Empresas estão desistindo de IPO nos EUA para realizar listagem direta; entenda
Spotify, Slack e Roblox foram algumas companhias a preferir o processo menos conhecido. Coinbase, Robinhood e Instacart podem se juntar à lista
Quando o Spotify preferiu, em 2018, realizar uma listagem direta de suas ações em detrimento de um processo de IPO tradicional, muitas questões foram levantadas em Wall Street. Três anos depois, algumas empresas de tecnologia seguiram os passos da gigante do streaming e alcançaram sucesso semelhante.
Foi o caso da plataforma de comunicações Slack, em 2019, da companhia de big data Palantir, em 2020, e, já em 2021, do jogo Roblox. Há ainda, neste momento, outras empresas –como as corretoras Coinbase e Robinhood e a startup de entregas Instacart– considerando realizar um Direct Listing Process (DLP), também conhecido como Direct Placement ou Direct Public Offering (DPO).
Para entender o movimento, é preciso destrinchar as principais diferenças entre os dois processos. “No IPO, a empresa que deseja abrir capital contrata um banco subscritor para avaliar a empresa, apresentá-la aos investidores e garantir a compra de parte das novas ações que serão emitidas e disponibilizadas ao mercado”, diz Guilherme Zanin, estrategista da Avenue Securities.
Aqui vale destacar o papel da instituição escolhida para capitanear o processo no contato com outros agentes financeiros. A intermediação entre a empresa que irá abrir capital e bancos e fundos de investimento é essencial para que haja uma pré-oferta pelos novos papéis, criando demanda e estabelecendo uma faixa de preços.
Toda essa ajuda tem, obviamente, um custo. Zanin afirma que os subscritores cobram, em média, de 2% a 8% de todo o dinheiro levantado na oferta para realizar essa ponte. Até aí, nada de novo. Trata-se de um processo consagrado e replicado em bolsas de valores de todo o mundo.
“Já na listagem direta, a empresa faz todo o processo por conta própria. Precisa ir atrás de possíveis investidores, tratar da documentação necessária e, ao fim do processo, oferecer suas ações ao público sem qualquer garantia, como se fosse um leilão. É um processo mais barato e mais arriscado”, diz.
Além disso, outra grande diferença entre os processos é que a companhia não emite novos papéis para levar a mercado. São investidores e funcionários que convertem suas participações na empresa em ações e disponibilizam estes ativos (sem restrições, como há no IPO) para que novos acionistas entrem.
No final das contas, as empresas até acabam contratando bancos para ajudar no processo, mas como conselheiros. Neste caso, as taxas milionárias continuam existindo, mas em uma ordem de grandeza bem inferior.
Quem faz?
Como é possível notar nos exemplos acima, existe um padrão entre as empresas que buscam este caminho. São, em sua grande maioria, empresas de tecnologia com poucos anos de vida que, ao mesmo tempo, já alcançaram um nível de popularidade protuberante por conta das disrupções que trouxeram ao mercado.
Nessa linha, o Spotify foi a cobaia perfeita em 2018. Quando abriu capital, a gigante sueca já era uma empresa de tecnologia mundialmente conhecida e havia ajudado a mudar a forma como pessoas ao redor do globo escutam suas músicas favoritas. Isso dissipou boa parte dos riscos.
No primeiro dia de negócios, as ações da plataforma avançaram 12,9%, avaliando a companhia em US$ 26,5 bilhões. Três anos e uma grande crise depois, o seu valor de mercado saltou para US$ 48,43 bilhões (lembrando que a companhia segue, desde que os seus resultados são divulgados, sem dar lucro).
O caso mais recente, do Roblox, foi igualmente simbólico. A plataforma de jogos infantis já era uma das mais populares do mundo, oferecendo uma variedade de games em dispositivos móveis e consoles. Cresceu ainda mais na pandemia e ultrapassou o número de 150 milhões de usuários ativos.
Com isso, a companhia estimou um preço de referência de US$ 45 por ação antes da listagem, sendo avaliada em cerca de US$ 30 bilhões. Quando os papéis começaram a ser negociados, no entanto, subiram 55% somente no dia de estreia, alcançando um pico de US$ 77 por ação e valor de mercado superior a US$ 45 bilhões.
Por que faz?
Este talvez seja o grande trunfo das listagens diretas: elas permitem que qualquer investidor invista num ativo assim que sua listagem é concluída, algo que é possível no mercado brasileiro, mas não no americano. “Para nós, uma listagem direta parecia natural. Ela reúne toda a comunidade e todos estão pagando o mesmo preço na abertura do pregão”, disse David Baszucki, CEO e fundador do Roblox, ao CNN Business.
Investidores pessoa física, inclusive os membros de fóruns que inflaram as ações da GameStop no início do ano, encheram as carteiras de Roblox, o que ajudou na formação dos preços. Não obstante, investidores institucionais como Cathie Wood, CEO da ARK Investment, também entraram no ativo.
Barry McCarthy, então CFO do Spotify quando a empresa listou ações, adotou tom mais crítico. Ele disse ao site Inc que era “idiota” o processo de IPO se manter intocável durante tantas décadas, já que as condições de captação de investimento por companhias privadas haviam melhorado muito nos últimos anos.
Ou seja, para essas empresas, listar ações deixou de ser um movimento feito única e exclusivamente para levantar recursos, e sim para pavimentar avenidas de crescimento, ganhar credibilidade. Basta pensar que, se não há emissão de novos papéis, não há ganho de capital com a entrada na bolsa.
À época, McCarthy explicou que um caminho era realizar rodadas de captação imediatamente antes ou depois da listagem, já negociando condições melhores com a iminente abertura de capital e sem precisar pagar preços altíssimos aos bancos subscritores, que por vezes subavaliam as ofertas.
(Hoje, McCarthy é membro do conselho executivo da Instacart, que também estuda utilizar o modelo.)
Em 2021, a preocupação com a participação dos bancos no processo voltou a incomodar algumas empresas além do Roblox. A plataforma de aluguéis Airbnb e a companhia de delivery DoorDash, que vieram à bolsa nos últimos meses, são citadas como exemplos de distorções nos pareceres das instituições bancárias em termos de valuation.
O ambiente belicoso entre investidores de varejo e institucionais também ajuda a inflar a impressão de que os banqueiros mantêm os preços de IPO baixos para favorecer seus grandes clientes de Wall Street, disse Bill Gurley, gestor do fundo de venture capital Benchmark, à Reuters.
Tendência?
Apesar do número de listagens diretas estar aumentando, a esmagadora maioria das aberturas de capital ocorre ainda através do processo de IPO. Zanin reitera que a companhia precisa reunir as condições perfeitas –principalmente popularidade– para realizar o movimento com sucesso, já que os riscos são bem maiores.