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    Dois anos após Brumadinho, ação da Vale quase dobrou -mas podia ter subido mais

    Preço do minério disparou em 2020 e ajudou companhia a bater recordes; analistas veem avanços em segurança, mas ainda aguardam desfechos

    Juliana Elias, , do CNN Brasil Business, em São Paulo

    Brumadinho barragem
    Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil

    Os relógios marcavam 12h28, na tarde de 25 de janeiro de 2019, quando as câmeras de segurança do canteiro da mineradora Vale (VALE3) em Brumadinho (MG) registraram as camadas de terra de uma de suas barragens se desmancharem em um mar de lama, que arrastou quilômetros de vegetação e soterrou 270 vidas. 

    Foi o pior acidente ambiental de que se tem notícia no Brasil e o segundo do gênero na conta da Vale em pouco mais de três anos. Em novembro de 2015, outra barragem de rejeitos de sua subsidiária Samarco já tinha desabado da mesma maneira e coberto de lama os entornos da cidade histórica de Mariana (MG). 

    Muita coisa mudou dentro da Vale desde a reincidência de Brumadinho, que completa dois anos nesta segunda-feira (25). O choque não de uma, mas de duas barragens, obrigou a mineradora a se mexer e resultou em uma série de iniciativas no sentido de indenizar vítimas, revisar a segurança de suas unidades e reformular sua governança de maneira geral. 

    Os esforços vêm sendo bem avaliados por analistas, gestores e consultorias, em um momento em que cresce rápido no mundo o entendimento de que rigor social e institucional são também essenciais para reduzir os riscos do investimento em uma empresa. 

    Mesmo assim, a magnitude dos acidentes, bem como processos judiciais bilionários que seguem correndo, continuam deixando ressalvas e ainda afastam uma parte importante dos investidores. No ano passado, por exemplo, o fundo soberano da Noruega, o principal do país, riscou a brasileira da lista de investimentos.

    Subiu, mas podia ter subido mais

    Apesar da disparada na bolsa, as ações da companhia também seguem valendo menos do que poderiam quando comparadas ao desempenho das outras grandes mineradoras globais.

    Enquanto a Vale se esforça para convencer o mercado de que está se tornando uma empresa melhor, o minério de ferro fez o resto. O preço de seu principal produto subiu mais de 80% em 2020 nos mercados internacionais e bateu as maiores cotações desde o “boom” de 2012, conforme a China investe pesado na saída da pandemia. Como resultado, as ações da Vale também dispararam e chegam ao aniversário de Brumadinho batendo recordes.

    Os papéis dela avançaram 70% em 2020 e, só nesses 25 dias de 2021, já subiram mais 7%. No dia 7, bateram R$ 100 pela primeira vez em sua história. Na sexta-feira (22), fecharam valendo R$ 93. É 83% mais do que à época de Brumadinho. Na véspera do acidente, suas ações eram vendidas a R$ 52. Despencariam 25% em poucas semanas e só voltariam ao patamar anterior no meio do ano passado.  

    “O preço do minério de ferro explodiu e a Vale se beneficiou muito, mas, ainda assim, está barata para a geração impressionante de caixa que tem e quando comparada a outras mineradoras”, disse Márcio Correia, gestor de ações da JGP.

    Analistas calculam que o valor de mercado da Vale represente hoje pouco mais de três vezes o que ela gera de caixa (medido pelo Ebitda, uma medida no lucro). O múltiplo ainda está cerca de 35% abaixo do que o de suas principais concorrentes globais. A conta é usada para medir o quanto a empresa está valendo no mercado em relação ao que ela dá de resultados efetivamente. Quanto menor a proporção, mais subestimado está o preço dela.

    “Isso é um reflexo direto dos acidentes. Ainda há muitos fundos que barraram os investimentos na Vale. Ela já evoluiu muito, mas não dá para dizer que o risco acabou”, disse Correia, da JGP. A gestora, uma das primeiras do Brasil que se especializaram em fundos ESG (sigla em inglês para políticas ambientais, sociais e de governança), retirou a Vale da maioria dos investimentos em 2019 e ainda não colocou de volta.

    Riscos ainda em jogo

    O consenso de analistas é que, depois da segunda barragem rompida, os esforços  da mineradora foram monumentais no sentido tanto de melhorar a segurança das várias barragens antigas que ainda têm quanto de reformular completamente sua governança. Esse processo, avaliam, tem tudo para fazer com que seja uma empresa melhor e muito mais segura ao fim. 

    A essência do problema é que são medidas que levam tempo, e é por isso que o receio de novas reviravoltas não é ainda totalmente afastado. Ações judiciais que continuam em andamento com vítimas e o governo de Minas Gerais, por exemplo, podem resultar em indenizações ainda desconhecidas e maiores do que os valores já calculados. Mesmo a possibilidade de novos rompimentos não é totalmente descartada enquanto a reforma de todas barragens de risco não termina.

    “São questões que não mexem só com a reputação da empresa; elas colocam em risco o próprio negócio”, disse Barbara Mattos, vice-presidente sênior da agência de avaliação de riscos Moody´s. “Um acidente dessa magnitude leva a interrupções das operações, afeta diretamente a capacidade de venda e o fluxo de caixa, além de tudo o que foi desembolsado em acordos com as famílias envolvidas. Os impactos financeiros são enormes também.”

    Logo após o desastre de Brumadinho, em 2019, a Moody’s rebaixou em um degrau a nota de crédito da Vale (de Baa3 para Ba1), o que retirou da empresa o grau de investimento. O selo de bom investimento só foi retomado em outubro passado, quando a Moody’s reconheceu avanços no fortalecimento institucional da mineradora e devolveu a nota anterior de Baa3.

    “Ainda há riscos, porque estamos falando de processos que não foram finalizados”, disse a economista-chefe da equipe de análises do banco Inter, Rafaela Vitória. “Mas observamos um esforço enorme dela em reverter essa situação. O ESG é, sim, importante, e não só para a percepção da imagem da empresa. Basta ver o quanto o próprio acidente destruiu de valor para a Vale.”

    O Inter retirou neste começo de ano a sua recomendação de compra para a Vale, depois que as ações saltaram de R$ 60 para R$ 100 de novembro para cá. “O preço do minério já está muito acima de seu equilíbrio e não se sustenta”, disse Vitória.  Ainda assim, a ação segue sendo a atual preferida de diversas corretoras e gestoras, que ainda apostam em mais altas.  

    Melhorias em andamento

    Procurada, a Vale afirmou que está trabalhando para adaptar as suas barragens a padrões internacionais e também reforçou uma série de medidas ESG, que vão de políticas de manejo de rejeitos a redução de emissões de poluentes. 

    “As iniciativas ESG da Vale incluem a aderência completa à divulgação sobre barragens proposta pelo ICMM [Conselho Internacional de Mineração e Metais] e o compromisso para implementação do Padrão Global da Indústria para o Gerenciamento de Rejtiso [GISTM, iniciativa internacional feita em parceria ao braço de meio ambiente da ONU]”, informou a Vale, em nota. 

    “Paralelamente, a empresa identificou 52 gaps em relação às melhores práticas ESG e mapeamos um plano de ação para fechar esses gaps, disponível em nosso Portal ESG”, acrescentou. 

    “O que nós, como investidores, queremos, é que a Vale se comprometa com as questão ESG, porque mineração vai ter que continuar existindo. E é o que ela está fazendo”, disse Correia, da JGP. “Mas são medidas que levam tempo mesmo. Se ela continuar nessa toada, vai estar de fato muito melhor.”

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