Combustível, salário baixo, pobreza extrema: os problemas da Venezuela hoje
94,5% da população do país sul-americano está em algum nível de pobreza, segundo Encovi
A situação na Venezuela é desanimadora em todas as áreas.
É bem sabido, por exemplo, que as famílias mais pobres temem mais a fome do que a pandemia da Covid-19; ou que a repressão contra oponentes seja apontada por entidades internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU).
A dura realidade da Venezuela, porém, vai muito além.
E é exatamente o que reflete a última Pesquisa Nacional de Condições de Vida (Encovi), realizada por uma equipe de pesquisadores formada por acadêmicos da Universidade Católica Andrés Bello (UCAB) e da Universidade Central da Venezuela (UCV).
O Encovi 2021 (que é a sétima edição, pois acontece desde 2014) mostra um panorama devastador em termos de pobreza, desigualdade, trabalho e migração, entre outros problemas sociais.
Por exemplo, 94,5% da população do país sul-americano está em algum nível de pobreza. O mais notório é a pobreza extrema, que abriga 76,6% da população da Venezuela.
Para além deste dado, existem muitos outros, tais como a diferença salarial entre gêneros (os homens ganham quase 18% mais do que as mulheres) ou a espera média de mais de duas horas para poder comprar combustível com bolívares, a moeda oficial ultra desvalorizada do país.
A CNN revisou o documento de 70 páginas sobre o Encovi 2021 (que pesquisou 17.402 domicílios entre fevereiro e abril de 2021) e esses foram os dados encontrados:
Pobreza e desigualdade na Venezuela
- Quase toda a população da Venezuela é pobre. Encovi menciona que em 2021 94,5% dos habitantes do país encontram-se em algum nível de pobreza. 76,6% da população vive em extrema pobreza.
- A educação não faz a diferença entre estar ou não na pobreza. “Em média, as pessoas que não estão em situação de pobreza estudam há cerca de 11 anos, enquanto as que estão em extrema pobreza (estudam) há pouco mais de 9 anos”, destaca o Encovi 2021.
- A pesquisa também faz uma crítica por meio de uma hipotética distribuição equitativa de renda: “Se distribuíssemos toda a renda das famílias de forma equitativa entre elas, a média per capita seria de US$ 30 por venezuelano por mês, ou seja, US$ 1 por pessoa por dia”. De qualquer forma, isso não seria suficiente, acrescenta, se for levada em conta a linha internacional de pobreza, que é de US$ 1,9 por dia, então teria que “dobrar a renda nacional e distribuí-la de forma equitativa novamente para continuar pobre, mas não extremo (pobre)”.
- A pesquisa de 2021 também destaca a desigualdade de gênero, pois indica que a renda dos homens é 17,7% maior que a das mulheres.
- Além disso, menciona o seguinte: “A desigualdade nas tarefas domésticas, não só domésticas, mas também no cuidado dos filhos e dos idosos, torna as mulheres menos competitivas”.
Compra de combustível
- Embora o combustível na Venezuela seja o mais barato do mundo, conseguir gasolina é uma odisseia.
- Aqueles que precisaram usar bolívares para comprar combustível (46,6% do total) têm que esperar 2 horas e 18 minutos para adquirir em média 15,9 litros. O preço médio desse combustível era de US$ 0,2 por litro.
- Quem usou pesos colombianos para comprar combustível (9,8% do total) teve que esperar 49 minutos para comprar 62,3 litros a um preço médio de US$ 0,3 o litro.
Educação
- Para a faixa etária de 3 a 24 anos, estimou-se que havia cerca de 11 milhões de pessoas com potencial para se matricular no ano letivo de 2020-2021. No entanto, apenas 65% conseguiram fazê-lo, a menor porcentagem já registrada desde 2018.
- O ano letivo 2020-2021 começou com as escolas fechadas, sem estratégias diferenciadas para que pessoas com comorbidade fizessem aulas à distância.
- A faixa etária de 3 a 5 anos tem baixo acesso à educação inicial: 66% têm cobertura educacional se vivem na pobreza, enquanto o percentual cai para 58% se vivem em extrema pobreza.
- A situação se agrava para o grupo de 18 a 24 anos que busca entrar na universidade: 40% dos não pobres têm acesso à educação; 23% das pessoas que vivem na pobreza têm acesso à educação; e apenas 15% dos que vivem em extrema pobreza têm cobertura educacional.
- Dos que se inscreveram nos níveis de pré-escola, ensino fundamental e médio para o ciclo 2020-2021, 90% tiveram que fazer aulas a distância devido à pandemia.
- Desse total, apenas 3% poderiam ter acesso à educação pela TV e 2% pelo rádio. Por outro lado, a forma mais utilizada para a educação a distância foi o contato telefônico com os pais ou alunos para a atribuição de atividades, com 59% do total.
