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    Saiba quais setores da economia são mais afetados pelos juros elevados

    Selic em alta dificulta acesso ao crédito e cria barreiras ao crescimento de segmentos mais expostos à taxa

    João Nakamurada CNN , em São Paulo

    Empréstimos mais caros de modo a segurar os gastos do consumidor é o efeito mais direto dos juros elevados.

    Essas taxas nada mais são do que “o preço” que se dá ao dinheiro ao longo do tempo, por exemplo, ao se realizar um empréstimo. Além do valor emprestado, o tomador do crédito precisa pagar uma porcentagem — a taxa de juros.

    Atualmente, a taxa básica de juros do Banco Central (BC), a Selic, que é usada como referência pelas outras instituições financeiras, se encontra no patamar de 10,5% ao ano.

    Com o encarecimento do crédito, setores da economia que dependem do fluxo de consumo e de financiamentos são os mais impactados. Dentre eles se encontram a construção, o varejo e a indústria, e mais especificamente, o setor de automóveis.

    Em entrevista à CNN, representantes dos setores apontam restrições a suas respectivas atividades por conta do atual patamar da Selic.

    Construção

    O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Renato Correia, diz que o setor funciona e apresenta competitividade com juros em torno de 9%. Acima disso, as operações ficam muito oneradas e, no longo prazo, o consumidor e as empresas são prejudicados.

    “Construção é um setor que aplica muitos recursos, tanto na habitação, como na infraestrutura e na construção de obras industriais e corporativas por muito tempo. Então, taxas de juros elevadas no nosso setor são altamente prejudiciais. Uma taxa de 10,5% ao ano já é algo muito complicado”, afirma Correia.

    “Se os juros seguirem altos e se aumentarem as taxas, voltaremos a ter saques na poupança, por exemplo, diminuindo a capacidade de investimentos em habitação. Isso também pode acabar desestimulando a atividade de concessões, parcerias público privadas”, conclui o presidente da CBIC.

    O problema é que o consumidor deste setor são pessoas em busca de moradias, e os juros elevados muitas vezes tiram a acessibilidade do comprador à casa própria.

    De acordo com a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), uma queda de 1% na taxa de financiamento habitacional poderia reduzir em 8% o valor da parcela de um imóvel de R$ 400 mil, permitindo o acesso à moradia para cerca de 400 mil famílias.

    De acordo com a associação, há cerca de três anos, época em que a Selic começou a subir, saindo de 2% ao ano, o financiamento tinha parcelas 27% menores, possibilitando a inclusão de 1,4 milhão de famílias no mercado imobiliário.

    “O prolongamento de juros elevados é particularmente prejudicial porque as incorporadoras precisam de condições estáveis e previsíveis para planejar seus investimentos de longo prazo. Juros altos por muito tempo inibem o lançamento de novos projetos, afetando toda a cadeia produtiva da construção civil”, pontua Luiz França, presidente da Abrainc.

    A associação avalia que o BC possui margem para seguir reduzindo os juros.

    Varejo

    Após recentes comunicações do BC e dos diretores que compõe o Comitê de Política Monetária (Copom), muito tem se especulado sobre a possibilidade de os juros voltarem a subir na reunião entre 17 e 18 deste mês.

    A última divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), a prévia da inflação, apresentou desaceleração, indo a 0,19% em agosto. Contudo, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse após a divulgação que o resultado melhor ainda não gera conforto.

    O mercado também vê desancoragem nas expectativas e sobe paulatinamente as previsões para o IPCA neste ano. Dados da pesquisa Focus publicados nesta segunda-feira (2) mostraram que as previsões para a inflação de 2024 subiram pela 7ª semana seguida, a  4,26%.

    O centro da meta oficial para a inflação é de 3%, sempre com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.

    Por conta desses resultados, o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Felipe Tavares, aponta que a busca por algum mecanismo para conter a inflação é justificado, mas avalia como inadequado o controle pelos juros.

    “A inflação está surpreendendo mês a mês os especialistas. Isso é um fato. No entanto, temos um gasto público descontrolado e uma insegurança jurídica que impactam o câmbio e a inflação. E estamos pagando a conta da irresponsabilidade fiscal e da insegurança jurídica via a competitividade do setor produtivo, que terá que pagar juros mais elevados”, explica Tavares.

