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    Salário mínimo já foi R$ 3.000, antes da ditadura, e caiu a R$ 500, com hiperinflação

    Piso nacional, pago no país desde 1940, sobe para R$ 1.320 nesta segunda-feira (1º), no primeiro ano com reajuste acima da inflação desde 2019

    Juliana Eliasda CNN , em São Paulo

    Reajustado para R$ 1.320 nesta segunda-feira (1º), Dia do Trabalho, no primeiro ano de aumento com ganhos acima da inflação desde 2019, o salário mínimo brasileiro está ainda longe de alcançar os valores mais altos que já chegou a ter em seus 83 anos de vida.

    Instituído durante a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, em 1940, e incorporado depois pela Consolidação das Leis Trabalhistas, há 80 anos, o piso salarial do país viveu os picos de seu poder de compra na virada da década de 1950 para a de 1960, no auge do nacional-desenvolvimentismo que marcou a gestão de presidentes como Vargas, na sua segunda passagem pelo poder (1950-1954), Juscelino Kubitschek (1956-1961) e João Goulart (1961-1964).

    Ao longo de todo esse período, o salário mínimo médio ficou acima do que seriam R$ 2.000 atualmente, algo que até hoje ainda não voltou a acontecer.

    Em 1957, quando bateu seu recorde, o menor valor que qualquer trabalhador no país deveria ganhar chegou a ser de R$ 3.050, também considerados os preços de hoje. É mais que o dobro do atual.

    Da chegada do governo militar ao poder, em 1964, em diante, o salário mínimo despencaria por uma ladeira de quase três décadas.

    Ele seria deprimido pelas políticas econômicas adotadas pela ditadura, de achatamento dos ganhos dos trabalhadores da base, e, depois, sofreria com a corrosão avassaladora da hiperinflação dos anos de 1980, quando, nos piores momentos, o aumento dos preços chegou a ser de 6.000% ao ano.

    Em 1995, no início do Plano Real, um trabalhador pago pelo salário mínimo recebia R$ 100 por mês, o equivalente a algo como R$ 563 na mão, hoje, para dar conta dos preços atuais de coisas como comida, aluguel ou transporte.

    Não era o suficiente nem para inteirar uma cesta básica e foi o valor mais baixo a que o salário mínimo afundou.

    Os valores são corrigidos pela inflação e pelas diferentes moedas que o Brasil teve ao longo das décadas, e fazem parte da série histórica do salário mínimo estimada desde 1940 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), ele próprio criado em 1955.

    Os dados consideram o valor médio mensal que o mínimo teve a cada ano, e para a cidade de São Paulo, já que, nas primeiras décadas de existência, o piso salarial era definido regionalmente.

    1940-1964: começo errático e auge

    O salário mínimo foi institucionalizado e começou a ser pago no Brasil em 1940, no valor atualizado de R$ 2.438, quando Getúlio Vargas editou o primeiro decreto  regulamentando uma política mínima de remuneração aos trabalhadores, também em um 1º de maio.

    As várias leis de Vargas previam que ele passasse por reajustes regulares, mas não foi o que aconteceu.

    Até 1964, o salário mínimo subiria e desceria ao sabor da necessidade dos governos de fazer afagos à classe trabalhadora, de um lado, e de controlar o avanço voraz e recessivo da inflação, de outro.

    No governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), por exemplo, ficou congelado por todo o mandato, em meio a uma política dura e o enfraquecimento dos sindicatos.

    Já na volta de Vargas ao poder, seu ministro do Trabalho, o futuro presidente João Goulart, cedeu à pressão trabalhista com um aumento de 100% em 1954.

    O reajuste rendeu a demissão de Goulart e a perda de apoio de empresários que levaria à derrocada do governo e ao suicídio de Vargas, em agosto.

    O novo valor, entretanto, dado pelo presidente também em um 1º de maio, ficaria, ajudando a galgar o período em que o salário mínimo viveu seu auge.

    Comprar uma cesta básica completa, por exemplo, que hoje toma pouco mais de 50% do salário mínimo de acordo com o Dieese, abocanhava menos de 30% àquela época. Todos os 70% restantes podiam ser usados para outros gastos necessários ou desejados.

    “Era o auge do nacional-desenvolvimentismo”, explica Julio Cesar Zorzenon, professor de história econômica da faculdade de economia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mencionando a corrente que buscava o fortalecimento e industrialização das economias subdesenvolvidas da América Latina.

    “É um período em que houve muitas greves e em que a questão do trabalhador foi muito forte, já que ele era visto como elemento central no fortalecimento do mercado interno.”

