Crise fiscal e inflação motivaram Independência do Brasil, conta historiador
Autor explica como o descuido com a economia por parte do governo de D. João VI e da corte portuguesa foram determinantes para a proclamação
A Independência do Brasil nasce de uma enorme crise fiscal e inflação. Essa é a conclusão do jornalista e historiador Rafael Cariello e do economista Thales Zamberlan, na obra “Adeus, Senhor Portugal: Crise do absolutismo e a Independência do Brasil“.
Em entrevista ao CNN Brasil Business, Cariello explicou os fatores históricos, econômicos e políticos que resultaram em uma crise econômica, no descontentamento das elites e da população e, consequentemente, corroborou para a proclamação da independência em 1822.
No início do século XIX, em 1808, a família real portuguesa chega ao Brasil. O então imperador D. João VI foge de Portugal por conta das invasões francesas, comandadas por Napoleão Bonaparte como parte da dinâmica expansionista da França Napoleônica e como parte das retaliações que Bonaparte planejava contra o Reino Unido – conhecido como Bloqueio Continental.
Naquele contexto, todos as nações iniciam um processo de grande investimento no setor militar. Cariello diz que esse processo começou, principalmente, com a França e o Reino Unido. Os gastos militares somados aos gastos oriundos do próprio regime e arbítrio dos reis – com a manutenção dos palácios, cortes, banquetes, festas e demais excessos – começaram a pesar nos orçamentos dos países europeus entre os séculos XVIII e XIX.
O historiador explica que a irresponsabilidade fiscal foi, inclusive, uma das causas da Revolução Francesa, quando ocorreu o colapso da monarquia absolutista que governava o país por séculos.
Até a invasão francesa na Península Ibérica, Portugal manteve seu orçamento relativamente equilibrado, explica Cariello. Contudo, ao chegar no território brasileiro, o governo de D. João VI inicia um grande período de gastos com o exército para expulsar os franceses de sua terra natal. Além disso, foram necessários gastos para viabilizar um novo Estado no Brasil, organizando repartições e empregando portugueses e brasileiros nas mesmas, assim como na corte.
Os gastos, no entanto, não se encerraram, uma vez que o então imperador também mobilizava tropas na América para conquistar a província Cisplatina, atual Uruguai, e assim garantir acesso à foz do Rio da Prata. “Todos os custos das guerras eram altos e crescentes. Entre 1808 e 1820, os gastos militares, somente no Brasil aumentaram duas vezes e meia”, conta Rafael Cariello.
Dessa maneira, o plano pensado pela corte para tentar arcar com as despesas foi o de elevar os tributos sobre as commodities produzidas no país, principalmente, o açúcar e o algodão, que eram produzidos nas províncias da Bahia, Pernambuco e Maranhão – que se beneficiavam da alta demanda consequente da Revolução Industrial que já ocorria na Europa.
“Então, tem esses enormes gastos que precisam de receita para compensar. A principal maneira [de obter receita] é com um imposto cobrado sobre as exportações do Nordeste. Cobram muitos impostos e as elites das regiões ficam insatisfeitas. Mas mesmo com os impostos, o aumento dos gastos é maior que o aumento das receitas”, relata Cariello.
Sem sucesso na cobertura dos déficits com o aumento da carga tributária e para tentar contornar o problema, o governo começa então a solicitar empréstimos do Banco do Brasil (fundado em 1808). Como resultado, o banco se tornou um dos principais credores do Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarves. Os autores identificaram que, nos últimos anos do período joanino – entre 1808 e 1821, quando a corte de D. João VI se mudou para o Brasil – , 34% das receitas do governo por aqui eram oriundas de empréstimos bancários.
“O que acontece é que começam a pegar dinheiro e não pagaram. Isso significa um aumento da base monetária, provocando inflação e perda de valor monetário. As pessoas recebiam um dinheiro sem valor”, conta o autor. Entre 1814 e 1820, o montante de papel-moeda em circulação quadruplicou.
Cariello menciona o impacto da inflação em alguns dos itens básicos da alimentação do Brasil naquele período: a farinha de mandioca e a carne-seca. Os preços da primeira dobraram e os da segunda triplicaram entre 1815 e 1819.
A inflação começa então a corroer os salários da população urbana das cidades do Rio de Janeiro e de Salvador. Além dos trabalhadores liberais, a crise alcançou os grandes proprietários de terras que viram seus custos aumentarem vertiginosamente. O cenário prosseguiu até quando o Banco do Brasil ficou próximo da falência, fazendo com que o governo interrompesse o pagamento dos salários dos soldados do exército.
“Você tem uma crise fiscal por não fechar as contas, que se torna uma crise econômica – ao aumentar a inflação – e isso vira uma crise politica. Do outro lado, as pessoas observavam as revoluções liberais no mundo todo e sabiam da possibilidade de retirar os poderes do rei, depositá-los em um parlamento e construir uma constituição. A ideia era dar os direitos para aqueles eleitos pelo povo para pensar um orçamento, foi assim na Inglaterra”, detalha o autor.
A insatisfação por parte da população e das próprias elites brasileiras perdura mesmo após o retorno de D. João VI à Portugal e do fim do regime absolutista – ocorrido em 1820 com a eclosão da Revolução Liberal do Porto e instalação da Monarquia Constitucional Portuguesa.
“Depois que cai o absolutismo, os portugueses têm uma ambição de concentrar todo o poder em Portugal e os brasileiros não aceitam isso. Estava faltando dinheiro para todo mundo. Brasil e Portugal derrubaram o absolutismo no momento que faltavam recursos e brigaram por conta da parca riqueza e de como administrá-la”, diz Cariello.
D. Pedro I assume o trono, mas não consegue lidar com os problemas econômicos que penalizavam o Brasil. O país passava por um descontrole nas contas públicas, as relações conflituosas entre a corte e suas províncias, os gastos com funcionalismo público e privilégios a oligarcas, um sistema tributário desequilibrado e a profunda desavença com Portugal. O resultado de todas essas circunstâncias seria apenas um: a independência.
O autor do livro resume o evento e sua celebração da seguinte forma: “a independência do Brasil foi uma afirmação do poder do parlamento sobre o rei. Logo, devemos comemorar as leis, os mecanismos de freios e contrapesos, a harmonia entre os poderes”.