Petróleo vira termômetro da guerra e mostra que a febre está longe de passar
Conflito no Leste Europeu alterou produção, preços e comércio de algumas das commodities mais importantes do mundo
O petróleo tem sido usado como um termômetro para entender os efeitos da asquerosa guerra na Ucrânia que completa seis meses. O sobe e desce das cotações passou a sinalizar uma face da percepção sobre o conflito que tirou a vida de milhares de pessoas e alterou a produção, preços e comércio de algumas das commodities mais importantes do mundo. Nesse termômetro econômico, a temperatura pode ter até baixado nas últimas semanas, mas a febre está, definitivamente, longe de passar.
Os primeiros dias da guerra foram como uma pá de cal na esperança de que, após quase dois anos da pandemia, o mundo poderia finalmente voltar a sonhar com um céu sem nuvens para a economia. O ataque dos russos em 24 de fevereiro gerou um verdadeiro tsunami de aversão ao risco somado ao temor de falta de produtos básicos em todo o mundo.
Então, o resultado veio com a disparada de preços. Primeiro, nos mercados internacionais. O pânico dos investidores levou o barril do petróleo a subir 30% em poucos dias e se aproximar de US$ 130. Curvas parecidas foram vistas no gás natural, trigo e fertilizantes, entre outros contratos. O temor era que, sem russos e ucranianos no comércio internacional, faltariam esses itens. O mercado entrou em parafuso.
Em poucos dias, tudo isso chegou à economia real. Foi a cereja de um bolo que tentava crescer com ingredientes que já tinham feito a receita desandar: Covid-19, cadeias de produção desestruturadas e falta de insumos manufaturados.
A disparada dos preços na economia gerou reação em cadeia dos bancos centrais. Juros em alta representam um balde de água fria no crescimento da economia e, assim, o fantasma da recessão voltou a assustar. Primeiro, nos Estados Unidos. Depois, na Europa.
Mal começou a ação dos bancos centrais e, exatamente por causa da inflação alta, a demanda passou a ratear. Empresas alemãs reduziram o uso de gás nas linhas de produção e, do outro lado do Atlântico, motoristas norte-americanos tiraram o pé do acelerador e a demanda por gasolina caiu para níveis pré-pandemia. Com o orçamento tomado por alimentos mais caros, o mundo rico passou a usar menos energia.
O drama, porém, sempre esteve no mundo pobre. As Nações Unidas estimam que até 181 milhões de pessoas vão sofrer com a fome por causa da comida mais cara. No Brasil, estimativas sérias indicam que mais de 30 milhões estão em insegurança alimentar grave – ou seja, não sabem o que vão comer na próxima refeição.
E, para completar a lista das más notícias, a reação exagerada da China à Covid-19 tirou o que restava de vigor da segunda maior economia do mundo. São os sinais de que a roda da economia começou a rodar no sentido contrário. E, assim, o termo ‘recessão’ voltou definitivamente ao discurso dos economistas.
O medo da recessão até conseguiu gerar uma “boa notícia” para a inflação com a queda de preços das commodities, inclusive do petróleo que operou abaixo de US$ 100 nas últimas duas semanas. Mas essa boa nova pode ter sido apenas um sopro de alívio.
Preços mais baixos e a chance de um acordo do Irã com os Estados Unidos para a retomada da produção de petróleo iraniano geraram reação do maior produtor do planeta: a Arábia Saudita. E, agora, a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) discute a redução da produção do cartel. Essa possibilidade fez o barril ficar 8% mais caro na última semana. Só ontem, véspera dos seis meses da guerra, o tipo Brent subiu 3,90% e fechou a US$ 100,22, preço mais alto desde 2 de agosto.
A alta dos números nesse termômetro da guerra na Ucrânia nos remete ao calendário. Para os europeus, porém, a data importante não são os seis meses. A preocupação está dias à frente: em setembro, quando começa o outono, e em dezembro, quando chega o frio de verdade do inverno. O risco é que, sem gás e petróleo da Rússia, europeus passem frio em um inverno escuro. Se isso acontecer, o mundo todo vai sentir.