Especialistas concordam com decisão do TCU sobre a privatização da Eletrobras
No entanto, há um sentimento de que faltou transparência na elaboração dos estudos que norteiam a operação
A estruturação da privatização da Eletrobras e a precificação proposta pelo Executivo têm a aprovação de especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.
No entanto, há um sentimento de que faltou transparência na elaboração dos estudos que norteiam a operação.
O tema voltou a ter destaque com o julgamento no Tribunal de Contas da União (TCU) na terça-feira (15). Assim como a maioria da Corte, especialistas divergem da posição do ministro Vital do Rêgo, que defendeu a inclusão da venda de potência pelas usinas da estatal no valor que será pago de outorga à União.
A avaliação é de que não há um mercado maduro no país para venda deste ativo e, portanto, não seria possível concordar que a empresa deveria ser vendida por R$ 130 bilhões, conforme sugeriu o ministro. O preço estimado pelo governo é R$ 67 bilhões.
A privatização da Eletrobras é estratégica para o governo do presidente Jair Bolsonaro, que prometeu em sua campanha acelerar o processo de privatizações.
No entanto, ele entra em seu último ano de gestão sem conseguir passar nenhuma empresa pública para a iniciativa privada. Em recente entrevista, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que “faltou apoio para a agenda liberal do governo”.
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Apesar de a discussão ter reacendido recentemente, não é a primeira vez que a privatização da Eletrobras vira tópico de debate na política e sociedade. Conheça a história da companhia, da sua criação até a MP 1.031/2021 • REUTERS/Brendan McDermid/File Photo
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Em 1961, o presidente Jânio Quadros assinou a Lei 3.870-A, que autorizava a construção das Centrais Elétricas Brasileiras S.A. A instalação da empresa ocorreu oficialmente em 1962, pelo presidente João Goulart—nascia, então, a Eletrobras • Agência Brasil
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Após a posse do presidente Fernando Collor de Mello em 1990, foi anunciado o “Plano Brasil Novo”, que instituiu, entre outras medidas, a MP 155/90. Ela implementava o Programa Nacional de Desestatização (PND) que, como o nome já diz, visava transferir atividades exercidas pelo setor público ao setor privado • Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil
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A Eletrobras foi incluída no plano, e as reformas institucionais e privatizações na década de 1990 acarretaram a perda de algumas funções da estatal e mudanças em seu perfil. Ela só foi removida do PND em 2004 --e adicionada novamente em 2021 • REUTERS/Mike Blake
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Em 2012, a MP579 mudou completamente o rumo da companhia. A medida provisória propunha a renovação antecipada de uma série de usinas hidrelétricas, com a condição do regime de cotas • George Becker/Pexels
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Isso significa que a empresa passa a ser obrigada a vender energia pelo preço que cobria basicamente o custo de operação e manutenção daquelas plantas. Quando não estão submetidas a ele, o preço de mercado da energia elétrica cobrados pelas usinas chega a R$180/MWh. Nas usinas que estão sob o regime, o valor fica em torno de R$60/MWh. Na Eletrobras, cerca de 40% da energia vendida acabava saindo por esse preço • REUTERS/Pascal Rossignol
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Além disso, a MP cortou cerca de 70% das receitas da companhia em transmissão. Isso provocou uma queda de R$10 bilhões no faturamento da Eletrobras, que somadas à crise econômica e ambiental, quase levaram a empresa à falência. • Pixabay
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Em 2016, Wilson Ferreira Júnior, CEO escolhido pelo então presidente Michel Temer, melhorou o cenário da empresa com um projeto de "turnaround" • Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Ele demitiu cerca de 53% dos funcionários da companhia, reduziu para menos da metade o número de subsidiárias e ordenou a venda das distribuidoras de energia da empresa --a medida mais polêmica do projeto. Isso fez com que o PMSO— ou seja, as despesas gerenciáveis da empresa com pessoas materiais, serviços e outros— fosse de RS$ 12 bilhões em 2016 para RS$ 9 bilhões em 2020 • Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Em 2018, a empresa volta a ser tópico de discussão em todo o país: Temer deu o primeiro passo legal para a privatização da empresa, enviando ao Congresso o PL 9463/2018. Ele argumentava que a Eletrobras estava perdendo espaço para a iniciativa privada e, diante do acúmulo de dívidas, tornava-se custosa para a sociedade. O projeto ficou parado e nem sequer chegou à fase de votação • Isac Nóbrega/PR
