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    Se marco fiscal valesse desde 2001, gastos primários seriam menores, mas investimentos em infraestrutura maiores, diz estudo

    Levantamento feito por economistas da USP também verificou que, caso novas regras já estivessem em vigor no passado, despesas teriam crescido menos nos anos de bonança e mais nos de recessão

    Juliana Eliasda CNN , em São Paulo

    Caso a proposta apresentada pelo governo para a nova regra de controle fiscal já estivesse valendo no país desde 2001, os gastos públicos teriam, na média, ficado menores ao longo desse período do que o tamanho que efetivamente tiveram.

    A composição deles, porém, ficaria razoavelmente diferente.

    Os investimentos públicos em infraestrutura – que ganharam incentivos extras na nova legislação – teriam tido, no geral, uma participação maior no bolo de gastos.

    Por outro lado, todas as demais despesas, como as de saúde, educação, programas sociais e salários, teriam que ter sido encolhidas para se encaixar nos limites que a nova regra estipula para os gastos totais.

    Essas são algumas das principais conclusões de um ensaio feito pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (FEA/USP).

    Além disso, o estudo também revela que, nos anos em que o PIB e a arrecadação do país cresceram muito, até 2014, a taxa de crescimento dos gastos teria sido consideravelmente menor do que as expansões promovidas pelos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff nesse período.

    Já nos anos seguintes, quando a taxa de crescimento despencou, os gastos teriam crescido mais, graças aos mecanismos anticíclicos que não existiam e que são incorporados à nova proposta.

    Políticas anticíclicas, em economia, são aquelas que ajudam as ações do governo a irem à contramão da situação: economizar nos períodos de bonança e poder gastar mais nos momentos de crise e de falta de dinheiro.

    No segundo mandato de Dilma, por exemplo, dividido com Michel Temer após o impeachment da ex-presidente, o volume de gastos caiu em termos reais, o que a nova regra impede de acontecer.

    “É uma regra que dá um pouco mais de flexibilidade em relação ao teto de gastos e mesmo às metas de resultado primário que tínhamos antes, porque ela prevê um aumento real da despesa mesmo quando há queda do PIB”, diz a economista Clara Brenck, pesquisadora do Made e uma das autoras do estudo. 

    “Antes, quando havia uma queda de arrecadação, também tinha que ter uma queda da despesa para manter o mesmo resultado.”

    O resultado primário é a diferença entre o que o governo gasta e o que arrecada, descontados os gastos com juros.

    Gastos menores

    Nos 22 anos analisados (2001-2022) pelo estudo, as despesas primárias efetivamente realizadas a cada ano representaram 17,7% do PIB, na média.

    Caso a nova regra fiscal já valesse, essa proporção média teria sido, no máximo, de 16,4% – cenário em que todos os governos tivessem aplicado a verba máxima permitida para investimentos pela nova regra a cada ano.

    Caso eles mantivessem apenas a verba mínima que passa a ser exigida para os investimentos, essa média seria substancialmente menor do que o que efetivamente aconteceu, de apenas 13,8% do PIB.

    Só em três dos 22 anos (2003, 2011 e 2022) o gasto total teria ficado maior com a nova regra do que o que de fato aconteceu – e já considerado o valor máximo para investimentos.

    Na maior parte do tempo, porém, a compressão teria acontecido nas despesas gerais, como salários, benefícios sociais e custeio, enquanto os investimentos em infraestrutura ganhariam espaço.

    “Esse aumento dos investimentos previsto pelo novo arcabouço fiscal é bem alto; muda bastante a composição dos gastos”, diz Clara.

    “Eles ficariam maiores mesmo em anos em que eles já foram altos, como nos primeiros governos de Lula, enquanto outros benefícios, como aumento do salário mínimo ou o Bolsa Família, talvez tivessem que ter sido diminuídos ou não teriam sido possíveis se essa regra já fosse adotada desde 2001.”

    O que dizem as regras

    A proposta de nova regra fiscal apresentada no fim de março pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem o objetivo de substituir o atual teto de gastos, em vigor desde 2017, na missão de ser a principal legislação para controlar o crescimento das despesas e da dívida pública.

    Ela precisa agora ser discutida e aprovada no Congresso Nacional.

    A proposta estipula um crescimento mínimo para os gastos de 0,6% e máximo de 2,5% ao ano, já considerados aumentos acima da inflação.

    São este piso e este teto que compõem o componente anticíclico da proposta, já que ajudam a evolução das despesas a não ficar tão dependente do que acontece com a receita.

    Dentro dessas bandas, o reajuste anual dos gastos não poderá ser maior do que 70% do crescimento das receitas, também consideradas as variações anuais acima da inflação.

    Com isso, as despesas sempre cresceriam pelo menos a inflação e mais um pouco – diferentemente de como funciona o teto de gastos, que bloqueia qualquer crescimento acima da inflação e, na prática, mantém as despesas congeladas em termos reais.

    Foram essas bandas que o estudo da USP aplicou à arrecadação que o governo teve de fato a cada ano desde 2001, e que fizeram com que, na maior parte deles, as despesas, limitadas à fórmula dos 70% ou ao máximo de 2,5%, ficassem menores do que o que efetivamente aconteceu.

    “Em grande parte do tempo analisado, a arrecadação cresceu mais do que 5%”, diz Clara, “então os gastos teriam crescido apenas o limite de 2,5%”.

    Piso para investimento

    Em paralelo, o novo arcabouço também estipula metas anuais para o resultado primário, ou seja, para o saldo entre a arrecadação e os gastos, e que deverão ser perseguidas pelo governo.

    Nos anos em que esta sobra de dinheiro for maior do que a meta estipulada, a proposta prevê que o dinheiro excedente seja direcionado para investimentos nos anos seguintes.

    Além disso, a proposta também cria um piso para os investimentos públicos, que não poderão nunca ser reduzidos: eles deverão sempre replicar o nível do ano anterior corrigido, pelo menos, pela inflação.

    Eles partirão dos R$ 71 bilhões em 2023 – valor garantido na virada do ano pela PEC do Estouro, que adicionou despesas à proposta de orçamento para o ano.

    Para se ter uma ideia, em 2022, a verba para os investimentos públicos, comprimida pela necessidade de outras despesas, tinha afundado a pouco mais de R$ 40 bilhões, nos menores níveis da história e abaixo do nível mínimo estimado por economistas para pelo menos fazer a manutenção das infraestruturas que o país já possui.

    Se replicado ao orçamento público desde 2001, esse piso de R$ 71 bilhões já é maior do que o que foi investido em praticamente todos os anos do período, já considerados valores atualizados pela inflação.

    Apenas em seis dos últimos 22 anos, de 2010 a 2014, o investimento público realizado foi maior do que o piso que a nova proposta impõe.

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