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    Mecanismos da reforma tributária fomentam combate à desigualdade, apontam especialistas

    Cashback é mais eficiente que ampliação da cesta básica, mas combinação de recursos é positiva ao contribuinte

    Danilo CruzJoão Nakamurada CNN São Paulo

    O projeto da reforma tributária, cuja regulamentação foi aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 10 de julho, tem como premissa simplificar e trazer maior isonomia para o sistema tributário brasileiro.

    Mas especialistas ouvidos pela CNN avaliam que o projeto também tem um peso positivo para o lado da redução de desigualdades.

    Buscar a equidade e a justiça fiscal são caminhos da reforma, segundo João Eloi Olenike, presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).

    “É uma reforma que pode corrigir desigualdades, garantindo que todos os contribuintes paguem uma parcela justa de impostos. Isso pode incluir a correção de lacunas e a eliminação de isenções que beneficiam desproporcionalmente os mais ricos ou certas indústrias”, diz.

    De acordo com uma “calculadora da reforma tributária” desenvolvida pelo Banco Mundial, o Simulador de Imposto sobre Valor Agregado (Simvat), a proposta atual reduz a carga tributária dos 10% mais pobres da população para 22,1%, de 28% atualmente.

    Enquanto isso, os 10% mais ricos — que convivem com carga de 8,2% atualmente — pagariam praticamente o mesmo em termos proporcionais.

    Proposta central da reforma no combate a desigualdades são as regras de devolução do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), mecanismo conhecido popularmente como cashback.

    O mecanismo busca reduzir a regressividade da tributação sobre o consumo ao repassar valores tributados aos contribuintes mais pobres. Cerca de 72,3 milhões de pessoas devem ser abraçadas pelo benefício, segundo estudo do instituto Pra Ser Justo.

    Apesar de a alíquota média do IVA ser de 26,5%, e igual para todos, as pessoas com menor renda pagariam um maior imposto relativo ao quanto recebem. Ao devolver os valores pagos em impostos para as classes mais baixas, o cashback tenta frear esse movimento.

    A pesquisa do think tank aponta que cerca de 57% dos beneficiários do cashback são mulheres. Na divisão por grupos étnicos, 72% das pessoas que devem participar do programa são negros. E no final das contas, o cashback deve custar R$ 9,8 bilhões aos cofres públicos.

    O Simvat aponta que o cashback é mais eficiente para combater desigualdades do que a ampliação da isenção de produtos da cesta básica.

    O Banco Mundial indica que no caso de as isenções abrangerem todos os alimentos, ao mesmo tempo em que se elimine o cashback, a alíquota média do IVA teria que aumentar de 26,5% para 28,3% a fim de manter a neutralidade fiscal.

    Só a isenção da carne, aprovada na Câmara dos Deputados como emenda à regulamentação da reforma, deve refletir num aumento de 0,53 ponto percentual a alíquota geral, segundo o Ministério da Fazenda.

    “Em várias simulações, um cashback bem direcionado parece ser uma maneira eficiente de proteger os mais pobres, diferentemente de isenções ou reduções destinadas a toda a população”, pontuou o Banco Mundial em nota.

    Uma vez que a abordagem do cashback é direcionada, se bem formulada, seria a saída mais adequada já que, no caso da carne, por exemplo, a isenção reduz impostos para todos os que consomem o alimento, e não somente para aqueles de baixa renda, aponta Guilherme Klein, professor do Departamento de Economia da Universidade de Leeds, no Reino Unido, e pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made-USP).

    “A escolha pela isenção, portanto, é menos eficiente em reduzir desigualdades de duas formas: pois reduz impostos para grupos de renda média e alta, que consomem carne; e tende a aumentar a alíquota-padrão sobre serviços e consumo, afetando proporcionalmente mais aqueles de menor renda”, explica Klein.

    Cashback limitado em alcance

    Mas apesar de ser um instrumento que reduza a regressividade, o cashback poderia ter um impacto ainda maior, na avaliação da coordenadora do Grupo de Pesquisa Tributação e Gênero da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito SP), Tathiane Piscitelli.

    “Na forma como veio desenhado [na regulamentação da reforma, o cashback] está limitado tanto em alcance quanto no percentual de devolução”, aponta. Segundo a Fazenda, esse nível tem média de 25%.

    “É evidente que alcança quem é muito vulnerável, mas há muitas pessoas em situação de vulnerabilidade que não se enquadram nesses parâmetros. Há dados que indicam que 70% da população ganha até dois salários mínimos. Essa população não consegue arcar com uma tributação sobre bens essenciais com a carga tributária como foi colocada”, pontua.

    Porém, a tributarista reforça que não deve haver mais espaço no orçamento para se aumentar o cashback, ainda mais considerando a ampliação da cesta básica.

    Piscitelli avalia a devolução de valores como um direito, porque uma vez que se reconhece que a pessoa “não tem capacidade econômica para arcar com essa tributação, eu não estou fazendo uma renúncia tributária, eu estou reconhecendo que essa pessoa não pode arcar com esse tributo e por tanto ela tem o direito de não ser tributada”.

    Ela aponta que não é adequado equiparar o cashback a benefícios e colocar na conta como uma renúncia que possa eventualmente ser revista.

    Desse modo, a tributarista diz que a complementaridade entre cashback e redução de alíquotas é um caminho a se trilhar para redução de desigualdades, ainda mais tendo em vista o mecanismo de revisão quinquenal — cuja premissa é reavaliar a cada cinco anos as alíquotas e as bases de cálculo dos tributos — previsto na reforma.

    Complementaridade de mecanismos e revisão quinquenal

    Tatiana Migiyama, professora em Gestão Tributária da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI), pontua que as regras que tratam da redução dos impostos que compõem o IVA a zero para determinados produtos se complementam com o mecanismo de cashback para combate da desigualdade.

    Piscitelli aponta para a mesma direção de que ambas não se anulam e podem ser equilibradas. “A combinação das duas políticas é um bom caminho, ainda mais considerando essa reavaliação quinquenal”, afirma.

    O mecanismo prevê que a cada cinco anos sejam revistas as renúncias e impostos aplicados, tendo em vista o ganho do contribuinte sem detrimento do estado: se houve de fato uma redução de preço nos bens essenciais com as alíquotas reduzidas, e se o gasto tributário com as renúncias está de fato chegando na mão da população.

    “O sentido é assegurar menor preço desses bens e por tanto mais acesso da população a bens e serviços essenciais. A revisão quinquenal é uma avaliação desse gasto tributário, que deve ser adequado na perspectiva do custo benefício”, conclui a coordenadora do Grupo de Pesquisa Tributação e Gênero da FGV Direito SP.

    Com informações de Cristiane Noberto, da CNN de Brasília

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