Questão fiscal pode piorar inflação e atividade econômica, aponta FGV
Boletim Macroeconômico produzido pelo Ibre destaca que aumento de gastos terá impactos negativos também no mercado de trabalho, na arrecadação tributária e ainda um aumento da despesa com juros sobre a dívida pública
O Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) divulgou nesta terça-feira (22) a edição de novembro do Boletim Macroeconômico, no qual ressalta a discussão sobre o arcabouço fiscal que poderá vigorar nos próximos anos.
Segundo a publicação, este é o principal tema do debate doméstico atual e, a única certeza, é que o setor público terá um déficit em 2023. Porém, o tamanho do déficit ainda não está claro. “Podemos ficar longe do superávit primário necessário para estabilizar a dívida pública”, aponta o relatório.
A proposta da PEC do Estouro, de acordo com o Boletim, exclui do teto para sempre os dispêndios que totalizariam R$ 175 bilhões. Nesta conta está os R$ 600 do Auxílio Brasil, acrescidos dos R$ 150 para famílias com crianças de até 6 anos.
O estudo mostra que a prorrogação do auxílio em R$ 600 e o adicional requereriam em torno de R$ 70 bilhões, valor que não cabe dentro do teto de gastos, por isso a necessidade de se aprovar uma exceção à regra, o chamado “waiver fiscal”.
“Mas isso é menos de metade do valor pleiteado. Ou seja, apesar de a retórica ser que a excepcionalidade é para programas sociais, cerca de R$ 105 bilhões já estavam contemplados no Orçamento e no teto e seria necessário adicionar apenas R$ 70 bilhões à proposta”, ressalta o Boletim do Ibre.
Ou seja, os gastos diretos representarão cerca de 10% do PIB, aos quais se somarão os juros que incidirão sobre a dívida pública que terá de ser emitida para financiar esse aumento de gastos.
Consequências do waiver
Entre as possíveis consequências deste aumento permanente de gastos, Armando Castelar, um dos responsáveis pelo Boletim, cita uma maior pressão inflacionária, tanto por meio do canal de demanda, como também pelo mecanismo de aumento do risco país.
“Isso vai acarretar uma maior depreciação cambial, mais pressão sobre a inflação corrente e futura, contaminando as expectativas inflacionárias. Não haverá outra saída para a autoridade monetária que não reagir, iniciando um novo ciclo de aperto monetário ou pelo menos não indo em frente com a redução de juros que se projetava já para 2023”.
Para Castelar, além dos impactos negativos sobre a atividade econômica, o emprego e a arrecadação tributária, o país passaria por um aumento da despesa com juros sobre a dívida pública, dificultando ainda mais o quadro das contas públicas.
“Sabemos que as decisões sobre despesas públicas são decisões políticas. Porém, é importante enfatizar que, se quisermos gastar mais com o social, temos que reduzir outros gastos não-sociais e/ou encontrar novas fontes de receitas tributárias. O problema não são os gastos sociais que são necessários, mas sim como financiá-los”, analisa.
Desaceleração econômica
Conforme consta no Boletim Macroeconômico, a atividade desacelerou no segundo semestre de 2022. “Esperamos um crescimento de 0,6% no terceiro trimestre ante o segundo; ou seja, metade do registrado no segundo trimestre, que era de 1,2%”, mostra.
Na margem, a expectativa de alta, comparada ao trimestre anterior, estão no PIB da agropecuária e dos serviços públicos. “O protagonismo continua sendo da forte expansão do setor serviços, que deve crescer 1,1%. Essa tendência deve se manter no último trimestre do ano, para quando projetamos uma contração de 0,2% do PIB ante o terceiro trimestre, o que levará a um crescimento de 2,7% para o ano fechado”, pontua.
Para 2023, Castelar acredita em um crescimento de 0,1%, devido à forte revisão no PIB da agropecuária, para alta de 8%. “Esperamos contração do PIB em todos os demais setores, como também, pelo lado da demanda, do consumo das famílias”, ressalta.
Cenário doméstico
Castelar reforça ainda que a economia no Brasil deve desacelerar em relação ao que vinha ocorrendo, reflexo de uma economia mundial que começa a desacelerar, principalmente na China.
Ele atribui esse cenário aos juros que começam a ter efeito via crédito para famílias, culminando na inadimplência. Isso, segundo o especialista, deve limitar a expansão da economia interna. “Podemos acrescentar também que há um efeito cíclico em ano eleitoral, não só em nível federal, mas também estadual, que tentem a gastar mais nesse período. Isso tira as contas fora do rumo”, pontua.
As projeções para o próximo ano, conforme diz Castelar, ficam mais difíceis de medir por conta do novo governo eleito, fazendo que as empresas segurem as decisões de investimento para esperar os resultados mais concretos nos próximos meses e anos.
“A tendência é de uma desaceleração, mas minha previsão para 2023 é de uma estagnação, além de uma pequena queda do PIB, pois todas as causas, como juros altos, queda na economia global e limite ao crédito das famílias, vão se estender”, conclui.