Relatório da OCDE contraria projeções da Fazenda, vê déficit de 0,5% em 2024 e alta da dívida pública
Em outubro, segundo levantamento BC, dívida pública chegou a 74,7% PIB, o equivalente a R$ 7,9 trilhões
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projetou um déficit de 0,5% nas contas públicas em 2024. O número contraria a promessa de resultado primário do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em zerar o saldo no próximo ano.
“As finanças públicas têm sido regidas por uma série de regras fiscais, muitas vezes fortemente centradas no curto prazo. As metas orçamentárias podem mudar todos os anos, criando alguma incerteza sobre a orientação orçamentária a médio prazo”, diz o relatório econômico Brasil 2023, divulgado pela Organização nesta segunda-feira (18).
O levantamento da OCDE também aponta que uma “tendência expansionista na política orçamentária”, além das taxas de juros mais elevadas e o menor crescimento em 2024, vão colocar a dívida pública bruta numa trajetória ascendente novamente, atingindo cerca de 80% do PIB em 2024.
“A trajetória da dívida é altamente sensível à implementação da agenda de reformas. Uma falha na implementação da reforma tributária implicaria menor crescimento. Isto seria suficiente para pôr em causa a sustentabilidade da dívida pública”, diz o documento.
Considerando o novo arcabouço fiscal e reformas recentes, outras simulações da OCDE apontam que a dívida poderá atingir 90% do PIB em 2047. No entanto, de acordo com a instituição, caso haja falha na implementação da regra fiscal, a dívida poderá chegar a 100% do PIB em 2037.
“O reforço das regras orçamentárias será fundamental para a sustentabilidade e a confiança da dívida. (…) Garantir a sua sustentabilidade requer um sistema fiscal credível quadro e uma melhor eficiência das despesas”, aponta a OCDE.
Em outubro, segundo levantamento do Banco Central (BC), a dívida pública chegou a 74,7% do Produto Interno Bruto (PIB), o equivalente a R$ 7,9 trilhões. O número cresceu 0,3 ponto percentual do PIB em relação ao mês anterior.
De acordo com a OCDE, o processo orçamentário do Brasil é limitado pela ampla destinação de receitas e pelos pisos obrigatórios de gastos para determinadas rubricas de despesas.
Assim, a instituição sugere desvincular os pisos de saúde e educação ao crescimento da economia para serem corrigidas pela inflação para trazer sustentabilidade ao orçamento.
“A redução da rigidez orçamental é uma área em que é pouco provável que a nova regra traga muitos progressos. Reduzindo pisos de gastos obrigatórios e receitas direcionadas, repensando algumas indexações automáticas mecanismos, permitiria mais flexibilidade para ajustar as políticas às mudanças de prioridades e à situação volátil do Brasil”, diz.
Recentemente, o Ministério da Fazenda conseguiu adiar o pagamento da saúde e educação em 2023. Após a sanção da nova regra fiscal, em 31 de agosto, voltou a valer a regra constitucional que atrela as despesas com saúde e educação à variação da receita.
No caso da educação, o valor reservado no Orçamento deste ano seria insuficiente para cumprir o piso.
A equipe econômica enviou uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) pedindo o adiamento do pagamento dos pisos alegando “shutdown” nas contas públicas. O pedido foi aceito pela corte.
Em outra vertente, parlamentares da base do governo conseguiram inserir um dispositivo na lei que prorrogou a isenção do ICMS — imposto estadual — sobre combustíveis este ano, a possibilidade de reduzir o pagamento dos pisos em 2023.
Benefícios indexado à inflação
Em meio a discussão da reforma sobre a renda, a OCDE ainda sugere que os benefícios sociais sejam indexados à inflação e não ao salário mínimo. O argumento seria de que ao desvincular ao salário mínimo, os benefícios cresceriam menos.
De acordo com a OCDE, o orçamento brasileiro é limitado por receitas generalizadas, com vinculações e pisos de gastos obrigatórios e a indexação automática poderia piorar a situação.
“O desenvolvimento de indicativo e planos orçamentários plurianuais contínuos seriam uma opção alternativa melhor para garantir o financiamento adequado de prioridades e proteger o investimento público e os gastos sociais ao longo do tempo”, afirma o relatório.
“Reformas adicionais serão cruciais para aumentar a produtividade e os padrões de vida do Brasil. A produtividade é a principal fonte de crescimento a longo prazo na maioria das economias e fornece a base para melhorar padrões de vida materiais e reduções na pobreza e na desigualdade, mas o crescimento da produtividade tem sido fraco ao longo da última década. As reformas estruturais têm um potencial significativo para desbloquear um crescimento mais forte da produtividade”, destaca a OCDE.
Governo defende debate
Em coletiva de imprensa, realizada nesta segunda, o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello, afirmou que mesmo que a OCDE projete um crescimento menor para a economia em 2024, as duas visões apontam para um crescimento. Mas, que o mais valioso é poder debater os temas com a Organização para construir melhor políticas públicas.
“No conjunto de temas abrangidos pela OCDE, é evidente que sempre haverá um entendimento sobre esses temas que não necessariamente será convergente entre governo e OCDE, e isso é verdade para outros países”, disse.
“Mas para nós é muito valioso discutir esses temas, de aprofundar nosso conhecimento e análise e em pró da construção de melhores políticas públicas, políticas públicas mais eficientes e melhor utilização dos recursos públicos para um desenvolvimento sustentável”.
Mello também defendeu que a política fiscal adotada pelo governo procura olhar para o resultado primário em dois pontos: a recuperação do resultado primário e a estabilização da dívida.
Para ele, a grande discussão agora é a velocidade do processo. “A recomposição da base fiscal é um tema decisivo, porque melhora o ambiente de negócio e o ambiente tributário brasileiro. Mudanças que têm impacto positivo no médio e longo prazo no Brasil”, disse.
Mello ainda frisou que recompor a base fiscal do Estado e controlar o ritmo do crescimento nos gastos, além de avaliações recorrentes por meio da política de revisão dos gastos, criar uma agenda na melhoria da eficiência do gasto público e o combate às distorções tributárias, gastos tributários, também são formas de conter gastos.
“Acreditamos que essa agenda vai ser importante para criar um ambiente de confiança maior, para a redução da taxa de juros, o que por usa vez tenha impacto na trajetória da dívida no resultado nominal”, pontuou.