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    Relembre as negociações para o acordo entre Mercosul e UE

    Acordo foi anunciado nesta sexta-feira (6), após 25 anos de negociações

    Cristiane NobertoJoão Nakamurada CNN , em Brasília e São Paulo

    Por 25 anos, Mercosul e União Europeia (UE) negociaram um acordo de livre comércio. Nesta sexta-feira (6), a tratativa foi enfim anunciada.

    A conclusão das negociações, em Montevidéu, capital do Uruguai, que sediou a Cúpula de Chefes de Estado do bloco, contou com a presença da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen.

    Em comunicado conjunto, os dois blocos ressaltaram o “intenso processo de negociações para ajustar o acordo aos desafios atuais enfrentados nos níveis nacionais, regionais e global”. A íntegra do documento pode ser conferida clicando aqui.

    Mas até chegar neste momento, muita coisa aconteceu e, recentemente, a França passou a pressionar contra o tratado entre os blocos.

    As tratativas começaram oficialmente em junho de 1999, durante uma cimeira no Rio de Janeiro, mas suas origens remontam a um cenário geopolítico ainda mais antigo.

    O professor e diplomata aposentado Paulo Roberto de Almeida aponta que a ideia de um acordo entre os dois blocos surgiu quando os europeus perceberam a iniciativa dos Estados Unidos de criar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em 1994, sob o governo do democrata Bill Clinton.

    Frente a essa proposta, a UE buscou reforçar suas relações comerciais com a América Latina, visando consolidar sua presença no continente.

    No entanto, o processo sofreu interrupções após o fracasso da Alca, em 2005.

    Almeida também destaca que a oposição de líderes sul-americanos, como o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — que estava em seu primeiro mandato —, o argentino Néstor Kirchner e o venezuelano Hugo Chávez, que rejeitaram o projeto da Alca, contribuiu para o desinteresse europeu naquele momento.

    Além disso, pressões protecionistas, especialmente de países como a França, dificultaram o avanço das negociações, que permaneceram estagnadas até 2010.

    A retomada significativa das conversas ocorreu após 2016, quando o cenário internacional mudou com a ascensão de Donald Trump nos EUA.

    O republicano adotou uma postura protecionista e fragilizou o sistema multilateral de comércio, impondo tarifas contra diversos parceiros, incluindo a UE.

    “Os europeus, pressionados entre o martelo americano e a bigorna chinesa, resolveram relançar o acordo com o Mercosul: [um tratado de associação] foi concluído rapidamente em 2019, por haver [os ex-presidentes] Jair Bolsonaro, no Brasil, e Mauricio Macri, na Argentina; mas não foi ratificado, justamente por pressões dos mesmos protecionistas europeus”, pontuou Almeida.

    Apesar do avanço, a ratificação enfrenta entraves, especialmente por questões ambientais e resistência de setores protecionistas europeus.

    Atualmente, há interesse da UE em dividir o acordo em duas partes: uma político-cooperativa, com entendimentos diplomáticos, e outra comercial, sob a responsabilidade da Comissão Europeia, que não requer unanimidade dos membros para entrar em vigor.

    O Parlamento Europeu, porém, precisa ratificar o acordo geral.

    Welber Barral, sócio da BMJ Consultoria, lembra que a oposição ao acordo com o Mercosul vem principalmente dos países mais agrícolas da Europa, grupo que, além da França — cujos empresários recentemente cederam à pressão de sindicatos para deixar de vender produtos vindos de países do Mercosul —, inclui Polônia e Irlanda.

    “Os franceses são os mais vocais, mas vários grupos agrícolas de vários países europeus acabam o seu ponto. Do outro lado, a Espanha, a Suécia e a Alemanha foram os que mais apoiaram o acordo até agora”, pontuou.

    Mesmo assim, o especialista lembra que a decisão não é só de países que são contra o tratado, mas da Comissão Europeia — formada por todos os países do bloco —, que precisa de 55% dos votos e depois passar por maioria do Parlamento Europeu.

    Complexidades

    A insistência no debate veio da complementaridade que as economias desses blocos têm a oferecer uma à outra.

    Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais da ESPM, reforça que enquanto o Mercosul carrega oportunidades fortes no agronegócio — principalmente por conta do Brasil —, a UE tem uma indústria mais robusta — encabeçada pela Alemanha.

    O cenário mudou, e a necessidade desses setores também. As tratativas do acordo nasceram em um período em que a globalização era vista como um potencial motor do progresso, de modo que os países sonhavam com a integração regional.

    “O conceito e o termo [globalização] enfraqueceu politicamente. Antes era um sinônimo de modernização, avanço e futuro. Hoje, percebe-se que a globalização, que prometia tantos ganhos, acentuou contradições, vulnerabilidades à concorrência e pressões do mercado”, aponta Carolina Pavese, doutora em relações internacionais pela London School of Economics.

    França, Polônia e Irlanda consolidaram seus respectivos agronegócios com o mercado europeu. O que seus agricultores temem é que com a entrada do Brasil no jogo, sua clientela mude de vendedor.

    “O problema maior não é o agro brasileiro entrar na França, é o tamanho da indústria brasileira, que é mais eficiente, roubar o mercado francês. O agronegócio do Brasil ameaça o agro europeu”, afirma Trevisan.

    Além do agronegócio do Mercosul buscar mercado na Europa, a indústria da UE tenta cavar espaço na América do Sul, principalmente a alemã.

    Sofrendo com os efeitos de um mundo conectado, as fábricas da Alemanha perderam lugar para os produtos chineses, que são mais baratos e competitivos.

    E enquanto diversas economias pelo mundo se fragilizaram, discursos protecionistas se fortaleceram.

    “Busca-se o nacionalismo como se a globalização fosse a única culpada pelos problemas internos dos países. Reduzir sua intensidade é uma solução apresentada para os problemas, mas não é isso que ocorre na prática”, pontua Pavese.

    Com a guinada isolacionista que vem se desenhando com a volta de Trump à Casa Branca, a doutora em RI avalia que a Europa fica em uma situação delicada entre mostrar lealdade aos EUA (seu maior parceiro comercial) e manter relações com a China (fornecedora de diversos produtos básicos do dia a dia do europeu).

    Desse modo, Trevisan enfatiza que o acordo “andou com medo de Trump”.

    “O acordo se consolida em um mundo que enfrenta significativa desglobalização. E em um mundo desglobalizado, indústrias atrasadas e agronegócios avançados casam seus interesses”, afirma o professor da ESPM.

    Expectativas

    O governo brasileiro é favorável à assinatura do acordo de livre comércio, e está “esperançoso” de que as tratativas sejam finalizadas ainda este ano.

    “O acordo sai porque no momento interessa para os dois lados, salvo exceções. A assinatura é uma tábua de salvação para os dois lados, e um respiro para o que é possível manter de uma era de globalização”, conclui Trevisan.

    O vice-presidente, Geraldo Alckmin, disse à CNN que o

    Em entrevista ao CNN Money, a senadora e ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina (PP-MS), expressou otimismo quanto à possibilidade de finalização do acordo, mas alertou que, caso não se concretize, será necessário “enterrar o assunto”.

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