Em quarentena, 86% dos brasileiros vão adiar a compra ou o aluguel de imóveis
Dados de uma pesquisa do grupo Zap revelam os primeiros impactos da pandemia de coronavírus no setor imobiliário
Ainda sem dar sinais de recuo no Brasil, a pandemia do novo coronavírus motiva os governos dos estados a estenderem o decreto de quarentena em todo o país. Se, por um lado, a precaução com a saúde se mostra imprescindível, os impactos econômicos gerados pelo isolamento social preocupam diversos setores, como o varejo, que já sente os primeiros efeitos da crise. O mercado imobiliário, agora, também se prepara para pagar a sua parte nessa conta.
Uma pesquisa do grupo Zap com cerca de 3.500 pessoas que vivem em regiões metropolitanas do país, e antecipada ao CNN Brasil Business, constatou que 86% dos entrevistados vão adiar em alguma medida a decisão de comprar ou alugar um imóvel. Entre estes, 64% deve esperar mais de sete meses para adquirir uma casa ou apartamento.
E os motivos para que esse adiamento aconteça são os mais variados. Segundo a pesquisa, o primeiro deles é o fato de que não é possível realizar visitas em estandes ou na própria planta – 20% dos entrevistados afirmaram isso. E por que isso acontece em um momento de tanta incerteza? Um dos motivos é a demanda reprimida do setor dos últimos anos, que ainda não se recuperou totalmente da recessão vivida na última década.
O segundo motivo em diante, porém, preocupa, e muito, a todos os participantes do setor. Isso porque para 19% dos entrevistados, os planos foram adiados pela insegurança financeira em tempos de pandemia. Em terceiro lugar, com 10%, aparece o receio da contaminação do coronavírus e o que pode acontecer depois disso. Já a quarta posição, com 9%, está a incerteza com os rumos da economia.
Isso faz com que pessoas até mesmo boas condições financeiras prefiram segurar o ímpeto de consumir. O corretor Hilton Vidaleti Borges, da imobiliária Gregório Imóveis, entendeu bem essa situação. “Em fevereiro, fui procurado por uma cliente interessada em comprar uma cobertura em São Paulo, que logo sinalizou com uma proposta. Faltando dois dias para a conclusão, ela pediu para suspender a negociação por causa da incerteza com a economia”, diz ele.
Não por acaso, a pesquisa também mostrou que 54% dos profissionais do setor viram o número de cancelamentos aumentar desde o início da quarentena. O mesmo aconteceu com o andamento das obras: 76% dos entrevistados enxergam que as construções terão atrasos – 53% falam em adiamentos significativos.
Mas, na visão da economista do Grupo ZAP, Deborah Seabra, ainda não é hora de pânico. Ao menos, por enquanto. Como a transação de um imóvel costuma ser demorada, cerca de 400 dias desde o início da procura até o recebimento da chave, a duração da pandemia vai dar o tom do tamanho do impacto no setor.
“Esse é o momento de organizar a casa, pois é uma demanda reprimida por fatores completamente externos. Quando a pandemia passar, essa procura pode voltar com tudo”, diz Seabra.
Incerteza no canteiro
Ao mesmo tempo que parte do mercado tenta manter o otimismo, o setor de construção civil sabe que não dá para ignorar os sinais. Os últimos anos foram bem complicados para o setor. Somente em 2019, após cinco anos de queda, o PIB da construção civil apresentou um crescimento tímido: alta de 1,6%.
Para este ano, a previsão era um pouco mais otimista. As projeções da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) era de um aumento de 3%. Agora, segundo José Carlos Martins, presidente do CBIC, é difícil pensar em um crescimento em 2020.
“Quem estiver apostando em algum número agora, está jogando na roleta. Mas um crescimento é bem difícil, pois é absolutamente impossível saber quanto tempo essa pandemia vai durar”, diz Martins.
É o caso da construtora Tecnisa, uma das maiores do país. A empresa vinha se recuperando de anos difíceis, com queda nas vendas e também no preço de suas ações listadas na B3, e esperava a volta da lucratividade neste ano ou no ano que vem. Agora, no entanto, esse é um cenário que nem o presidente da empresa Joseph Nigri consegue cravar.
“Ainda não dá para entender o tamanho do impacto, pois não sabemos se a pandemia vai durar um mês ou o ano inteiro”, diz Nigri.
Não à toa, a Tecnisa havia se estruturado para vender até R$ 1 bilhão este ano. “Agora não dá para saber”, diz ele.
A construtora paralisou os seus lançamentos por ora. Aqueles que ainda estavam em projeto foram para a gaveta, mas Nigri afirma que as obras iniciadas continuarão em andamento. Por enquanto, a hora é procurar boas oportunidades de terrenos. Com a pandemia, a Tecnisa está encontrando melhores oportunidades de negócio: se até o mês passado a vantagem estava com o vendedor, agora o jogo virou.
Entre as vantagens, Nigri afirma que tem conseguido encontrar terrenos preços 15% menores e também tem melhorado as condições de pagamento nas mesas de negociação. No atual momento, a incorporadora assina contratos com vendedores de terrenos, mas os pagamentos precisam ter cláusula de aprovação do conselho de administração. Tudo para manter a saúde financeira da empresa.
A preocupação não acontece por acaso. Segundo o levantamento do Grupo ZAP, somente 38% dos profissionais do setor entrevistados acreditam em uma retomada ainda neste ano. Outros 31% veem uma melhora apenas em 2021. Outros 31% são ainda mais pessimistas: ainda não enxergam uma luz no fim do túnel.
Mas há oportunidades
Mesmo em momentos conturbados, há quem busque alternativas para driblar os problemas. Segundo Seabra, economista do Grupo ZAP, quase a metade dos clientes driblaria a pandemia para fechar negócio caso os anúncios na internet tivessem mais qualidade, como fotos profissionais. Sistemas digitalizados dentro das imobiliárias também podem beneficiar as vendas.
Quem está seguindo essa filosofia é Antonio Oliveira, diretor da unidade de Perdizes e Higienópolis da imobiliária Paulo Leardi. Ele garante que ainda é possível fechar contratos em meio à quarentena e que, mesmo quando o negócio não sai, o contato com a clientela precisa permanecer estreito.
“A pandemia assusta muito as pessoas, mas estamos conseguindo fechar negócios. Os nossos corretores continuam ativos pela internet e motoboys colhem as assinaturas”, diz Oliveira. “Toda a nossa base de negócios é digitalizada, então as pessoas podem fazer tour virtual e fechar a compra.”
Para Seabra, outra coisa que pode acalmar o mercado é a disponibilidade de crédito barato na praça. Há ainda uma expectativa do consumidor de que os preços dos imóveis baixarão após a pandemia. Afinal, com a taxa Selic a mínimos históricos, isso poderia atrair um cliente interessado em investir no mercado imobiliário. A questão, no entanto, é que ainda há dúvidas no setor se esse dinheiro vai ser realmente liberado – especialmente vindo dos bancos privados.
“Os bancos privados querem emprestar para quem não precisa. Mesmo com o crédito barato eles só querem dar dinheiro para quem é adimplente, mesmo com o governo assumindo 85% do risco”, diz Martins, do CBIC.
Mesmo assim, Oliveira, da imobiliária Paulo Leardi, mantém a confiança. “Estou há 36 anos no mercado imobiliário e passei por todos os governos. Sabemos que o imobiliário é o primeiro a sentir e o último a recuperar, mas sempre volta naturalidade. Quando baixar o nível de contaminação, as negociações são retomadas”, diz ele. É o que espera todo um setor que não imaginava que a luz no fim do túnel voltaria a ficar tão distante.