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    Os efeitos da pandemia de coronavírus no ecossistema de startups

    Startups demitem, veem investimentos minguar e o faturamento cair profundamente em poucas semanas. Dependentes de capital intensivo, as empresas se mexem

    André Jankavski , Do CNN Brasil Business, em São Paulo

    A história de Patrick Burnett não é lá muito diferente da de diversos empreendedores do Brasil. Antes de decidir criar o seu próprio negócio, no ano passado, ele passou por diversas empresas em sua carreira. Por ter sempre atuado no setor financeiro, decidiu arriscar a entrada na “guerra das maquininhas”, que criou empresas unicórnios como a PagSeguro e a Stone, além das já consolidadas Cielo, Rede e Mercado Pago. Então, com um sócio, decidiu investir R$ 4,5 milhões para criar a InoveBanco, que, além das maquininhas, oferece serviços como pagamentos instantâneos por QR Code e reconhecimento facial. Mas aí veio o coronavírus – que afetou a empresa e todo o ecossistema de startups.

    Com menos de sete meses de existência, a pandemia fez com que parte dos negócios da InoveBanco praticamente minguassem. Cerca de 70% do seu negócio foi afetado por queda nas vendas do setor de alimentação e também no de serviços, como de agentes autônomos e clínicas.

    Houve alguma recuperação no segmento de supermercados, é verdade, mas não o suficiente para compensar as perdas. Para piorar a situação, a fintech estava em conversa com três fundos de investimento para conseguir captar um investimento de R$ 7 milhões. Todos decidiram esperar.

    Esse é o ocaso que atinge praticamente todo o ecossistema de startups nas últimas semanas. Se a pandemia atingiu as grandes empresas do país, o estrago seria ainda maior naquelas que ainda dependem de capital intensivo para seguir operando. No mundo das empresas de tecnologia, dinheiro é mais do que fundamental: ele é necessário para a companhia continuar operando. Como muitas ainda não são lucrativas, dependem do capital externo para pagar, inclusive, contas básicas. 

    Não por acaso uma série de empresas começou a demitir, antes que fosse tarde demais. O banco digital C6, por exemplo, demitiu 60 pessoas. A startup Max Milhas, especializada em intermediação de milhas em programas de fidelidade de companhias aéreas, um dos setores mais afetados, desligou cerca de 40% do seu time. A Gympass, focada na área de academias, anunciou a demissão de cerca de 15% da sua equipe.

    Nas companhias menores, o estrago pode ser ainda maior. Não só pelo fato de não estarem faturando em meio à pandemia, mas também por não conseguirem capital de giro para dar prosseguimento aos seus negócios. Isso tudo em um ano que parecia promissor para essas companhias. Um levantamento realizado pela Distrito, empresa de inovação ligada ao ecossistema de startups, mostra bem isso.

    Nos dois primeiros meses do ano, as startups no Brasil já haviam recebido US$ 317 milhões em 39 aportes distintos. Isso representava um crescimento de quase 50% em relação ao mesmo período de 2019. Em março, a nova realidade começou a aparecer: o montante do primeiro trimestre foi 3% menor do que o do ano passado. A conta deve piorar bastante daqui para frente. 

    “O volume investido desse ano vai ter uma queda abrupta, mas poderemos ter um movimento interessante ao longo de 2020, com os fundos capitalizados procurando oportunidades”, diz Gustavo Gieriun, cofundador do Distrito.

    Os fundos colocaram o pé no freio. Pelo menos, por enquanto. O fundo e.Bricks Ventures, que já investiu em empresas como a fintech GuiaBolso e a Ambar, especializada no setor de construção civil, admitiu o baque.

    “Sem dúvidas, somos impactados pela crise. Muitas empresas terão projeções de crescimento mais tímidas”, diz Pedro Melzer, diretor do e.Bricks. “Nosso foco está em apoiar as empresas do nosso portfólio e também de passar a mensagem de que não se deve desperdiçar uma crise, pois ela permite testar o valor dos produtos e serviços.”

    Essa é a lição de casa que diversos investidores estão fazendo no momento: cuidar daquilo que já investiu. A meta é não perder empresas no meio dessa crise. O investidor João Kepler, da Bossa Nova Investimentos, tem mais de 600 investimentos em seu portfólio.

    Depois de fazer uma devassa para saber a situação de todas, ajudou todas aquelas em que ainda está como investidor ativo a segurar as pontas, especialmente com mudanças de gestão. Ele também faz uma suplica aos investidores especializados em startups: não parem de investir.

    Segundo Kepler, além de uma ótima oportunidade de negócios, o ecossistema não pode parar. “Apesar de ser um investimento de alto risco, é um retorno muito grande. É só pegar a Zoom como exemplo: hoje vai mais de US$ 40 bilhões, mas começou com um investimento de US$ 500 mil”, diz ele, sobre a empresa de transmissão de vídeo conferências que é febre no momento. 

    Sim, há oportunidades

    E existem as empresas que querem mostrar que são uma boa oportunidade mesmo em períodos de crise. Alguns setores começam a se destacar frente aos outros: saúde, agronegócio e outros serviços essenciais largam na frente em uma crise como essa.

    A Karavel, que funciona como um marketplace de exportação de produtos agrícolas, está à procura de investidores. O dinheiro necessário para essa nova fase: cerca de R$ 9 milhões. Mas é possível conseguir esse montante em um momento tão complicado? 

    Segundo Álvaro Nunes, presidente da empresa, os números mostram que sim. Somente na primeira semana de abril, por causa da alta demanda por alimentos causado pela pandemia, a empresa teve a consulta para negociar cerca de R$ 25 milhões em ativos como soja e arroz. A pico anterior era de R$ 20 milhões, mas levando em conta um mês inteiro. “Os fundos vão focar em setores que são essenciais e acredito que podemos conseguir levantar esse dinheiro”, diz Nunes. 

    Neste momento, não existe nada mais essencial do que a saúde – setor onde os especialistas acreditam que estão as melhores oportunidades no curto prazo. E a startup de saúde Sanar, especializada em treinamento online para médicos e enfermeiros, mostra bem isso: no começo de março recebeu um aporte de R$ 50 milhões dos fundos DNA Capital, tocado pelo executivo Pedro Bueno, presidente da Dasa, e pela Valor Capital. 

    “A demanda cresceu três vezes do dia para a noite e está sendo muito positiva para ganhar mais confiança dos profissionais da saúde”, diz Ubiraci Mercês, presidente e fundador da empresa. Provavelmente, se fosse hoje, os fundos precisariam desembolsar mais dinheiro pela fatia que compraram da empresa. Daí a importância do ecossistema não parar de girar quando a crise chega. 

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