- Disparidades de gênero na educação a distância: segundo o Encovi 2021, “a responsabilidade de apoiar os filhos na realização dos deveres de casa recai principalmente sobre a mãe, 78%, que também deve cuidar das tarefas domésticas e extra domésticas”.
Refeição
- A insegurança alimentar é outro dos problemas vividos na Venezuela.
- De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a insegurança alimentar ocorre quando uma pessoa “não tem acesso regular a alimentos seguros e nutritivos suficientes para o crescimento e desenvolvimento normais e para manter uma vida saudável. Vida ativa e saudável”.
- Nesse sentido, em 2021, 24,5% da população da Venezuela encontrava-se em situação de grave insegurança alimentar; 35,2%, em insegurança alimentar moderada; 34,5%, em insegurança alimentar leve; e apenas 5,8% não viviam em situação de insegurança alimentar.
Trabalho
- Entre 2014 e 2021, o emprego formal na Venezuela foi reduzido em quase 22%, o que equivale à perda de 4,4 milhões de empregos (70% do setor público e 30% do setor privado).
- Atualmente, apenas 40% da população ocupada tem emprego formal. Os 60% restantes estão empregados no setor informal.
- Por que escolher o emprego informal? A remuneração é muito maior. Quem trabalha no setor público ganha em média US$ 12,3 por mês, enquanto o autônomo ganha US$ 32,8 por mês. Quem ganha mais é quem trabalha na iniciativa privada: US$ 38,7 por mês.
- A disparidade de gênero no trabalho é notável: 67,1% das mulheres na Venezuela são economicamente inativas; para os homens, o percentual cai para 33,3%, segundo o Encovi 2021.
- O Encovi 2021 enfatiza um fato: o desemprego aberto é de 3,2% na Venezuela, que descreve como “surpreendentemente baixo”. Mas por que é assim? “A razão é que existem muitas formas de desemprego disfarçado. Na Venezuela não há onde trabalhar”, acrescenta. Isso condiz com o índice de desânimo do desemprego (não há condições para motivar a procura de emprego), que é de 16,6%.
Saúde
- No Encovi 2019-2020, 78% das pessoas não relataram nenhum problema de saúde nos 30 dias anteriores à entrevista da pesquisa. Esse percentual ‘melhorou’ no Encovi 2021, com 88%.
- Por que o último? O levantamento indica que as enfermidades diminuíram em decorrência das medidas de confinamento devido à pandemia, mas também pela redução na procura por consultas médicas (pela diminuição do atendimento médico pela pandemia e pelo medo de contrair covid-19) e a preferência pela automedicação.
- Entre os que relataram problemas de saúde no Encovi 2021, ou seja, 12%, os mais frequentes foram problemas de tensão e do aparelho circulatório, além de tosse, resfriado e gripe.
Saúde reprodutiva
- De acordo com o Encovi 2021, a taxa média de fecundidade global na Venezuela é estimada em 2,23 filhos, quando em 1960 era superior a 6 filhos.
- No entanto, apesar do fato de a maternidade feminina continuar diminuindo, “apenas 8% das mães adolescentes conseguem conciliar a maternidade com os estudos. Há uma década essas possibilidades chegavam a 28%”, diz Encovi 2021.
Migração
- Quase 5 milhões de venezuelanos deixaram o país desde 2015, que tem 28,4 milhões de habitantes, segundo dados do Banco Mundial.
- Encovi 2021 menciona que 51% dos que deixaram a Venezuela são jovens entre 15 e 29 anos. Se for considerada a faixa etária de 15 a 49 anos, o percentual é maior: 90%.
- O principal motivo da saída da Venezuela é por motivos de trabalho (86%), enquanto em segundo lugar está o reagrupamento familiar (6%).
- Na migração recente, 30% dos que saíram estavam desempregados; esse percentual foi reduzido para 14% uma vez nos destinos atuais. “Grande parte desses desempregados conseguiu trabalhar como trabalhadores em serviços (28%) e em ocupações elementares (31%)”, diz Encovi 2021.
- Por outro lado, a pesquisa deste ano garante que mais de 60% dos que migraram têm uma situação imigratória estável em seus países de destino. “Dois em cada três migrantes têm um estatuto regular, porque adquiriram a cidadania de outro país (12%), têm uma autorização de residência permanente (16%) ou uma autorização temporária (33%).”
- Da mesma forma, três em cada cinco migrantes recentes enviam dinheiro ou recursos em espécie para sua casa de origem. Essas remessas são feitas uma ou duas vezes por mês 57% das vezes.
Texto traduzido. Para ler o original, clique aqui.