Especialistas elencam pontos a serem detalhados pelo novo marco fiscal
Ainda que a recepção ao projeto tenha sido positiva, especialistas concordam que questões importantes a serem melhor explicadas
O anúncio da nova regra fiscal na quinta-feira (30), feito pela ala econômica do governo federal, encabeçada pelos ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento, trouxe como base o controle do gasto e do superávit primário.
A proposta, em geral, foi bem recebida por políticos e pelo mercado. O Ibovespa fechou em alta de quase 2% na quinta-feira. A Febraban, por exemplo, disse, em comunicado que “trata-se de um passo importante e meritório, pois procura combinar as prioridades sociais do país com o necessário controle da expansão dos gastos públicos.”
Ainda que a recepção ao projeto tenha sido positiva, especialistas também concordam que há pontos importantes que precisam ser detalhados.
O economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel de Barros, diz que o excesso de pontas soltas não é um bom sinal e ajuda na gestão das expectativas sobre a política fiscal. “Não está claro como essa banda de primário vai operar. Além disso, não tem explicações sobre se a alta no gasto de 70% da receita é do ano passado fechado ou se é uma janela móvel, últimos 12 meses”, aponta.
A proposta apresentada prevê que os gastos do governo não podem ter crescimento acima de 70% do crescimento da receita. Com isso, o avanço das despesas depende diretamente do aumento da arrecadação.
De acordo com material divulgado pela pasta, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) e o e piso da enfermagem ficam excluídos dos limites.
Na análise de Marcio Riauba, gerente da Mesa de Operações da StoneX, o governo pretender, com esta nova regra, controlar os gastos públicos sem tirar o dinheiro alocado nas áreas na qual julga essenciais.
“A dúvida é de como essa a fórmula secreta vai atingir seu objetivo. A manutenção dos gastos mais importante sem precisar cortar do orçamento é um ponto sem explicação, pois, para atingir essas metas, a tendência é as despesas crescerem. Isso abrirá espaço para governo elevar os gastos. Ou seja, não foi dito se vão economizar ou se vão aumentar os impostos”.
Barros listou 15 dúvidas que não foram respondidas no texto sobre o novo marco fiscal:
- Qual o gasto base para o limite do gasto?
- Como entram os gastos com precatórios?
- Como entram os gastos com créditos extraordinários, pleitos eleitorais, capitalização de estatais e Fundeb?
- O gasto excedente com investimentos é incorporado na base de cálculo que define o piso de investimentos?
- O gasto excedente com investimentos se sobrepõe ao limite de 2,5% de crescimento real, é aditivo?
- Como cumprir a regra em cenários desafiadores de crescimento e arrecadação?
- Receitas temporárias irão financiar despesas permanentes ou haverá algum limite?
- Como cumprir a restrição de gasto agregada, top-down, dadas as promessas de campanha, que tornam a regra inconsistente?
- É possível cumprir a regra com salário mínimo crescendo em termos reais, transferências de renda, salário de servidor, maiores gastos com saúde e educação e investimentos? Se sim, como?
- Quais as premissas macroeconômicas assumidas nas projeções apresentadas?
- Limite de gasto é apenas para o Executivo ou também para os demais poderes?
- Governo simulou a regra que está propondo? Parece que não, dado a aparente inconsistências das projeções de receita, despesa com o resultado primário e dívida pública.
- Quais são os gatilhos da regra?
- quais são as cláusulas de escape?
- Quais são as medidas de correção em caso de furo do teto?
Complementando essas questões, Riauba enfatizou que também ficou obscuro sobre como cortar mais os gastos. “De certa forma, pode-se dizer que o Haddad já está contando com o sucesso financeiro da reforma tributária para que possa, em conjunto, atingir as metas para esse arcabouço fiscal”.
Um outro ponto colocado por Riauba, e que, segundo ele, acabou não soando bem no mercado, é em relação a atingir resultados acima da banda da meta. “O texto diz que pode realizar estes gastos como investimento, mas soa como uma licença para poder gastar”, destaca.
Em entrevista à CNN na quinta-feira (30), o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega considerou que o novo marco fiscal apresentado pelo governo “está na direção correta, mas tem muito otimismo”.
“Acredito que é uma proposta que tem um aspecto positivo. Confirma as preocupações do ministro da Fazenda com a responsabilidade fiscal, tem uma regra de gastos que é uma demanda”, disse.
Por outro lado, o ex-ministro demonstra sua preocupação com relação à forma com que o governo alcançará o superávit esperado.
“Existe muito otimismo nesse projeto do governo. A regra estimula a busca do aumento da arrecadação para poder gastar mais. Foi assim no passado do Brasil com diferentes governos. Os superávits primários foram alcançados, invariavelmente, por aumento de receita e não por corte de despesas. E, como sabemos, os ajustes fiscais mais eficazes e mais favoráveis ao crescimento são aqueles que são feitos pelo lado da despesa”, explicou.
A CNN entrou em contato com o Ministério da Fazenda para explicar os pontos colocados pelos especialistas, mas, até o momento, não teve retorno.