Combustíveis: brecha em lei pode custar R$ 16 bi aos cofres públicos
Ministério da Economia está correndo contra o tempo para corrigir um erro na legislação que desonerou os combustíveis no país
Na pressa para dar uma resposta pública ao mega reajuste dos combustíveis aplicado pela Petrobras, o governo federal deixou uma brecha na legislação que pode custar bilhões de reais aos cofres públicos.
O Ministério da Economia está correndo contra o tempo para corrigir um erro na legislação que desonerou os combustíveis no país. O projeto de lei foi aprovado às pressas na Câmara dos Deputados no dia 11 de março, uma sexta-feira.
Era a resposta do Congresso ao mega reajuste anunciado pela Petrobras para compensar os impactos da guerra na Ucrânia.
A nova lei seguiu direto para a sanção do presidente Jair Bolsonaro. Já passava das 11 horas da noite quando saiu publicada em edição extra do Diário Oficial da União. Só que a correria cobrou seu preço.
Técnicos da Receita Federal perceberam os problemas logo na semana seguinte, conforme e-mails internos do órgão aos quais o Núcleo Investigativo da CNN teve acesso.
Na tarde de segunda-feira, dia 14 de março, um servidor da receita comunicava aos colegas “prezados, precisamos preparar medida provisória alterando a parte final do artigo 9 para dar uma interpretação restrita àquele dispositivo”. O artigo 9° foi incluído a pedido do próprio Ministério da Economia.
O projeto de lei tratava da mudança no cálculo do ICMS para os combustíveis, mas esse artigo específico zera a alíquota de dois impostos federais – Pis e Cofins – sobre o diesel e o gás de cozinha.
A conta chega a R$ 16,6 bilhões para os cofres públicos.
A medida foi um agrado para uma das bases eleitorais mais importantes de Bolsonaro: os caminhoneiros. E uma tentativa de reduzir o impacto da alta do diesel no frete dos produtos e na inflação.
Trecho final do artigo 9
O texto diz que “as alíquotas do Pis e da Cofins ficam reduzidas a zero até 31 de dezembro de 2022, garantidas às pessoas jurídicas da cadeia, incluído o adquirente final, a manutenção dos créditos vinculados.
Até a aprovação da nova lei, o Pis e a Cofins sobre a venda do diesel eram cobrados só na refinaria, que repassava os custos.
Distribuidores e postos de combustível não conseguiam crédito nessa operação. Só geravam compensação de despesas indiretas como energia elétrica ou aluguel. O crédito do Pis/Cofins é feito por meio de descontos no pagamento de outros impostos federais.
Com as novas regras, as refinarias também deixaram de pagar Pis e Cofins, mas a legislação passou a permitir a compensação de qualquer tipo de crédito, inclusive da venda de combustível.
Ou seja, para dar uma resposta à opinião pública para a alta dos combustíveis, o governo abriu uma brecha para que o contribuinte se credite de um imposto que sequer foi pago. O que pode gerar um contencioso tributário de bilhões de reais.
A própria Receita Federal admite o problema no rascunho de uma medida provisória que está em estudo para resolver o imbróglio. A CNN também teve acesso ao documento: “a manutenção do artigo 9 poderá trazer insegurança jurídica a sua aplicação e levar a judicialização da questão do creditamento, baseado na interpretação de que o adquirente final do combustível, mesmo com as alíquotas do Pis e da Cofins reduzidas a zero, poderia tomar crédito dessas aquisições”.
Cabe ao Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis ou vetá-las. Isso é uma função da Presidência da República. Ao não exercer, a Receita Federal faz um alerta, isso gera a necessidade da emissão de uma nova norma e enquanto isso não acontece, aquela lei está valendo com essa redação. Os contribuintes que entenderem que têm direito já poderiam levar essa questão ao Poder Judiciário.
Procurada, a Receita Federal informou que não comenta matéria objeto de sanção ou veto presidencial. A Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis disse que não existe brecha na lei para distribuidoras ou postos revendedores, pois estes não tem direito ao crédito. O crédito citado na lei se refere ao consumidor final que utiliza o diesel como insumo da atividade econômica. O Ministério da Economia e Casa Civil não se pronunciaram.