    1964-1990: queda de 40% e disparada da desigualdade

    O problema é que o expansionismo da época ajudou a deixar de herança uma inflação dolorosa. Ao fim dos “50 anos em 5” de Juscelino, em 1961, a taxa chegava aos 40% ao ano e, em 1964, com Jango, beirou os 100%.

    Combatê-la e retomar o crescimento foi o centro das primeiras grandes políticas econômicas e de ajuste fiscal da ditadura militar (1964-1984) – e controlar o salário mínimo foi peça chave para isso.

    Foi o que fez o Plano de Ação Econômica do Governo, o Paeg, o vasto programa de controle de preços apresentado em 1964 pelo então ministro do Planejamento, Roberto Campos – apelidado pelos desafetos de “Bob Fields”, pelas políticas liberais, e avô do atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

    O Paeg criou para os salários um mecanismo de reajuste automático que prometia uma correção pela inflação, mas que, na prática, acabou por espremê-los.

    “Como a previsão para a inflação para o ano seguinte, que entrava na fórmula do reajuste, era a previsão oficial, que foi consistentemente inferior à inflação efetiva, o salário mínimo real médio era reduzido”, explicou André Lara Resende, um dos formuladores do Plano Real, em artigo para o livro de 1989 “Dois Séculos de Política Econômica no Brasil”.

    A inflação chegou de fato a ser temporariamente reduzida, e o crescimento do país passaria dos 14% nos anos de “milagre econômico” que viriam em 1970. Mas os salários despencaram e a desigualdade disparou, alçando o Brasil ao posto de um dos países mais desiguais do mundo que, até hoje, tem dificuldade de deixar.

    De 1964 (R$ 2.142) à mínima de 1974 (R$ 1.247), o salário mínimo em termos reais, ou seja, já ajustado ao que conseguia comprar em cada ano, caiu 40%, nas contas do Dieese.

    “Foi um regime que favoreceu muito as classes médias”, explica Zorzenon, da Unifesp. “Ele transferia a renda dos mais pobres, que iam usar esse dinheiro para consumir e gerar inflação, para as classes mais ricas, que iam fazer poupança e investir, além de terem mão de obra barata.”

    Em 1965, quem ganhasse o salário mínimo precisava trabalhar 95 minutos para comprar um quilo de pão. Em 1969, esse tempo tinha subido a 199 minutos. Ou seja, era preciso trabalhar o dobro para conseguir comprar a mesma coisa.

    A parcela de toda a riqueza nacional nas mãos dos 50% mais pobres da população, que era de 17% em 1960, se espremeu a 12% em 1976. As informações estão no livro “Estado e Miséria Social”, de Evaldo Amaro Vieira.

    “O salário mínimo já tinha pedido valor em vários momentos antes, mas, no geral, por razões conjunturais, por conta do aumento da inflação”, diz Zorzenon. “Na ditadura militar, isso foi deliberado. A desvalorização dos salários foi uma escolha política.”

    1990-2023: tentativas de retomada

    Com a hiperinflação dos anos de 1980 e começo dos 1990, também uma herança da ditadura, o que sobrou do salário mínimo após o fim do regime militar, em 1984, seria rapidamente comido até chegar aos seus piores momentos.

    Do pico histórico de R$ 3.050, em 1957, aos R$ 563 do fundo do poço em 1995, a desvalorização do salário mínimo foi de 80%. Isso significa que o trabalhador remunerado pelo piso, nos anos de 1990, ganhava apenas um quinto do que seus colegas nos “anos dourados”.

    O controle da inflação pelo Plano Real, em 1994, ajudou a estancar a sangria, enquanto a política de valorização do salário mínimo, instituída pelo primeiro governo de Lula, em 2004, tentava, justamente, recompor o poder de compra perdido ao longo da história.

    A regra, que foi aplicada até 2019, dava um reajuste anual automático ao salário mínimo pela inflação, acrescida do crescimento do PIB. De 2020 a 2022, o piso foi corrigido apenas pela inflação, o que significa que teve seu poder de compra mantido, mas não aumentado nesses três anos.

    A promessa de Lula, agora em seu terceiro mandato, é retomar os aumentos reais para o salário mínimo – o que vai depender do Congresso Nacional, que precisa aprovar o projeto, e da disponibilidade de verbas do governo, que, de acordo com economistas, não tem hoje mais a mesma folga orçamentária que Lula encontrou quando governou pelas primeiras vezes, nos anos 2000.

    O novo salário mínimo que Lula concede a partir desta segunda-feira, 1º de maio, de R$ 1.320, ainda está 56% abaixo que o maior valor que o piso dos trabalhadores teve em 1957.

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