Risco médio de inadimplência das empresas brasileiras atinge recorde, aponta estudo
Instabilidade do câmbio, pessimismo em relação aos juros e alta de reestruturações estão entre motivos apontados para risco elevado
O risco de inadimplência das empresas brasileiras chegou ao maior nível da série histórica da FTI Consulting em 2024.
A análise feita com 34 empresas mostra que, em média, a probabilidade de as empresas darem calotes em um ano é de 6,27%. Quando a série histórica foi iniciada, em meio à recessão de 2016, o índice era de 3,1%. Já na pandemia, em 2020, a média chegou a 4,58%.
Para comparação, no ano passado, o nível chegou a recuar para 1,77%.
Entre as justificativas para esse cenário, a FTI Consulting cita “uma maior instabilidade do câmbio, a perspectiva mais pessimista em relação à taxa de juros no Brasil e o crescimento no número recente de reestruturações entre empresas brasileiras”.
Segundo Luciano Lindemann, diretor executivo sênior da FTI Consulting, o Brasil iniciou a alta de juros antes do esperado, em relação as expectativas do mercado, o que gerou um choque para as empresas, principalmente aquelas já em processo de reestruturação, além dos impactos da própria economia local, como a instabilidade do câmbio.
Mas o que também é um obstáculo para as empresas em seus processos de recuperação é o que Rafael Siqueira, sócio da L2 Capital Partners, chama de “volatilidade regulatória”.
“Mudanças frequentes nas regulamentações ou incertezas no campo jurídico criam um ambiente de instabilidade, desestimulando investimentos e intensificando a percepção de risco por parte dos mercados”, aponta Siqueira.
As empresas de diversos setores da economia dependem do crédito para ter movimento em seus negócios. Seja no varejo, na indústria ou na construção, o empréstimo barato abre espaço para o consumo, investimentos e financiamentos.
Com o crédito mais caro, as empresas tendem a perder caixa e mergulhar na inadimplência, gerando uma espécie de bola de neve, segundo Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.
“Além dos juros altos, a inadimplência das empresas acaba elevando o risco, e por consequência as instituições financeiras aumentam os juros aplicados em empréstimos”, explica.
Mas além da Selic – que é a taxa básica de juros – estar elevada, os juros futuros – aqueles de longo prazo que são especulados pelo mercado – também estão em patamares altos.
“Esse problema não é de agora. Desde abril, houve um aumento do risco com a alta do juro longo devido os problemas fiscais do governo. A taxa de juros longa já vinha subindo, então, agora com a alta da Selic, temos um movimento generalizado de taxa de juros em elevação”, aponta Rabi.
No dia 18 de setembro, o Banco Central (BC) voltou a subir a Selic em 0,25 ponto percentual, cravando-a em 10,75%. Essa foi a primeira elevação desde agosto de 2022, quando a taxa chegou em 13,75%.
A mesma instabilidade no câmbio citada pela pesquisa foi apontada pelo BC nas últimas reuniões como uma de suas preocupações em relação à inflação.
Nessa última reunião, a diretoria do BC deixou em aberto o ritmo das próximas altas, que são dadas como certas pelo mercado. O estudo cita que a manutenção do ciclo de alta é insustentável para a estrutura de capital das empresas com níveis de alavancagem financeira um pouco mais altas.
O diretor executivo sênior da FTI explica que, apesar do crescimento da economia brasileira acima do esperado para 2024, conforme pesquisas recentes do mercado, o Brasil começou antecipadamente a redução da taxa de juros, o que mudou a situação de muitas empresas.
“Houve uma grande mudança de expectativa por parte das empresas brasileiras diante do aumento da taxa de juros e a sinalização de que irá continuar aumentando. Com isso, muitas empresas que assumiam, com extrema dificuldade, o pagamento de suas dívidas, precisaram recorrer à pedidos de negociação.”, comenta ele.
“Isto reflete na percepção de risco do mercado. Um reflexo são empresas do agro, varejo e do setor de serviços, por exemplo, que precisaram entrar em processo de recuperação judicial.”, acrescenta o diretor.
Ele também cita que a economia global vem de um período difícil, primeiro devido ao período de pandemia e, posteriormente, à alta taxa de juros no mundo todo.
Quando o assunto é o grau de risco que cada uma dessas empresas corre, nenhuma das 34 está a salvo das chances de ficar inadimplente. A quantidade de empresas com risco elevado chegou ao maior nível da pesquisa.
“É possível observar na pesquisa realizada a maior percepção de risco em 9 anos. Mesmo quando desconsiderado a série de empresas em processo de reestruturação, permanecemos no ponto mais alto de risco de inadimplência das companhias brasileiras”, explica Luciano Lindemann.
Mas o risco não só é real como já mostra efeitos na economia. Dados do Serasa Experian apontados por Rabi indicam que 6,9 milhões de empresas, ou 30% de todas as registradas no Brasil, fecharam o primeiro semestre inadimplentes.
Além disso, a expectativa apontada por ele é de que o ano feche com cerca de 2 mil pedidos de recuperação judicial no país, superando os 1.800 observados na recessão ocorrida entre 2015 e 2016.
O problema da persistência desse cenário de juros altos, risco elevado e empresas com problemas: o desemprego tende a subir.
O que precisa melhorar?
Uma das preocupações apontadas pelo levantamento, o dólar valorizado chegou a recuar nas últimas semanas por conta do movimento de alta de juros aqui no Brasil e queda nos Estados Unidos.
O diferencial e juros tende a tornar mais atrativo o país com taxas mais altas, pois o investimento nele remunera mais. Porém, o risco no Brasil segue elevado para sustentar a queda do dólar só com esse fator.
“Há um duplo impacto de custo para as empresas, de um lado a elevação de custos trazida pela taxa de juros maior e uma cotação do dólar que também subiu. Tudo isso acaba elevando o risco de crédito das empresas, porque a maioria é mais importadora do que exportadora, então o dólar alto afeta muito”, avalia Rabi.
Outro obstáculo apontado é a eficiência e competitividade das empresas brasileiras, ainda mais quando comparadas com as companhias de pares emergentes.
“A baixa produtividade compromete a perspectiva de expansão da receita e da lucratividade das empresas, o que, em última instância, cria incertezas quanto à capacidade de cumprimento de suas obrigações financeiras, ou seja, reflete diretamente na percepção da probabilidade de default por parte delas, conforme apontado pelo estudo”, argumenta Siqueira.
Mas para melhora de fato do cenário, ainda dependemos da redução das taxas de juros futuros, segundo Lindemann.
“É necessário que o governo consiga passar a percepção de que não deve perder o controle fiscal nos próximos anos, vermos uma aproximação da meta de inflação e, então uma redução na taxa de juros”, explica Luciano.
Ele comenta ainda que o governo não deve atingir a meta de déficit zero no superávit primário, mas a grande preocupação está nos próximos anos, pois a expectativa é um desafio maior nas contas públicas e dúvidas sobre como o governo vai conseguir trabalhar sua relação de custos e despesas.
Segundo o diretor executivo sênior da FTI Consulting, as projeções atuais de mercado apontam para uma continuação do ciclo de alta na taxa de juros no Brasil até março do próximo ano. Ele acredita que os próximos meses serão decisivos para a análise de uma possível melhora dos dados de risco das companhias no país.
“Há 3 meses, esperávamos uma redução dos juros e agora estamos vendo o oposto – um aumento. O período do final deste ano até o começo do próximo será essencial para avaliarmos a perspectiva de mudança do cenário de risco das empresas brasileiras”, completa ele.