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    Salário inicial supera a inflação só em 8 de 140 profissões, diz estudo da CNC

    Maioria dessas oito ocupações valorizadas na contratação por companhias privadas está ligada às demandas impulsionadas pela pandemia

    Márcia de Chiara, do Estadão Conteúdo

    Poucas profissões têm conseguido ganhar da inflação de dois dígitos na hora da contratação com carteira de trabalho assinada. Apenas oito de um grupo de 140 ocupações tiveram valorização do salário médio de admissão superior à inflação de 12,5% dos últimos 12 meses até abril, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE.

    E a maioria dessas oito ocupações valorizadas na contratação por companhias privadas está ligada às demandas impulsionadas pela pandemia.

    O destaque do ranking é o médico clínico. Com salário médio de admissão de R$ 10.502,03, esse profissional teve um ganho real (descontada a inflação) de 40,8% em 12 meses até abril, aponta levantamento feito pelo economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Fabio Bentes, com base nos dados oficiais do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho.

    Na vice-liderança vem o controlador de entrada e saída da produção da indústria, com alta de 9,8% no salário médio inicial, seguido por estoquista (7,7%); professor de nível superior na educação infantil (6,1%); programador de sistemas de informação (3,3%); professor de nível médio da educação infantil (2,1%); trabalhador volante na agricultura (2,1%); e comprador (0,1%). Esses ganhos se referem apenas ao salário médio de admissão e não significam que os profissionais já empregados tenham tido o mesmo porcentual de reajuste.

    O economista escolheu 140 profissões com maior volume de contratações. Juntas, elas responderam no período por 72% da ocupação do mercado de trabalho formal.

    Na média de todas as ocupações listadas no Caged – mais de 2,6 mil -, a perda real do salário médio de admissão em abril foi de 8,7%, em relação ao mesmo mês de 2021. Isso revela o enfraquecimento dos rendimentos que predomina no mercado de trabalho.

    “Tivemos a maior parte das profissões gerando vagas, mas, do ponto de vista da remuneração de admissão, pouquíssimas estão conseguindo superar esse sarrafo da inflação na casa de 12%”, afirma.

    Demanda por médicos

    No caso do médico clínico, o economista observa que o contexto da pandemia ampliou a demanda por serviços qualificados de saúde. E, mesmo com o avanço da inflação, esse movimento não arrefeceu. “Quem perde a renda gasta menos com lazer, mas dificilmente abre mão do serviço de saúde.”

    Os números são recebidos com ceticismo por dirigentes de entidades médicas. O presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Cesar Fernandes, avalia o aumento nos salários de admissão como recomposição de perdas acumuladas.

    O diretor do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Augusto Ribeiro, diz ter dúvidas “se esse número reflete, de fato, a realidade dos médicos clínicos, porque só uma pequena parcela deles é celetista (trabalhador com carteira assinada), a grande parte da categoria atua como pessoa jurídica”.

    Já o presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, Antonio Carlos Lopes, afirma que “o clínico é explorado e não ganha isso por mês de jeito nenhum, a menos que tenha vários empregos”.

    Na pandemia, a digitalização acelerou a procura das empresas, que já era intensa, por profissionais de Tecnologia de Informação (TI). Em paralelo, o aumento da inflação fez as companhias ficarem mais atentas aos custos e admitir estoquistas, controladores de entrada e saída e compradores mais qualificados para tentar recompor margens de lucro comprimidas pela inflação.

    “A única ocupação com valorização do salário inicial que fugiu dos efeitos da pandemia foi a de trabalhador na agricultura”, ressalva Bentes. Nesse caso, ele vê como explicação o desempenho do agronegócio.

    Profissões que vencem a inflação

    Num mercado com 11,3 milhões de desempregados e muito concorrido, há profissionais que estão conseguindo feitos extraordinários. A professora Sabrina de Moraes, de 36 anos, por exemplo, foi admitida e rapidamente promovida.

    Em setembro passado, começou a trabalhar como auxiliar de coordenação no Colégio Adventista em Diadema (SP). Três meses depois, foi transferida para São Bernardo do Campo (SP), como professora da educação infantil.

    “Três meses é período de experiência, não é para receber promoção”, diz Sabrina, surpresa com a conquista tão rápida. Com a mudança de função, o salário subiu de R$ 1.800 para R$ 3.100, aumento de 72%.

    A professora diz que sentiu nos últimos meses uma movimentação na área de educação. A profissional que ocupava antes a sua vaga, por exemplo, recebeu proposta e foi trabalhar em outra escola.

    Sabrina acredita que, após o isolamento social, houve uma valorização do trabalho dos professores da educação infantil. “Mais no sentido da empatia do que em ganhos salariais”, ressalva. Ela considera positiva a valorização real do salário médio inicial (entre 2% e 6% em 12 meses até abril). Porém, ela diz que o ganho não chegou perto do que a categoria merece e precisa. “É um desafio muito grande.”

    A médica psiquiátrica Bárbara Sgavioli Massucato, de 34 anos, também se empregou rapidamente. Ela encerrou oficialmente o período de residência médica em 1.º de março deste ano na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), e seis dias após começou a trabalhar no Hospital de Amor de Barretos (antigo Hospital do Câncer), na cidade onde se graduou em medicina. Por 40 horas semanais, recebe R$ 17 mil brutos, mas como pessoa jurídica.

    “É o meu primeiro emprego”, diz ela, que conseguiu essa vaga porque ex-professores da graduação a convidaram a trabalhar no hospital. Mesmo antes de concluir o período de residência, Bárbara observou muitas ofertas de emprego na sua área de psiquiatria infantil. Com a pandemia, os encaminhamentos de pacientes na área de saúde mental aumentaram muito, observa.

    Exigências

    O comprador Rivanildo Silva Santos, de 43 anos, também sentiu a maior procura pela sua profissão. Com 17 anos de experiência no varejo e nos últimos cinco anos na função de comprador, ele acaba de ser contratado por uma rede de supermercados. “Vim ganhando 20% a mais do que no último emprego”, conta, sem revelar cifras.

    Apesar de ter sentido uma demanda forte por compradores no mercado de trabalho, Santos não esperava essa valorização. Bacharel em Sistemas de Informação, ele atribui esse aumento salarial à função estratégica que o comprador ganhou dentro das empresas de varejo com a acelerada digitalização. “Comprador vai muito além do que simplesmente comprar”.

    O profissional da área de compras de rede de supermercados se tornou ainda mais estratégico.

    Ele ressalta que as exigências das redes varejistas para admitir alguém para a função estão ainda mais elevadas no contexto de inflação. “Dificilmente um profissional com um nível de conhecimento tão alto vai aceitar um salário que não condiz com essas exigências.”

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