo de questionamento, nenhum tipo de pressão, sempre fizemos um trabalho técnico”, afirmou.
O presidente do BC reconheceu que, após a aprovação da lei, “você tem que mudar um pouco a sua forma”.
“Por um lado, você está, há muito tempo, trabalhando com um grupo de pessoas que você tende a ser próximo, por outro lado, você tem de entender que você tem um processo de autonomia, mas como nosso trabalho era muito técnico, era fácil fazer essa mudança”.
Ao comentar mais sobre a lei de autonomia da instituição, que entrou em vigor em fevereiro de 2021, Campos Neto criticou a possibilidade de recondução ao cargo e afirmou que sua vontade era de ter incluído a proibição deste mecanismo na lei, como também a proibição do presidente do BC de exercer qualquer cargo político durante dois anos.
“Na regra de autonomia, queria ter incluído duas coisas. A proibição da recondução e queria ter incluído a proibição de o presidente do Banco Central ter qualquer cargo político durante dois anos, porque, como ele sai no meio do mandato e tem dois anos daquele mesmo governo, eu não queria que tivesse nenhuma influência no presidente do BC para poder ter um futuro cargo”, explicou.
Nesse sentido, Campos Neto declarou que não espera ser reconduzido ao cargo e que também não tem esse desejo.
“Não tem a ver com o governo atual ou com governo passado. Disse desde o dia que entrei que não queria recondução. Acho que é um período que dá para fazer bastante coisa e dá para olhar para outros projetos. E, de novo, passo o bastão para outra pessoa, que seja mais fresquinha para continuar o trabalho e ter visões diferentes. Faz parte do processo”.
O presidente do Banco Central reforçou que deve finalizar seu mandato e teceu elogios à autoridade monetária, dizendo que “quem trabalha no BC desenvolve uma grande paixão pela instituição. As pessoas são espetaculares, eu gosto muito de trabalhar lá”.
“Pretendo ficar até o final do mandato, acho que é importante cumprir a missão. A gente sempre quer fazer um mandato na melhor forma possível, fazer uma transição mais suave possível, no momento que tiver de ser feita a transição”, afirmou.
Marco fiscal
Questionado sobre sua opinião com relação ao marco fiscal, apresentado pelo governo federal ao Congresso em abril, Campos Neto elogiou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pelo o que considera como um projeto “corajoso”.
“Eu acho que ele [Haddad] está no caminho certo. Eu elogiei e continuo elogiando. Acho que, dado o cenário, dado o governo, dado as forças internas dentro do governo, o que foi feito foi bastante corajoso”.
O presidente do Banco Central ponderou que o mais urgente era “apagar” o risco de que a dívida do Brasil iria explodir e que, segundo ele, o novo arcabouço conseguiu atingir esse objetivo.
“Acho que o arcabouço, mesmo que não tenha tantas mudanças no Congresso, ele meio que elimina essa possibilidade”, avaliou Campos Neto.
Para ele, o principal problema histórico do Brasil, é a dificuldade de cortar gastos, independente do governo que esteja no poder.
“O Brasil não conseguiu, ao longo da história, se pregarmos e olharmos no detalhe, número por número, percebemos o seguinte, o Brasil teve muita dificuldade de cortar gastos. Todas as vezes que a gente melhorou o fiscal foi porque melhorou a receita”, explicou o presidente do BC.
Sendo assim, Campos Neto reconhece que o novo marco fiscal “não faz a dívida cair rapidamente”. Contudo, ele “não acha justo” cobrar, por parte do governo, um grande ajuste no que se refere aos gastos, uma vez que “isso nunca foi feito, é difícil de fazer e é um processo que é preciso de reformas”.
Diálogo com Lula
O presidente do Banco Central comentou sobre sua relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e as possibilidades de diálogo com o petista.
“Eu tive uma conversa com ele [Lula], estou disponível para conversar com ele, qualquer dia, qualquer hora, sempre. Então, não tem nenhuma coisa que o BC não quer falar ou não quer conversar. Ao contrário, eu tento marcar reunião com o máximo número de ministros do governo possível”, disse.
Campos Neto defendeu que o Banco Central também está atento para o lado social e citou políticas e iniciativas que a instituição realizou durante seu mandato.
“A gente tem uma preocupação com o social e eu gostaria de explicar isso. Não é que o Banco Central não tem preocupação, é o contrário, a gente tenta fazer nosso trabalho com o mínimo de custo para a sociedade possível”.