Governo não pode manter concessionárias que já pediram relicitação, determina TCU
Em ofício, ministros Renan Filho e Márcio França afirmaram que não veem "vedação legal" que impeça a União de rever a gestão do ativo concedido
Um parecer da unidade técnica do Tribunal de Contas da União (TCU), se for seguido pelo plenário da Corte, poderá frustrar os planos do governo Lula de encerrar processos de relicitação para manter as atuais concessionárias na operação de ativos de infraestrutura, como é o caso dos aeroportos do Galeão (RJ) e de Viracopos (SP).
No último dia 11, os ministérios de Transportes e de Portos e Aeroportos fizeram uma consulta ao TCU sobre a possibilidade de o governo desfazer um processo de relicitação em andamento.
No ofício, os ministros Renan Filho e Márcio França afirmaram que não veem “vedação legal” que impeça a União de rever a gestão do ativo concedido, mas pediram também uma manifestação do tribunal sobre o assunto, já que a Corte é responsável por analisar casos de desestatização.
Em parecer assinado na quarta-feira (24) contudo, a Unidade de Auditoria Especializada em Infraestrutura Rodoviária e de Aviação Civil do TCU contraria o entendimento do governo.
Na avaliação do órgão, assim que o Executivo assina o aditivo de relicitação – etapa em que começam os preparativos para a concessionária devolver o ativo e a União realizar um novo leilão -, a administração pública está vinculada a dar prosseguimento ao novo certame.
Caso esse processo não tenha êxito pelo fato de descumprimento pelo concessionário do termo de relicitação, ou se o novo leilão não der certo, o governo deve encaminhar um processo de caducidade (encerramento) do contrato, defende.
O instrumento de relicitação é uma devolução amigável de concessões problemáticas, mas tem enfrentado percalços. Desde que a regulamentação do tema foi editada, em 2019, apenas o leilão do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN) foi realizado, na semana passada.
Mas a lista é grande. Seis concessionárias de rodovias e três de aeroportos apresentaram pedidos de devolução ao governo, em processos que se arrastam há anos.
A situação tem frustrado o Poder Público e as regiões onde estão esses ativos, já que a resolução dos passivos para que a concessionária possa sair do projeto é demorada, atrasando os leilões para selecionar um novo operador e para destravar os investimentos.
Por isso, integrantes do governo Lula avaliam que, para alguns casos, é mais interessante encontrar uma saída para manter o operador atual do que promover uma nova licitação.
Integrantes do governo reconhecem que, para isso ocorrer, seria necessário alterar os termos do contrato, já que as regras em vigência se tornaram insustentáveis para a concessão, a ponto de a operadora pedir para devolver o ativo.
Essa questão é destacada no parecer da unidade técnica do TCU, que diz ser “lógico” presumir que a empresa somente aderiria a nova proposição com regras mais benéficas que as atuais. Ressalva, contudo, ser difícil argumentar a favor desse encaminhamento.
Para a área técnica, rever o contrato com cláusulas mais benéficas “promoveria incentivos” ao concessionário inadimplente, premiando a ineficácia e prejudicando a isonomia dos contratos de concessão.
Aponta também que não houve mudanças regulatórias que justificassem a desistência da relicitação, e que o período econômico mais crítico, gerado pela pandemia, gerou compensações às concessionárias a partir de diversas medidas do governo.
“Faz-se necessário vencer o desafio da renegociação do contrato. No Brasil, há poucos estudos quanto à natureza e impacto das renegociações das concessões”, aponta a unidade técnica, destacando que as experiências mostram que as renegociações são contrárias ao interesse público, e reduzem a eficácia do contrato de concessão.
Apesar de apontar que, diferentemente da interpretação do governo, a União não pode revogar um processo de relicitação, o parecer dá algumas sugestões caso a tese contrária seja aceita. Frisa, portanto, ser “fundamental” que uma eventual renegociação esteja assentada sobre o princípio da legalidade e impessoalidade.
“O eventual encerramento do processo de relicitação por iniciativa do Poder Público deverá demonstrar em sua motivação que a alternativa da medida a ser adotada seja mais eficaz que a transferência do ativo para um novo concessionário que goze de higidez econômico financeira, selecionado mediante um processo que contou com a participação da sociedade na sua formulação, mediante a consulta pública, no qual há um compromisso da retomada imediata de investimentos com conclusão em um curto período para assegurar a prestação adequada dos serviços, e aumentando a arrecadação do Governo Federal, preocupação da atual gestão que é de amplo conhecimento público”, diz a área técnica em sua decisão.
O Tribunal enumera, ainda, uma série de requisitos que deveriam ser cumpridos caso a União insista em renegociar o contrato, como demonstrar que os resultados de um novo acordo superariam os resultados de um novo leilão.
A unidade técnica do TCU pondera ainda ter tido pouco tempo para analisar o tema, “impossibilitando um alargamento e aprofundamento das questões, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, na busca de situações análogas para apreciação do caso”.
No relatório, os técnicos ressalvam ainda a escolha direta do ministro Vital do Rêgo para relatar a matéria, conforme pedido por França e Renan Filho e acatado pelo presidente do TCU, ministro Bruno Dantas.
O governo pediu que Vital relatasse a matéria por já conduzir o processo de relicitação do Aeroporto de Viracopos. A Unidade técnica apontou, contudo, que há outras ações sobre o tema no tribunal, relatadas por outros ministros. A mais antiga tem como relator o ministro Jorge Oliveira, ex-auxiliar de Jair Bolsonaro.