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O presidente Jair Bolsonaro (PL) reacendeu a discussão em 2019, com o PL 5877/2019. Esse projeto buscava demonstrar, assim como o anterior, o decaimento da estatal, sua perda de espaço no mercado e seus custos ao contribuinte. Mas ele também ficou parado no Poder Legislativo • 16/1/2021REUTERS/Adriano Machado
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Em 2021, em um cenário que o governo julgou de relevância e urgência, a MP 1.031/2021 foi editada. Na foto, vemos o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, o presidente Jair Bolsonaro, o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, durante declaração após entrega da MP • Marcelo Camargo/Agência Brasil
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A ideia é a seguinte: a Eletrobras é uma empresa de capital misto. Como o governo detém 60% de seus papéis, ela é considerada uma empresa estatal. A MP propõe reduzir a participação da União para menos de 50%, por meio da venda de novas ações no mercado • Alan Santos
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A capitalização da Eletrobras foi aprovada pela Câmara dos Deputados, pelo Senado Federal, e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O processo foi finalizado em junho de 2022, em uma operação que movimentou mais de R$ 30 bilhões • 3/01/2019REUTERS/Pilar Olivares
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Hoje, a Eletrobras é responsável por 1/3 da energia elétrica do Brasil. Ela detém 43% das linhas de transmissão, e cerca de 29% da geração de energia do país –fazendo dela a maior companhia do setor elétrico da América Latina • Reuters
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Fora do padrão
Para a economista e ex-diretora de privatização do BNDES Elena Landau, nunca se usaram cálculos para precificar a potência no País e, portanto, isso não poderia ser feito no âmbito da privatização da Eletrobras.
No entanto, ele concorda com Vital do Rêgo ao considerar que faltou transparência durante o processo de privatização da estatal.
“O processo foi muito mal conduzido. O número final do valor de outorga chegou ao TCU sem transparência, não houve estudo prévio. Poderia existir um documento para mostrar ao ministro por A mais B que o cálculo dele não é aplicável, mas há uma falha de origem.”
Para ela, o principal problema são as dúvidas sobre o valor final de outorga chegarem para análise do TCU. “Isso é dirimido nos estudos prévios, com consultores e audiência pública. Após um debate, com avaliações diferentes, é possível chegar a um preço final”, afirma a economista.
No setor, há uma visão de que o posicionamento do ministro é muito “futurístico”. Isso porque o produto (a potência) não é comercializado hoje, e não há nenhuma garantia de que será no futuro.
Rodrigo Ferreira, presidente executivo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), também avalia que não existe metodologia para avaliar e mensurar a potência.
“O setor está discutindo leilões de potência, de capacidade, em que esse tipo de atributo da geração será valorado. Mas não temos ainda condição no setor elétrico de fazer valoração de potência de projetos existentes”, comenta.
Judicialização
Victor Gomes, economista e advogado especializado no setor de energia do escritório Reis Gomes, avalia que questionamentos levantados pelo TCU sobre alteração nos preços finais da operação podem ser usados como argumento em possíveis ações judiciais para barrar a desestatização da Eletrobras.
Contudo, ele acredita que o governo tem argumentos técnicos para rebater as alegações.
“Parece muito sólida a posição do governo de não considerar o valor referente à potência no valuation (avaliação de empresas). As hidrelétricas têm esse ativo de potência, mas não foram habilitadas pelo governo para participar dos leilões de reserva de capacidade. Então, é um produto que, de fato, existe, mas não pode ser vendido e nada indica que será no futuro”, afirma. “É comum que processos de privatizações sejam desafiados no Judiciário.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.