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    Dois anos depois, saiba quais foram os efeitos da Reforma da Previdência

    Efeitos econômicos da crise sanitária dificultam mensuração de primeiros efeitos da mudança no sistema

    João Pedro Malardo CNN Brasil Business , em São Paulo

    Há dois anos passava a valer a emenda constitucional que reformou o sistema previdenciário brasileiro. Apesar de recente, a Reforma da Previdência já trouxe mudanças para a população em relação aos valores dos benefícios do INSS e os requisitos mínimos para pedir a aposentadoria.

    À época, o déficit previdenciário, caracterizado como insustentável, foi a grande justificativa para a reforma. Porém, especialistas apontam que a maior parte dos efeitos, em especial para as contas públicas, devem ser sentidos apenas nos próximos anos.

    A mensuração de alguns efeitos mais imediatos com as mudanças foi prejudicada pela pandemia de Covid-19. Em muitos casos, é difícil saber se eventos ligados ao sistema previdenciário são consequência da reforma, da pandemia ou das duas coisas.

    A Reforma da Previdência representa o que Luís Eduardo Afonso, professor da FEA-USP, considera ser a maior mudança no sistema previdenciário brasileiro nos últimos 50 anos. A estimativa do governo federal é que, com todas as mudanças, a reforma deva gerar uma economia de R$ 855,6 bilhões aos cofres públicos em dez anos.

    Principais mudanças para a população

    Regra única para aposentadoria

    Para Afonso, uma das principais mudanças que a reforma trouxe foi a unificação de regras para o sistema previdenciário de trabalhadores do setor privado e do setor público, este último na esfera federal, estabelecendo uma idade mínima para se aposentar.

    Agora, homens podem se aposentar se tiverem 65 anos ou mais, e as mulheres a partir de 62 anos. A necessidade do tempo mínimo de contribuição também se manteve, sendo exigidos 15 anos para mulheres e homens que começaram a contribuir antes da reforma da Previdência, e de 20 anos para homens que iniciaram as contribuições depois da reforma. Para o setor público, o tempo mínimo de contribuição é de 25 anos.

    Antes, o segurado podia se aposentar por idade, que exigia 60 anos para as mulheres e 65 anos para homens, além de 15 anos de contribuição.

    Outra opção era a aposentadoria por tempo de contribuição, em que eram exigidos 30 anos de contribuição para mulheres e 35 anos de contribuição para homens, sem idade mínima, mas com desconto do fator previdenciário, um índice que reduzia a aposentadoria de quem se aposentava muito cedo. Também existia a fórmula 85/95 progressiva, que dava a aposentadoria por tempo de contribuição sem o desconto do fator previdenciário ao atingir determinada pontuação ao somar idade e tempo de contribuição.

    Cálculo do benefício

    Roberto de Carvalho Santos, presidente do Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev), afirma que outra mudança relevante com a reforma foi o cálculo para definir o valor do benefício.

    Antes, o INSS calculava a média salarial considerando os 80% maiores salários de contribuição desde julho de 1994, descartando as contribuições mais baixas. Depois aplicava-se a regra específica da aposentadoria por idade ou da aposentadoria por tempo de contribuição.

    Agora, o benefício é de 60% da média salarial de todos os salários de contribuição desde julho 1994 para quem cumpre os 15 ou 20 anos de contribuição, com possibilidade de adição de dois pontos percentuais por ano de contribuição. Uma mulher que com 25 anos de contribuição, por exemplo, terá direito a 80% da média salarial.

    Santos afirma que, em geral, os valores dos benefícios caíram devido à mudança no cálculo. “Hoje, para ter o valor do benefício integral, uma mulher precisa de 35 anos de contribuição e o homem, 40 anos de contribuição”.

    Regra de transição

    As pessoas que já estavam no mercado de trabalho quando a reforma foi aprovada entraram na chamada regra de transição, com requisitos específicos para se aposentar. “Elas são baseadas em critérios como tempo de contribuição, pontos, idade mínima ou um pedágio de 50% ou até 100% da média, dependendo do caso”, diz Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário).

    Na prática, as pessoas que estavam há dois anos da aposentadoria foram as mais afetadas. “Agora elas precisam trabalhar mais 9, 10, até 12 anos para alcançar uma das regras de transição”, afirma.

    O professor da USP também considera que “têm muitas regras de transição que aumentaram durante a tramitação, algumas ficaram até sobrepostas, e ficou complicado até para operacionalizar e implementar isso na concessão de benefícios”.

    Segundo Santos, a população que busca se aposentar a partir de 2020 viu um aumento na fila de solicitações de benefício. Para ele, essa alta pode estar ligada “ao receio de uma nova reforma, ou de perder benefícios, então, quem tem direito adquirido está pedindo sem fazer estudo, ou tentar contribuir mais”.

    Pensão por morte

    A reforma também alterou as regras da pensão por morte. Antes, se o segurado que morreu era aposentado, a viúva recebia 100% do valor da aposentadoria dele. Agora, o valor é de 50% da aposentadoria, mais 10% para cada dependente, limitado a 100%. Uma viúva sem dependentes, por exemplo, receberá 60% do valor da aposentadoria do segurado que morreu.

    Para quem não é aposentado, o INSS faz o cálculo da média salarial, de acordo com as novas regras, para então aplicar a regra dos 50% sobre o valor, mais 10% para cada dependente. O valor não pode ser menor do que o salário mínimo.

