Entenda como um possível lockdown em Pequim pode impactar a economia global
Especialistas afirmam que bloqueio na capital chinesa seria menos danoso que o imposto em Xangai, mas deve ser mais um componente para agravar o cenário de quebra de oferta global
Assim como Xangai, que completou um mês de confinamento contra a disseminação de Covid-19, a capital chinesa Pequim pode ter que percorrer o mesmo caminho em breve, em meio a um aumento de casos da doença. O risco de isso acontecer em dois dos principais polos financeiros da China gera preocupações no mercado global.
Enquanto Xangai é uma área portuária importante para o comércio com outros países, um bloqueio em Pequim poderia alavancar a paralisação da produção em razão dos meios de locomoção estagnados, como caminhões que levam e trazem mercadorias da capital até os portos parados, dizem especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business.
Portanto, um lockdown na capital chinesa dificultaria ainda mais a movimentação dentro da China de itens que o país exporta a parceiros como o Brasil. Apesar disso, eventuais bloqueios em Pequim podem não ter a mesma intensidade do que os vistos em Xangai.
“O lockdown em Pequim talvez seja menos danoso que o imposto em Xangai, devido às cadeias de produção”, afirmou o professor de geoeconomia internacional da ESPM Leonardo Trevisan. Ele explica que a capital chinesa é um centro diretivo, enquanto Xangai é um centro financeiro global e um polo comercial e de transporte fundamental para a região.
Segundo o professor, três fatores podem parar essa cadeia de exportação: a falta de trabalhadores nas fábricas, a paralisação do transporte interno e impacto simultâneo em todas as economias do mundo.
“Durante um lockdown os trabalhadores não podem sair nas ruas, portanto não conseguem chegar até as fábricas. Isso somado a uma paralisação do transporte interno, o que faz com que os produtos não cheguem até os portos. Após essa sucessão de fatores, todas as economias são atingidas juntas”, completou.
Na visão do professor, a paralisação da produção em razão de um novo lockdown em uma área importante da China não terá efeitos somente para a exportação brasileira, mas também para a importação.
“A maior parte do iceberg são os gargalos que serão deixados, as interrupções de transporte, que podem nos deixar a médio prazo sem insumos chineses básicos que estão presentes no nosso dia a dia”, disse o professor.
Roberto Dumas, professor de economia internacional do Insper, ressaltou que o lockdown afeta principalmente os transportes terrestres, impossibilitando a deslocação de caminhões responsáveis por levar itens até os contêineres portuários.
“Isso significa que vai haver atrasos e falta de insumos no mercado. Vai faltar semicondutor, produtos farmacêuticos, vamos ter um novo choque de oferta, que deve acarretar um aumento no preço desses insumos”, declarou.
Segundo Dumas, a medida pode trazer um aspecto positivo para o mercado, pois tende a ter um efeito menor no preço das commodities energéticas e metálicas, como o petróleo.
“O preço do barril do petróleo pode cair e o preço do minério de ferro pode não subir mais também, o que por um lado é positivo”, afirmou.
O especialista, no entanto, destacou que o bloqueio deve depreciar o câmbio mais ainda e potencializar a inflação, elevando o preço dos insumos em falta em detrimento da paralisação dos transportes.
“Portanto, depende de qual lado você está. Mesmo com uma queda no barril de petróleo, o câmbio seria um problema para diminuir o preço da gasolina, por exemplo”, concluiu.
Política e contenção dos juros
O professor de geoeconomia internacional da ESPM Leonardo Trevisan chama a atenção para dois componentes que envolvem as próximas decisões: a continuidade de medidas sanitárias seguidas desde o início do surto e o fator político.
“Se juntarmos isso ao fato de uma política de controle monetário desalinhada, podemos observar um cenário de gargalos mais preocupante do que o que está sendo previsto atualmente”, destacou.
O especialista analisou que a determinação de um bloqueio na capital chinesa tem um contexto político inserido que pode impactar diretamente no período de duração do lockdown e de outras políticas.
“Haverá uma reunião no fim do ano para decidir se Xi Jinping terá mais um mandato, e se a economia estiver indo bem, ele não deve ter nenhum empecilho”, pontuou.
Conter os juros em meio à inflação e a um novo surto de casos de Covid tem frustrado a previsão do mercado, mas pode fazer parte da estratégia do presidente chinês.
“Se o BC chinês estiver pressionado a conter os juros, isso significará maior inflação e maior endividamento, mas a economia do país vai aquecer, ainda que em uma nação com uma das maiores dívidas PIB do mundo, que não conseguimos mensurar”, disse Leonardo Trevisan.
“A China vai tentar estimular sua economia como fez entre 2008 e 2020, fazendo mais elefantes brancos, projetando um crescimento nem que seja de mais infraestrutura, até desnecessária. Um crescimento econômico anabolizante e superficial”, afirmou Roberto Dumas, professor de economia internacional do Insper.
Cenário de pouca previsibilidade
As bolsas em todo o mundo tem refletido a tensão de um possível lockdown na capital chinesa, em meio à espera dos próximos passos de Xi Jinping.
Nesta segunda-feira (25), as bolsas asiáticas sofreram tombos devastadores. O maior deles ocorreu na bolsa de Xangai, que encerrou em queda de 5,13% em meio às atuais preocupações acerca da atual onda de Covid-19 na China.
Roberto Dumas salientou que a política “Covid Zero” não deve ser freada em um primeiro momento, mas também não deve ter fôlego para ser levada adiante no médio e longo prazo.
“Tudo vai depender de quando o governo chines começar a flexibilizar as medidas de restrição. Mas do jeito que está, é impossível suportar essa situação por muito tempo”, afirmou.
Já Leonardo Trevisan acredita que o cenário deve durar cerca de seis meses, período que os exportadores devem ter em mente para se preparar para eventuais perdas, assim como o Banco Central em razão da falta de insumos e, consequentemente, o aumento dos preços.
“Apesar de todas as ressalvas, o quadro não é tão desesperador, pois a China não está enfrentando uma guerra em que a produção toda parou, mas estamos enfrentando uma situação com grau de previsibilidade muito pequeno”, destacou.