Exportações e investimentos: como a situação da economia da China pode impactar o Brasil
Especialistas comentam que os últimos indicadores da China apontam para uma desaceleração do país, o que também ecoa no Brasil
Os dados da economia da China indicam uma desaceleração da segunda maior economia do mundo, e geraram preocupação para alguns especialistas.
No Brasil, o alarde é motivado pela magnitude da parceria comercial entre os dois países. Com o enfraquecimento da China, o volume das trocas comerciais entre os países pode diminuir e mudar a perspectiva dos investidores estrangeiros sobre o mercado brasileiro.
Marlon Glaciano, especialista em finanças e investimentos, explica que o país enfrenta um cenário preocupante por conta da deflação, a crescente dívida do governo e os desafios do mercado imobiliário. “Com essa conjuntura, teríamos uma queda na demanda do país, que é o maior mercado mundial por energia, alimentos e matérias-primas”, explica.
O parlamento chinês traçou uma meta de crescimento de 5% para a economia em 2023. Mas o cenário econômico preocupante se agravou após o desempenho da economia no segundo trimestre, que cresceu apenas 0,8% na comparação trimestral e decepcionou o mercado, e fez com que as instituições financeiras projetassem um crescimento abaixo dessa meta para a China este ano.
O Morgan Stanley vê o PIB chinês em 4,7% neste ano, abaixo da previsão anterior do próprio banco, também de 5%. O JPMorgan também cortou a previsão de expansão da atividade do país asiático deste ano para 4,8%, de 5% antes, enquanto o Barclays reduziu para 4,5%.
Impacto no Brasil
Como um dos principais parceiros comerciais da China, principalmente na exportação de commodities, a situação pode preocupar o Brasil. “Se a China cresce menos, a gente exporta menos”, reflete Alexandre Queiroz Guimarães, especialista em Economia Política e professor da PUC-MG.
Até o momento, as exportações e importações anuais da China têm caído. Respectivamente, os números registraram quedas de 14,5% e 12,4% no mês de julho, na comparação com o mesmo período de 2022.
Em relação ao Brasil, Glaciano aponta que a desaceleração econômica da China será sentida principalmente nas vendas para o nosso principal parceiro comercial. “O maior impacto deve ser na exportação de commodities metálicas”, indica o analista.
O economista chefe da Planner Corretora, Ricardo Martins, reforça a ideia ao lembrar que a China é também a principal compradora de insumos agrícolas do Brasil. “A partir do momento em que a atividade chinesa desacelera, o país deixa de importar commodities, o que enfraquece preços e reduz produção, assim diminuindo a oferta e por consequência, num segundo momento, eleva preços desses produtos básicos”, explica Martins.
Contudo, o especialista indica que se bem trabalhada a situação, o Brasil pode não sofrer impactos tão grandes. “Se as exportações para a China pelo Brasil diminuem, podem ser redirecionadas para outros mercados, o que não é ruim”, conclui.
Por outro lado, Guimarães e outros especialistas avaliam que o momento não é tão alarmante. “Não é um momento de ruptura”, afirma Daniel Lau, que integra o China Desk da consultoria KPMG, divisão da empresa que estuda os negócios do país.
“Em matéria das relações comerciais entre os dois países, é necessário ficar de olho nas bolsas de commodities. Elas estão estáveis, não há sinal de pânico”, aponta Lau.
Os dados de importação de produtos chineses pelo Brasil disponibilizados pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), entre o 1º semestre de 2022 e 2023, apontam para uma leve desaceleração:
Contudo, se analisados os números dos mesmos períodos em relação às exportações para a China, é reforçada a tese de que o mercado chinês não está se rompendo, mas sim se ajustando:
Apesar disso, os números ainda são recentes. O impacto da economia chinesa ainda pode vir a longo prazo, dizem os especialistas.
Evasão de investimentos
Os especialistas ainda avaliam outra forma que a desaceleração da economia chinesa afeta o Brasil: a evasão de capital estrangeiro.
Daniel Abrahão, analista da iHub Investimentos, explica que no contexto de desaceleração da segunda maior economia do mundo, é esperado que surja um sentimento de aversão ao risco globalmente.
“O Brasil, por ser um país emergente, pode deixar de ter entrada de capital, porque em momentos de preocupação com o risco, o dinheiro vai para países com mais qualidade de crédito e maior segurança”, pontua.
Recentemente, a agência de classificação de risco Fitch Ratings definiu como “BB” a classificação de crédito do Brasil. Com isso, o país ficou a “dois passos” de atingir o chamado “grau de investimento”, que abarca os países com classificação entre “BBB” e “AAA”, nota máxima.
Nesse cenário, Abrahão explica que a preocupação com o cenário faz com que os investidores globais deem preferência para colocar dinheiro na economia americana ou europeia, investindo em ativos como dólar e ouro.
Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV Ibre e sócio da BRCG Consultoria, também menciona que a forte relação da economia brasileira com a China, além de uma queda no diferencial de juros por aqui, fez com que outras economias emergentes na América Latina começassem a despontar como opção de investimentos ao Brasil.
“Há dois ou três meses, o Brasil era a primeira opção de investimentos no continente, mas é possível observar uma mudança na percepção que coloca o México em uma posição mais forte”, explica.
O pesquisador pontua que a economia mexicana está mais ligada aos Estados Unidos, que tem performado melhor em relação à chinesa.
Mas Ribeiro ressalta que isso não necessariamente quer dizer que o país vai ficar para trás, “essa mudança está mais na margem na estrutura do cenário, é uma coisa para ter na cabeça de maneira objetiva, porque existe essa mudança na percepção do debate”, pontua.
Outro lado da moeda
Mas a situação do crescimento econômico chinês ainda apode ser questionado, há analistas que não veem a situação como o “grande buraco” que aparenta ser. “Era esperado que [a economia chinesa] desacelerasse, tem fatores que agravam, claro, mas eu não vejo o modelo chinês indo para o buraco”, pontua o professor Alexandre Guimarães.
“É natural, nenhum país cresce dessa maneira para sempre. O governo vai enfrentar as dificuldades”, conclui o especialista em economia política.
Daniel Lau considera bons os números mais recentes para o que a China pretende. Isso porque, a China já chegou a crescer a dois dígitos no passado, uma realidade difícil de alcançar para o país como ele é hoje.
“Aquele número não vem mais, a China não quer crescer mais naquela velocidade. A estratégia de crescer de forma frenética não é mais a realidade do país”, avalia..
Mas Guimarães não exclui o fato de que o problema ainda pode ressoar no Brasil. “A gente sofre porque exporta muitas commodities para lá. O Brasil não pode se preocupar em ser só um exportador, tem que expandir os horizontes e investir em outros setores”, conclui.
*Sob supervisão de Ana Carolina Nunes