Entenda como a alta do dólar impacta a inflação do Brasil
País depende de matéria-prima importada para sua cadeia de produção dos mais variados itens
A inflação atingiu 10,25% no acumulado dos últimos 12 meses até setembro pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), e um dos culpados pela escalada dos preços é o dólar, que já valorizou 8% frente ao real neste ano.
Mas, afinal, como a alta da moeda norte-americana em relação ao real faz com que os preços subam no Brasil?
De acordo com especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business, o país depende de matéria-prima importada para sua cadeia de produção dos mais variados itens.
Assim, quando o dólar sobe, esses insumos ficam mais caros, o que, posteriormente, acaba sendo repassado ao consumidor final.
Segundo Simone Pasianotto, economista-chefe da Reag Investimentos, além do encarecimento dos insumos, com o câmbio fortalecido, as indústrias que podem escolher entre vender localmente ou exportar os seus produtos optam por exportá-los a fim de aumentar seus lucros.
Isso reduz a oferta de produtos para consumo doméstico, o que pelo lado da oferta também impacta no aumento de preços.
“Essa lei da oferta e demanda faz com que as mercadorias fiquem inflacionadas no mercado interno, elevando os preços e tornando o dia a dia dos brasileiros mais caro.
Ou seja, quanto mais dependente estiver nossas cadeias produtivas de importação, maior o impacto do câmbio sobre os preços, assim como quanto mais atrativo exportar a vender localmente, maior o impacto sobre preços”, disse.
Paulo Dutra, professor de economia da FAAP, exemplifica o impacto do dólar na inflação brasileira na produção de alimentos.
Segundo ele, mesmo a soja plantada no país –e muito utilizada como ração na pecuária–, sofre impacto da alta da moeda norte-americana e acaba por deixar toda a cadeia mais cara aos brasileiros.
No final, a exportação do produto também acaba por ser mais lucrativa do que comercializar no mercado local.
“Nós produzimos soja. Grande parte da semente é do Brasil, mas também compramos sementes de fora, com preço em dólar, e essa semente fica mais cara com a desvalorização do real.
Além disso, máquinas e equipamentos têm uma grande quantidade de componentes importados e ficam mais caros.
Então, só na produção de alimentos temos um produto que acaba dolarizado e como há uma desvalorização do real perante o dólar, isso afeta diretamente a inflação”, afirma.
Segundo os especialistas consultados pelo CNN Brasil Business, o dólar pode acumular alta em relação ao real por alguns motivos, entre eles o déficit na balança comercial, quando o país importa mais produtos do que exporta, quando turistas brasileiros gastam mais no exterior ou quando a taxa de juros americana sibe.
Esses fatores fazem dólares saírem do Brasil, aumentando o preço da moeda norte-americana.
Além disso, o país conta com um regime de câmbio flutuante, ou seja, a cotação do dólar pode variar livremente seguindo os fluxos de demanda e oferta do mercado, sem passar necessariamente por um controle do Estado.
O que fazer?
Como forma de segurar a alta dos preços, o Banco Central iniciou um ciclo de alta da taxa básica de juros, a Selic, que chegou a 7,75%. Com juros maiores, o Brasil, em tese, fica mais atrativo ao capital estrangeiro, já que remunera melhor investidores que trazem dinheiro para cá, segurando o fluxo de dólar no país.
Assim, com mais dólares circulando no Brasil, a tendência é que a moeda norte-americana se desvalorize perante o real.
O problema é que a alta da Selic também reduz a atividade econômica, já que desestimula o investimento das empresas e reduz o consumo das pessoas, dado que o crédito também fica mais caro.
Segundo Paulo Dutra, a alta dos juros não é a única saída para conter o impacto do dólar na inflação. Por isso, o país precisa ganhar credibilidade perante os agentes do mercado.
“A gente teria que ter uma política fiscal mais eficiente, evitando romper o teto de gastos, já que isso traz falta de credibilidade à política econômica, trazendo desconfiança.
A saída hoje é que mantivessem a ancoragem fiscal para gerar credibilidade, e o passo seguinte seria a valorização natural da moeda em relação ao dólar, fazendo com que o preço dos produtos importados pudessem cair, passando, então, para uma queda da inflação”, disse.
Além disso, para Simone Pasianotto, o Brasil também poderia iniciar políticas industriais para setores estratégicos da economia, apesar de sua dificuldade de implementação.
“Há também a possibilidade de adoção de políticas industriais e setoriais que visem reduzir o impacto cambial nas cadeias produtivas inseridas no ambiente global, o que é possível, mas difícil de ser realizada a depender de interesses políticos setoriais e a depender do seu peso nas tomadas de decisões globais”, afirmou.
Quem se beneficia?
É claro que, apesar da alta da inflação, alguns setores devem se beneficiar da valorização do dólar ante o real. Por isso, investidores também podem aproveitar para analisar se tais empresas podem ser oportunidades para investimento.
Segundo Priscila Araújo, gestora da Macro Capital, as empresas que tendem a se beneficiar com um dólar mais forte são as que têm sua receita em dólar e os custos em reais, seja por ter uma parcela significativa de suas receitas destinadas à exportação, por ter preços de seus produtos estabelecidos em moeda forte ou por ter operações relevantes fora do país.
“O principal exemplo disso são as empresas produtoras de commodities, como a Vale, que destina grande parte de sua produção para exportação, ou as siderúrgicas, que mesmo que destinem grande parte de seus produtos para o mercado local, tem seus preços de referência em dólar”, disse.