Inflação inercial gerada pelo crescimento insustentável não é combatida com mais oferta, diz Pessôa à CNN
Pesquisador da FGV explica por que o aumento da demanda sem correspondente aumento da oferta pode levar a um ciclo inflacionário difícil de reverter
O economista Samuel Pessôa, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e chefe de pesquisa da Julius Baer Brasil, alertou sobre os riscos de uma política econômica focada apenas no estímulo à demanda.
Em entrevista ao WW, Pessôa explicou por que o chamado “hiato positivo”, que é quando a economia opera acima de sua capacidade produtiva, pode gerar uma inflação inercial, difícil de ser combatida apenas com aumento da oferta.
Segundo o economista, é contraintuitivo para o senso comum aceitar que a economia possa ir mal quando há alta no emprego e aumento da renda e do consumo.
Este é justamente o argumento político utilizado pelo governo, que defende a indução ao consumo como forma de criar um ciclo virtuoso de crescimento econômico.
O problema do timing
Pessôa destaca que o principal problema dessa abordagem é o tempo necessário para que investimentos se transformem em aumento efetivo da oferta.
“Enquanto o investimento não está prontinho funcionando, ele não é categoria de oferta, ele é demanda”, explica o economista.
Durante o período de implementação dos investimentos, há contratação de trabalhadores e compra de máquinas, o que gera demanda sem o correspondente aumento da oferta.
Essa defasagem pode levar a um aumento da inflação que, uma vez estabelecida, torna-se inercial e difícil de reverter.
O pesquisador cita exemplos históricos para ilustrar seu ponto, como o governo de Néstor Kirchner na Argentina, que assumiu em 2003 com inflação baixa e situação fiscal favorável, mas cujas políticas levaram a um aumento significativo da inflação nos anos seguintes.
Lições do passado
Pessôa também menciona tentativas semelhantes no Brasil, como o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek e o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento durante o governo Geisel.
Em ambos os casos, apesar dos investimentos em infraestrutura e indústria, o resultado foi uma inflação elevada que se mostrou difícil de controlar.
“O Brasil desde os anos 50 vem com essa história, essa história nunca funcionou”, afirma o economista, ressaltando que o aumento da oferta, quando finalmente ocorre, muitas vezes chega tarde demais para conter a inflação já estabelecida.
A análise de Pessôa serve como um alerta para os formuladores de política econômica, destacando a importância de uma abordagem equilibrada que considere não apenas o estímulo à demanda, mas também o timing e os efeitos de longo prazo das medidas adotadas.