Como a economia brasileira pode ganhar com agenda ambiental da Cúpula do Clima
Consequência mais óbvia da melhora de políticas ambientais, segundo especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business, seria o retorno de investimentos externos
Promessa de campanha do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, a Cúpula de Líderes sobre o Clima reuniu dezenas de representantes das principais economias do mundo na quinta (22) e sexta-feira (23) para discutir formas de frear o avanço do aquecimento global e de reduzir os impactos das mudanças climáticas no planeta.
Apesar de o humor geral não ser de otimismo em relação às promessas que o Brasil tem feito e que ainda pode fazer para melhorar sua política ambiental, o momento seria ideal para começar a reverter a visão da comunidade internacional nesse sentido. A consequência mais óbvia e certa desse movimento para a economia, segundo especialistas ouvidos pelo CNN Brasil Business, seria o retorno de investimentos externos, cujo volume tem sido prejudicado por um avanço do risco-país.
“Haveria menos restrição para investimentos de curto e longo prazo, caso ações fossem tomadas”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. Os danos que a imagem brasileira tem por causa do distanciamento das questões ambientais “é difícil de mensurar”, segundo ele, e também impacta o risco-país.
Álvaro Bandeira, economista-chefe do banco Modalmais, ressalta que a relevância de temas relacionados ao meio ambiente só cresce no mercado financeiro. “O ESG [do inglês environmental, social and corporate governance] está sendo endossado por grande parte das empresas de grande porte no Brasil. Cada vez mais vamos ter negócios com essa pegada sendo melhor avaliados por investidores”, afirma.
Uma potência adormecida
Com uma matriz energética limpa e a maior floresta tropical do mundo, o Brasil tem muito a se beneficiar dessa agenda, pois não está entre os maiores emissores de gás carbônico na atmosfera, com cerca de 3% da emissão global, aponta Lauro Marins, que lidera a área de ESG da consultoria Resultante.
Em resumo, no mercado de carbono, os países se comprometem com uma meta de emissão do gás na atmosfera. Aqueles que conseguem reduzir essa emissão abaixo da meta podem vender seus créditos a outros.
“As principais emissões do Brasil vêm do uso do solo, ou seja, desmatamento. Se o país conseguisse mostrar metas ambiciosas de redução do desmatamento e atrelasse isso ao mercado de carbono, como vizinhos muito menores estão fazendo, como Chile, Colômbia e Peru, seríamos protagonistas e veríamos um fluxo de investimento em outro patamar”, diz Marins.
Falar não basta
Para além das oportunidades que podem ser melhor aproveitadas nesse segmento, o governo brasileiro precisa sinalizar sua intenção de melhorar políticas ambientais na prática para traduzir isso em capital.
“Um sinal muito positivo seria trocar toda a cúpula que cuida da questão ambiental no governo, mas duvido que isso aconteça. Mudar a imagem do país não será um processo fácil e demandará um esforço de ações muito grande”, diz Vale.
Bandeira, do Modalmais, também acredita que, para o Brasil se beneficiar da agenda climática e atrair recursos, “é preciso mudar muita coisa no discurso de Bolsonaro e comprovar dados sobre o desmatamento”.
“O presidente até chegou a negar recurso com a justificativa de soberania nacional. Mas ninguém está tratando de soberania, e sim da importância da Amazônia para o mundo. Para se beneficiar de um aporte, o país vai precisar se incluir nessa agenda de preservação de meio ambiente, de não jogar carbono na atmosfera e se comprometer”, diz Bandeira.
O momento é propício para que o Brasil se posicione positivamente em relação às questões ambientais, segundo o co-presidente do Fórum de CEOs Brasil-Estados Unidos e fundador do Grupo Stefanini, Marco Stefanini. Para isso, três partes do problema precisam ser pensadas com mais atenção.
“O setor privado espera um plano bem executado atacando o controle do desmatamento, que é mais preventivo, o segundo é atacar a causa raiz —precisamos trazer alternativas socioeconômicas para quem mora na Amazônia e para aqueles que praticam hoje a atividade ilegal. Temos de ser muito pragmáticos para solucionar o problema social”, explica ele no podcast Abertura de Mercado desta quinta-feira.
“E o terceiro item, que é o que vai dar sustentabilidade ao projeto, é explorar de maneira adequada esse enorme potencial que a floresta amazônica oferece em termos de bioma e de oportunidades em biotecnologia”, diz.
Stefanini acredita que a Cúpula do Clima é “uma preparação para o de novembro em Glasgow [conferência de clima que acontecerá na Escócia]” e entende que “é o início de uma execução de um projeto ambicioso entre o Brasil e o mundo”.
Mudança de tom
Pressionado pela comunidade internacional para melhorar as políticas ambientais, sobretudo para reduzir o desmatamento da Amazônia, o presidente Jair Bolsonaro passou a adotar um tom mais brando para a ocasião, diz Vale. Entretanto, pela falta de ações concretas até agora, “o discurso pode soar vazio”, diz.
O governo já vem dando sinais de que pretende amenizar o tom de sua narrativa. Após receber ameaças do governo Biden de corte de recursos caso não estabelecesse regras claras contra o desmatamento, Bolsonaro enviou uma carta ao presidente americano prometendo zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030.
O presidente também pretende anunciar mais medidas no curto prazo, segundo ministros ouvidos recentemente pelo colunista Igor Gadelha, da CNN.
Mesmo com a mudança, o mercado ainda é cético em relação à adesão do governo a uma agenda climática. “Eu diria que o impacto, ao menos neste ano, vai continuar sendo negativo pela enorme desconfiança em relação ao governo. Mesmo se Bolsonaro fizesse o discurso mais espetacular da história, nada vai acontecer na economia. No momento em que as ações forem espetaculares e positivas, aí sim o impacto seria positivo”, afirma Vale.