    “O prejuízo grande da pensão por morte piorou ainda mais com a pandemia porque aumentou a vulnerabilidade dos beneficiados. Reduziu a base de cálculo e o percentual da pensão, e as pessoas só perceberam isso ao procurar o benefício e ver a queda na renda”, diz Bramante.

    Auxílio-doença

    No caso do auxílio-doença, a mudança foi no cálculo do benefício, que passou a ser de 91% da média salarial. Antes eram considerado os 80% maiores salários de contribuição, descartando as menores contribuições.

    Efeitos para o Estado

    Se por um lado o estabelecimento gradativo da exigência da idade mínima beneficiou a população, ela deve obrigar uma nova reforma da previdência em um futuro próximo, segundo especialistas.

    “O principal avanço foi a fixação da idade mínima, mas ela não é corrigida pela expectativa de vida, que aumenta com o tempo, então, pode ser necessário fazer uma nova reforma no futuro”, afirma Felipe Salto, diretor-executivo do Instituto Fiscal Independente (IFI).

    Segundo ele, o estabelecimento da idade mínima sempre foi um ponto importante para reduzir os custos previdenciários, e era discutido desde 1990, mas nunca tinha sido aprovado. Ao longo dos anos, o sistema previdenciário teve apenas “avanços incrementais”, que tinham contido pouco a dinâmica do déficit previdenciário.

    Dificuldade de negociação política limitou tentativas anteriores de reformar a previdência social /REUTERS/Adriano Machado

    O déficit existe, basicamente, porque os gastos do governo para pagar benefícios são maiores que a arrecadação. Uma expectativa de vida maior significa mais pessoas recebendo o benefício por mais tempo, e, se a arrecadação não aumenta, o déficit sobe.

    “A reforma reduz esse déficit ao longo do tempo, mas isso se dá às custas de uma redução na capacidade do sistema de redistribuir, ou seja, o valor do benefício acaba sendo menor do que a pessoa ganhava antes”, diz Luís Eduardo Afonso.

    Para o professor, a maior parte dos efeitos da reforma sobre o déficit devem ser sentidos apenas nos próximos anos. Um fator que dificultou uma redução do déficit foi a própria pandemia de Covid-19, em que o governo sofreu uma queda de arrecadação.

    “[A situação econômica] deve voltar para o patamar de antes, e aí dá para começar a ver melhor esses efeitos a partir de 2022. Toda reforma tem efeitos rápidos, e os mais lentos. Se mantém muitos direitos, ela demora mais para fazer efeito”, diz.

    Apesar disso, ele considera que a maior parte dos pontos que precisava compor a reforma foram aprovados, como a mudança na idade mínima, no cálculo do benefício e no valor da pensão. Salto cita também um teto para o INSS e novas regras paramétricas, gerando um sistema mais sustentável.

    Para Afonso, a principal ausência negativa da reforma foi a do sistema de capitalização, em que o trabalhador tem uma espécie de poupança que será sua própria aposentadoria.

    Ele também aponta que o período mínimo de contribuição ainda é baixo pensando nas contas públicas, e que poderia ter sido discutido um aumento progressivo. Algumas exceções, em especial para professores e policiais, são negativos, afirma.

    “Não posso deixar de mencionar a diferenciação na reforma para setor público e privado em relação aos militares. Eles têm um arcabouço legal diferente, não foram abarcados na PEC original e nem poderiam ter sido, mas a reforma deles foi muito mais frouxa do que para os outros trabalhadores, o que é indefensável. A economia é de 10 bilhões ao longo de 10 anos para o sistema deles, é pouco”, diz Afonso.

    Salto afirma que outro ponto negativo da reforma foi a exclusão dos sistemas previdenciários do funcionalismo público de estados e municípios. “Agora cada um está tendo que fazer a sua [reforma], e isso pode gerar problemas porque falta um regramento geral e pode levar a divergências”.

    Segundo ele, “a dinâmica dos gastos previdenciários em 2021 tem sido melhor que o esperado, mas isso pode estar ligado aos efeitos da pandemia com atraso do INSS ou à reforma mesmo”.

    Fila no INSS
    Fila de solicitações para benefícios aumentou durante a pandemia / Antonio Cruz/Agência Brasil

    “Comparando os dados, vemos que de janeiro a setembro de 2019 para o mesmo período em 2020, o gasto previdenciário cresceu 8,3% em termos reais. De 2020 para 2021, teve queda real de 0,5%. Pode já ser a dinâmica da reforma, mas é difícil imputar causalidade”, diz.

    Ao mesmo tempo, o déficit previdenciário permanece elevado. Em 2019 era de R$ 213 bilhões. Já em 2020 subiu para R$ 259,1 bilhões, com a queda da arrecadação, e em 2021 está em R$ 225 bilhões até setembro.

    Para ele, seria importante que o Estado revisse algumas renúncias fiscais que são permitidas para setores e empresas, o que ajudaria a melhorar as receitas. A melhora seria importante porque as previsões para a economia tendo sido mais pessimistas.

    “A receita do governo subiu mas é algo temporário, artificial, pela inflação. Precisa de uma fonte de receita constante”, afirma Salto.

    A presidente do IBDP considera que a reforma “não abordou o custeio, só mexeu os direitos, não a arrecadação”.

    Para Afonso, o sistema previdenciário é um quebra-cabeça. “Cada peça tem que fazer sentido pensando no todo. A Reforma da Previdência foi complexa, ao mesmo tempo em que foi abrangente e a maior em mais de 50 anos”, diz.

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