    O economista-chefe da CNC aponta que o varejo é um dos principais afetados pelos juros altos uma vez que a percepção de crédito mais elevado leva o consumidor a controlar seus gastos.

    “Os juros elevados tendem a impactar muito negativamente o setor de varejo, porque é um segmento muito cíclico. Qualquer variação na renda disponível ou na percepção de confiança dos consumidores tende a ter um efeito de redução do consumo, e isso significa redução do faturamento do varejo”, pontua Tavares.

    “Se isso se prolonga, você tem esse efeito acumulado a juros compostos. O consumidor vai ficando cada vez menos confiante para consumir, cada vez ele consome menos e isso vai virando uma bola de neve. A saída desse cenário se torna mais distante e difícil de se conseguir”, conclui.

    O economista chama os juros elevados de “detratores da economia real”, uma vez que mais do que afetar os setores em si, impacta no dia a dia do comerciante e do consumidor.

    Ele explica que o varejo possui uma margem baixa de operação, ou seja, ele precisa manter constantemente um alto volume de vendas para ter resultados satisfatórios e cumprir com compromissos.

    “O Brasil está ameaçando viver um ciclo extenso de retomada de aumento de juros, e isso pode ter efeitos muito significativos sobre o crescimento deste ano e dos próximos da economia brasileira. Esse cenário de aumento de juros tende a ter um efeito prolongado, e uma hora, a conta para de caber no bolso do trabalhador pelo simples encarecimento dos juros e dos financiamentos”, pondera Tavares.

    Entre os bens cujo consumo deve ser mais reduzido estão aqueles de maior valor agregado e que dependem de financiamento, como veículos e eletrodomésticos.

    Indústria

    A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) avaliou como equivocada a decisão do Copom de manter a taxa de juros em 10,5% na reunião de julho.

    Entre os principais alertas do setor está a alta taxa de juros reais do país, o valor descontado da inflação. Segundo levantamento do economista Jason Vieira divulgado na plataforma MoneYou, o atual patamar da Selic coloca a taxa real de juros em 7,36%, a terceira maior do mundo.

    Segundo a CNI, a alta explica parte significativa do encarecimento do crédito, uma situação que implica restrições à atividade econômica brasileira.

    “Esperamos que a Selic volte a ser reduzida quanto antes. A retomada de cortes é fundamental para a redução do custo financeiro suportado pelas empresas, que se acumula ao longo das cadeias produtivas, e pelos consumidores”, reforçou em nota o presidente da CNI, Ricardo Alban.

    “Caso contrário, seguiremos penalizando não só a economia brasileira, mas, principalmente os brasileiros, com menos empregos e renda”.

    A confederação alerta que a alta dos juros afeta o setor em um importante momento de neoindustrialização, orientado pelo programa Nova Indústria Brasil (NIB).

    O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou nesta terça-feira (3) que o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 1,4% no 2º trimestre. A indústria, com alta de 1,8%, foi um dos principais destaques positivos.

    Contudo, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) alerta que a perspectiva sobre os juros se manterem altos por mais tempo levanta dúvidas quanto à sustentabilidade da alta.

    “A Firjan, no entanto, chama atenção para a sustentabilidade desse resultado, em especial para o crescimento da taxa de investimento. Essa taxa no Brasil (16,8%) é muito baixa em comparação à média mundial (26,5%), o que pode limitar o potencial de crescimento futuro. Uma taxa de investimento elevada é fundamental para garantir um crescimento sustentado de longo prazo, pois possibilita a ampliação da capacidade produtiva e a modernização da infraestrutura econômica”, aponta em nota.

    “Nesse sentido, a Firjan reitera a importância de uma política fiscal mais ativa. A falta de convicção para enfrentar o ajuste fiscal pressiona o risco-país e a taxa de câmbio, comprometendo a redução sustentada da taxa de juros. Políticas fiscais e monetárias alinhadas são cruciais para aumentar a taxa de investimento, assegurar o crescimento econômico sustentável, promovendo o emprego e a renda no longo prazo.”

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