Indústrias do petróleo e da mineração reclamam de “ataque” tributário
Além de imposto seletivo, criado com a reforma tributária, estados e municípios estão multiplicando cobrança de novas taxas de fiscalização sobre esses dois setores
As indústrias do petróleo e da mineração tornaram-se alvos frequentes de novos impostos e taxas aplicados pelas três instâncias de governo — União, estados e municípios — que estão aumentando significativamente sua carga tributária no Brasil.
A última ofensiva aos dois setores, que juntos representam quase 20% do PIB, ocorreu em dezembro e gera incertezas para a continuidade de seus negócios.
No dia 15, a Câmara dos Deputados aprovou o texto final da reforma tributária, com o estabelecimento de um imposto seletivo que incidirá sobre a extração de recursos naturais. A alíquota prevista é de até 1% sobre o “valor de mercado” do produto.
Em seguida, no dia 21, o governador Cláudio Castro (PL) sancionou uma lei que cria uma taxa de fiscalização ambiental sobre as atividades de petróleo e gás em todo o território fluminense. A taxa será de R$ 43.329 mensais por área de concessão.
“Isso está tirando a competitividade de projetos no Brasil”, diz o presidente do Instituto Brasileiro do Petróleo (IBP), Roberto Ardenghy, que calcula um impacto de R$ 600 milhões anuais somente com a cobrança no Rio de Janeiro.
“Estamos claramente sob ataque especulativo”, acrescenta o presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), Raul Jungmann, em referência à multiplicação de impostos e taxas pagas pelo setor.
A própria reforma tributária, além de ter criado o imposto seletivo sobre a extração de recursos naturais, reconheceu constitucionalmente fundos estaduais de infraestrutura criados a partir da cobrança de taxas sobre produtos primários e semielaborados.
Quatro estados — Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará — já faziam essa cobrança. O Supremo Tribunal Federal (STF) já rejeitou pedido de liminar contra a taxa, mas ainda precisava julgar o mérito. Agora, os fundos foram “constitucionalizados” até 2043.
Ofensiva contra a mineração
A mineração, um dos setores mais afetados, também têm sido objeto de taxas de controle e fiscalização das atividades minerais (TRFMs) que se multiplicaram nos últimos anos.
A cobrança em quatro estados — Minas Gerais, Pará, Mato Grosso do Sul e Amapá — gerou uma arrecadação de R$ 2,8 bilhões somente em 2022.
Segundo estudo da LCA Consultores elaborado para o Ibram, oito municípios paraenses replicaram a cobrança da TRFM.
Embora a arrecadação seja irrisória, em valores, a multiplicação da taxa preocupa as empresas porque existem cerca de 2,6 mil municípios com atividades mineradoras no país e a conta ainda pode crescer muito. “O temor é que isso viralize”, afirma Jungmann.
Para o executivo, que foi ministro dos governos Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, há uma sequência de fatores que faz da mineração alvo mais fácil das autoridades para a cobrança de tributos: os ganhos expressivos para a balança comercial; o desconhecimento da sociedade sobre a estrutura tributária; e a receptividade do Poder Judiciário em ações contra o setor após os desastres de Mariana e de Brumadinho.
“É uma pena porque a mineração no Brasil já enfrenta uma das cargas totais de impostos mais altas do mundo. No momento em que o planeta fala em descarbonização e acelera novos processos que dependem de metais para a transição energética, no momento em que temos uma janela para o futuro absolutamente ímpar, estamos plantando insegurança jurídica”, avalia Jungmann;
Petróleo e gás
A indústria de petróleo e gás paga, direta ou indiretamente, 69% de sua receita bruta ao governo de diferentes formas: impostos e tributos, royalties, participações especiais, Cide — e agora também pode ter as faturas do imposto seletivo e das taxas de fiscalização.
Embora seja um produtor relevante e em ascensão no mercado global, lembra Ardenghy, o Brasil “não é o único no mundo” e corre risco de afastar interessados ao sobretaxar a exploração dos recursos naturais.
Na Guiana, considerada o novo eldorado do setor, essa mordida não chega a 20%. Na Namíbia, é de 14%.
Após a sanção da nova taxa de fiscalização no Rio de Janeiro, o IBP informou que pretende levar o assunto à Justiça. Entre os questionamentos, está o fato de que as concessões de áreas petrolíferas são federais — não estaduais.
De acordo com Ardenghy, os altos preços do petróleo não devem servir como justificativa para o aumento da tributação. “As cotações podem estar pontualmente elevadas, mas são extremamente voláteis. Em 2020, por exemplo, chegamos a ter preços negativos — com fornecedores pagando para compradores retirarem o produto de seus estoques”.
O executivo lembra que o Rio de Janeiro tem 250 campos de petróleo, nas bacias de Campos e de Santos, e que o setor representa 52% do PIB do estado.
Jungmann, do Ibram, aponta um aparente paradoxo: as taxas de fiscalização criadas em alguns estados e municípios superam o orçamento disponível de secretarias estaduais do meio ambiente ou até o de prefeituras inteiras em algumas localidades onde a cobrança foi aplicada.
A tese é que, no fim das contas, essas novas taxas têm objetivo essencialmente arrecadatório e não de aperfeiçoar os sistemas de fiscalização ambiental — justificativa para sua criação.
Apesar da insatisfação, Ibram e IBP ainda não falam em judicializar o imposto seletivo. A estratégia de ambas as entidades é amenizar o aperto tributário durante a tramitação do projeto de lei complementar que regulamentará a reforma.