IVA ou CBS: novo imposto não é menor, mas permite saber o quanto pagamos
Novo imposto unificado não reduz a carga tributária, mas simplifica processos e traz transparência para o consumidor
Não será por falta de ideias que o Brasil ficará mais uma vez sem fazer uma reforma de seu complicado sistema de impostos.
O Congresso Nacional tem agora sobre a mesa três propostas de reforma tributária: uma desenhada pela Câmara dos Deputados (PEC 45), outra pelo Senado (PEC 110) e, por fim, a primeira parte da proposta elaborada pelo governo (PL 3.887), apresentada na última terça-feira (21).
Com algumas diferenças e muitos pontos de convergência, os três projetos têm um grande eixo em comum: a extinção do balaio de impostos que o país tem hoje sobre o consumo e a sua junção em uma contribuição única e simplificada, nos moldes do que é conhecido e aplicado em boa parte do mundo como IVA, ou Imposto sobre Valor Agregado.
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PIS, Cofins, IPI, ICMS (que é estadual), ISS (municipal), Cide são alguns tributos que estão na mira do novo imposto único. Quais deles caem varia um pouco entre os projetos. O nome do novo IVA também muda: na proposta do governo, é o CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), enquanto as da Câmara e do Senado chamam de IBS (Impostos sobre Bens e Serviços). Mas as três seguem as mesmas bases do que é o IVA no resto do mundo.
Em nenhuma das propostas a carga total dos impostos fica menor. A ideia é reagrupar o que já existe. Ainda assim, o IVA entrou de vez para o debate e é defendido por um coro enorme de tributaristas, para quem a simples redução da complexidade já traz uma série de benefícios.
Do lado das empresas, tira um peso grande de trabalho e de custos operacionais. De acordo com os defensores da simplificação, isso é essencial tanto para destravar a entrada de empresas estrangeiras no país quanto estimular o empreendedorismo interno.
“As empresas gastam mais de 1.800 horas por ano para calcular impostos no Brasil”, diz o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Ernesto Lozardo, que também fez estudos para um reforma tributária para o Brasil baseada no IVA. “Essa complexidade limita o crescimento das empresas, o empreendedor fica preso no Simples e não quer crescer para não ter que pagar mais imposto.”
Em nenhuma das propostas de reforma, o Simples Nacional, sistema de imposto reduzido e simplificado para pequenas empresas, é alterado.
Tributação invisível
Para o consumidor, a grande mudança é a transparência. A ideia é que o contribuinte passe a saber exatamente o quanto há de imposto em cada produto ou serviço.
Tanto os impostos atuais quanto o IVA são recolhidos dentro das empresas, mas repassados para os preços e pagos efetivamente pelo consumidor. As empresas também recebem de volta parte desses impostos que pagam, por meio de créditos tributários.
Hoje, a corrente de tributos é muito confusa e difícil de rastrear, e o resultado é que ninguém sabe exatamente qual é o total efetivo de impostos embutido no preço final de produtos que compramos.
Os impostos são vários (PIS, Cofins, IPI, ICMS, ISS etc.), recolhidos por diversos entes (União, Estados e municípios) e variam de acordo com o local, o setor e o regime tributário da empresa. Além disso, da maneira como está desenhada hoje, boa parte das cobranças é sobreposta, o que gera a chamada cumulatividade.
Quer dizer, conforme uma empresa fornece para a outra, cada novo imposto que é aplicado incide sobre todos os outros que já foram pagos anteriormente, e o bolo tributário só vai ficando maior.
O IVA não só unifica os impostos e cria uma alíquota igual para todas as situações como também retira a cumulatividade. A ideia original do IVA – e daí o “valor agregado” do nome – é sempre aplicar a cobrança apenas sobre a parte que aquela empresa da cadeia adicionou sobre os produtos e serviços que adquiriu para fazer os seus próprios e passar para frente.
Nos desenhos mais modernos dele, essa metodologia já é um pouco diferente, mas o efeito final, de limpar a cumulatividade, é o mesmo. Isso faz com que a carga total seja sempre a mesma do começo ao fim.
“O imposto passa a aparecer de forma transparente para o cidadão”, disse Eurico Santi, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), entidade que elaborou o projeto que deu origem à proposta de reforma tributária da Câmara (a PEC 45). “Ele vai saber quanto está pagando e descobrir que está pagando muito na tributação sobre o consumo. E vai começar a cobrar isso dos governantes”, afirma.
De acordo com Santi, é essa clareza que faz o consumidor se engajar no que acontece com impostos que aparecem diretamente para ele, como o Imposto de Renda, o IOF, o IPTU ou o IPVA, mas discutir muito pouco o peso das cobranças indiretas como PIS, Cofins ou ICMS.
“Assim como o cidadão discute se o metrô subiu 20 centavos, ele também vai passar a querer saber porque o IVA subiu 1%”, disse Santi.
Serviços mais caros
Não é sem resistência, entretanto, que o IVA tenta desembarcar no Brasil. Um dos principais choques está em criar uma alíquota única, em substituição ao modelo atual em que cada tipo de empresa paga um imposto e uma alíquota diferente.
A intenção é que a alíquota final do IVA não seja maior do que a média do que se paga hoje, mas, como a cobrança atual é desigual, há produtos que sairiam pagando mais para que outros paguem menos.
É o caso de serviços, por exemplo, que estão entre os que têm as menores alíquotas atualmente e ficariam entre os principais prejudicados. Significa também que, com a reforma, o consumidor pode esperar preços mais salgados em cursos, tratamentos de saúde ou academias, por exemplo.
Para contornar esse tipo de distorção, o governo acena com a contrapartida de, em um segundo momento da reforma, entregar um programa de desoneração dos impostos sobre a folha de pagamento, que são mais pesados justamente para setores que empregam bastante, como o de serviços.
Outro ponto certo de resistência é com estados e municípios. Os estados são há décadas os responsáveis por definir e cobrar o ICMS, aplicado sobre o comércio e que é o imposto mais alto sobre o consumo. Já os municípios legislam sobre o ISS, aplicado nos serviços – o que significa que só o ISS tem 5.570 legislações e alíquotas diferentes, o número de cidades existentes no país.
Essas diferenças alimentam, ainda, a famosa “guerra fiscal”: a disputa de isenções concedidas por estados para atrair empresas. Como o IVA unifica tudo, todos passariam a pagar o mesmo. Os estados perdem essa ferramenta de barganha e podem ter suas receitas afetadas.
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