Privatizações: entenda a diferença entre os modelos da Sabesp e da Enel
Modelo de privatização da Enel prevê concessão da empresa até 2028
A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) votou favorável à privatização da Sabesp na noite de quarta-feira (6).
O modelo votado pelos deputados estaduais paulistas foi o de “follow-on com acionista de referência”, que foi estudado e aprovado pelo governo de São Paulo.
O modelo prevê uma diluição do capital do Estado, realizando uma oferta pública primária e secundária de ações, reduzindo, assim, sua participação na Sabesp. O formato se assemelha com o adotado na privatização da Eletrobras.
O governo espera manter uma proporção de 20% a 35% da companhia de saneamento com o modelo, que projeta ampliação dos investimentos da Sabesp em até R$ 66 bilhões.
Por trás de um movimento como esse, há um interesse por parte do governo, explica o professor do Insper, Sérgio Lazzarini, especialista em estratégia e organização no setor público.
“[Nesse caso] há um objetivo explícito do governo. Ao manter uma participação acionária, qual seria ele?”, pontua Lazzarini, que amplia a possibilidade desde interesses políticos a públicos. “Participações residuais são polêmicas.”
Ao ser detentor da chamada golden share (ação dourada em tradução livre), o Estado teria determinadas prerrogativas e poderia vetar certas decisões do conselho de acionistas da empresa. Para o economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Gesner Oliveira, esse sistema é importante para que se assegure o atendimento.
“[A golden share do Estado] é importante para a manutenção do interesse público”, pontua Oliveira.
Mas além desse modelo, o que seria possível? No Brasil, outros processos de privatização foram adotados ao longo dos anos em diferentes setores.
Modelos de privatização
Sobre os modelos de privatização praticados no Brasil, destacam-se quatro:
- Privatização clássica: a totalidade da empresa é vendida para o setor privado. Os processos de maior destaque desse modelo ocorreram durante o governo FHC. Exemplos de empresas e/ou serviços privatizados nesse modelo: Embraer, Vale e Telebrás;
- Concessão: a operação do serviço ou empresa é concedida por um período determinado para um operador. Exemplos: rodovias, como a Dutra; operação elétrica, como a Enel;
- Parceria público-privada (PPP): o governo e a iniciativa privada operam a empresa em conjunto. Exemplos: Hospitais em SP e a linha 4 amarela do metrô da capital paulista;
- Diluição de capital: a empresa faz uma oferta pública de ações, reduzindo a participação do governo nela. Exemplos: Eletrobrás e Sabesp.
Enel X Sabesp
Diferentemente do modelo adotado para a Sabesp, a privatização da Eletropaulo – rebatizada como Enel São Paulo após o processo – visa um maior afastamento do Estado da operação da empresa.
Fundada em 1981 no governo Paulo Maluf, a Eletropaulo foi criada com o objetivo de operar a energia elétrica no estado de São Paulo.
Em 1998, durante o governo Mário Covas, a empresa foi dividia em segmentos, com intuito de separar a operação de determinados serviços e regiões.
Encarregada de atender a distribuição de energia elétrica na região metropolitana do estado, a operação da Eletropaulo Metropolitana foi concedida para um consórcio após um leilão.
Em 2018, um novo leilão para controle da empresa foi realizado, ocasião na qual a empresa italiana Enel pagou R$ 5,55 bilhões por 70% da companhia.
Em ambos os leilões, o estado não abriu mão total da estrutura da empresa. No caso, a operação é colocada sob supervisão de uma empresa ou agência por um determinado período de vigência.
O contrato da Enel prevê o direito de subsidiar a distribuição de energia elétrica em São Paulo por 10 anos, com vigência até 2028.
A capacidade de regulação por parte das entidades que assumem a operação é um ponto crucial na manutenção de serviços essenciais para a população na visão de Lazzarini.
“A capacidade das agências reguladoras é fraca, não tem a independência que se buscava”, afirma o professor do Insper. “No caso da Enel, aparentemente, houve uma falha de regulação ao não ter previsto os choques causados pelo clima e eventualidades.”
Debate sobre as privatizações
O modelo das agências reguladoras foi definido em 1988 com a Constituição Federal. Apesar de eficiente em outros países, o advogado da OGF Advogados e presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP), Francisco Gomes Júnior, também nota um problema em sua aplicação no Brasil.
“No Brasil o modelo sofreu interferências políticas, com nomeações não meramente técnicas, mas por indicações partidárias, o que em muitos casos comprometeu sua eficiência”, pontua o advogado.
Para Oliveira, o modelo de diluição de capital, como adotado para a privatização da Sabesp, tem a “vantagem de ser mais ágil”.
Contudo, apesar de defender as privatizações, Lazzarini nota um problema em como o processo que está sendo levado com a Sabesp. “Muito apressado. Os argumentos são muito rápidos e rasteiros. Não sou contra a privatização. Mas tem que ser feito com debate, e debate claro.”
A avaliação cuidadosa de cada caso também é importante do ponto de vista de Gomes Júnior. “Em qualquer dos casos deve ser firmado um contrato entre o poder público e a empresa privatizada bastante específico em metas e objetivos e com sanções em caso do não cumprimento delas”, afirma.
“Inclusive com a possibilidade de encerrar-se a concessão, autorização ou licença em caso de má prestação do serviço”, conclui o advogado.
Ao notar que a competência de atendimento do serviço de águas está previsto na Constituição do Estado, Gomes Júnior faz um questionamento legal ao processo.
“Há um questionamento jurídico se tal venda/privatização poderá ser feita com base apenas em um Projeto de Lei como o que foi aprovado ou se isso é inconstitucional, pois deveria se alterar a Constituição do Estado através de uma PEC”, diz o advogado.
Entre os objetivos do governo com o follow-on da Sabesp está a ampliação dos investimentos na empresa para que seja adiantada a meta de universalização do atendimento.
Contudo, o professor pontua uma contradição, uma vez que a iniciativa privada só investiria no projeto se visse rentabilidade.
“Preços adequados e levar o serviço para áreas vulneráveis, o ente privado tem capacidade de subsidiar isso? A iniciativa só investe se vê rentabilidade, o que é inconsistente com o atendimento a áreas mais vulneráveis”, explica.
“Se não fosse assim, não teríamos mais problemas com saneamento no país”, pontua o especialista, que por esse motivo, novamente defende a importância de um debate profundo sobre o assunto antes de se adotar algum modelo de privatização.
Por outro lado, o economista da FGV não vê uma contradição no modelo. “Não há conflito entre a busca do lucro e a universalização. Na verdade, vários serviços de utilidade pública são conhecidos pelo setor privado que busca o lucro, mas não há universalização porque existe um sistema de regulação”, afirma Oliveira.
*Sob supervisão de Ligia Tuon; com informações de Caio Junqueira, da CNN Brasil