Governo precisa comprar tempo com medidas de longo prazo, diz Volpon
Economista-chefe do UBS é o primeiro entrevistado da série Economia Pós-Pandemia e diz que aprovação de reformas vai garantir espaço para gastos na pandemia
O governo e o Congresso precisam trocar o longo prazo pelo curto prazo.
Isso significa aprovar reformas que possam estabilizar a trajetória fiscal no longo prazo, para manter a confiança de investidores de que o país pode gerenciar a deterioração das finanças públicas e, portanto, ganhar tempo para fazer os gastos necessários neste momento de pandemia. A avaliação é de Tony Volpon, economista-chefe do banco suíço UBS no Brasil.
Volpon conversou com o CNN Brasil Business sobre as perspectivas econômicas e os desafios do país, abrindo o programa especial Economia Pós-Pandemia, que trará ao longo das próximas duas semanas entrevistas com economistas dos principais bancos privados que atuam no país.
“Faz parte do nosso cenário que o governo mantenha a confiança do mercado com a continuidade do processo de reformas. O mercado não espera que tudo seja aprovado amanhã”, diz Volpon, pontuando que o processo democrático acaba sendo lento por natureza.
“Mas é preciso que as discussões estejam caminhando para a frente”, ressalva, dizendo que uma eventual paralisia traria reflexos negativos entre investidores.
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Ele compara a situação atual com a ocorrida no fim de 2016 no governo do então presidente Michel Temer. A aprovação da proposta que criou a Lei do Teto dos Gastos ajudou a “ancorar” as expectativas fiscais, o que evitou que o país sofresse com a desconfiança de investidores apesar do déficit elevado.
O UBS revisou há duas semanas a sua projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2020, de uma queda de 7,5% para uma retração de 5,5%. Foi um dos primeiros bancos a fazer o movimento. E apontou como justificativas o papel desempenhado pelo auxílio emergencial de R$ 600 pago pelo governo e uma retomada mais forte que a esperada da China, segunda maior economia do mundo.
“O coronavoucher e os programas de apoio à renda acabaram sendo bastante efetivos em manter a renda do trabalhador apesar da crise e, portanto, o consumo não caiu tanto como esperávamos”, diz Volpon, que foi diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central de 2015 a 2017.
Já o desempenho da economia chinesa, por sua vez, favorece as exportações brasileiras.
Sequelas da crise
Mas Volpon diz não esperar que a economia se recupere rapidamente, o que caracterizaria a forma de um “V” (uma queda abrupta seguida de uma retomada intensa).
“A alta na retomada é menor que a queda em razão do fato de que, durante o período em que a economia esteve virtualmente paralisada, houve muita desorganização da atividade. São famílias que perderam o emprego, empresas que foram fechadas. Isso deixa sequelas”, afirma.
Ao analisar a importância do auxílio emergencial, Volpon diz que ele e a equipe econômica do UBS avaliam que o benefício deveria ser retirado de maneira bastante lenta e gradual, dando tempo para a economia se recuperar. Daí vem a importância de sinalizar ao mercado a disposição de continuar a perseguir o equilíbrio fiscal de longo prazo, como destacado anteriormente.
O economista diz esperar que o governo e o Congresso aprovem a reforma tributária até o início de 2021, mas diz que a dúvida é saber a profundidade das mudanças. O ICMS, principal tributo dos Estados, deveria constar da reforma, para ampliar a efetividade da mesma. “Todos sabemos que o sistema tributário brasileiro é extremamente ineficiente, danifica a produtividade e o crescimento.”
Ele aproveita o tema para fazer a ressalva de que o governo não pode se preocupar apenas em medidas que ajudem no controle dos gastos. “Temos que ter um crescimento maior para gerar mais receita tributária, e para isso será necessário aprovar reformas que ajudem o crescimento”, diz.
Ele aponta como outro exemplo o marco regulatório do saneamento – aprovado há duas semanas – , que vai estimular investimentos privados que vão favorecer a expansão da atividade.
Riscos
Segundo Volpon, a melhora para a projeção do PIB brasileiro pressupõe a continuidade do processo de reabertura da economia, aqui e no exterior. “Qualquer retrocesso na reabertura, algo decorrente de uma segunda onda da pandemia, por exemplo, levará a uma piora na projeção”, afirma.
Ele conta que o UBS elaborou um indicador global de restrição de mobilidade, que inclui o Brasil, para mensurar com critérios objetivos o fechamento e a reabertura das economias. “O que percebemos nos últimos meses é que o nível de atividade acaba seguindo a evolução do índice.”
Volpon acrescenta como risco uma eventual retirada abrupta e desorganizada do auxílio emergencial, algo que deve ser decidido nas próximas semanas e que poderia levar a uma piora da recuperação.
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