Com pandemia e inflação fraca, só baixar juros não deve ser suficiente
Consumo menor pode fazer inflação ficar abaixo de 2,5% neste ano e descumprir o limite mínimo estipulado pelo BC pela segunda vez na história
Divulgado nesta quinta-feira (9), o IPCA, indicador oficial de inflação do país, apontou um aumento de apenas 0,07% nos preços em março. O número veio ainda mais fraco que a inflação de fevereiro, que já foi baixa (0,25%), e é o menor já registrado para um mês de março desde o início do Plano Real, em 1994.
Em 12 meses, o IPCA acumula alta de 3,3% e, até o fim do ano, alguns economistas já falam em projeções próximas de 2%, o que colocaria a inflação oficialmente abaixo do limite da meta estipulada pelo Banco Central (BC), que é de 4% – com uma margem de tolerância mínima de 2,5%. O regime de metas para inflação existe desde 1999 e já foi descumprido algumas vezes para cima, ou seja, a inflação do ano ficou mais alta do que o perseguido. A única vez em que a inflação ficou abaixo do limite mínimo da meta (2,95%, para um limite de 3%) foi em 2017.
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A inflação brasileira já vinha historicamente fraca nos últimos três anos, na casa de 3% a 4%, e o resultado de março confirma que o choque do coronavírus deve deixa-la ainda menor. Inflação muito baixa é um dos principais sintomas de fraqueza no consumo e no crescimento econômico de um país.
Na opinião de economistas, o resultado abre espaço para que o Banco Central corte ainda mais a Selic, a taxa básica de juros do país. Ela já está atualmente no menor patamar de sua história, a 3,75% ao ano, e pode ainda ir a 3,5% ou 3,25%, na visão de alguns. A Selic é revista em reuniões da cúpula do BC que acontecem a cada 45 dias.
Juros mais baixos são uma maneira de baratear o crédito, os investimentos das empresas e estimular o crescimento. O problema é que os juros já estão muito baixos e sem margem e, com estabelecimentos fechados, pessoas trancadas em casa e uma provável onda de falências e demissões pela frente, só cortar a taxa não deve ser o suficiente para segurar a crise.
“A Selic já caiu de 14,25% [em 2016] para 4,25% no ano passado, e o PIB continuou crescendo 1%”, diz o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale. “Em um cenário como o de hoje, de alta incerteza, mesmo que o juro vá de 3,75% para zero não será uma ajuda enorme; ajuda a não piorar mais, mas a produção parou, nada vai impedir que PIB caia de maneira significativa neste ano.”
A projeção da MB Associados para o PIB de 2020, que era de alta de 1,6%, foi revisada para queda de 2,1% após a explosão da epidemia – “e pode ser ainda pior”, diz Vale. A expectativa para o IPCA no fechamento do ano foi cortada de 3,2% para 2,3%, o que o jogaria para fora da tolerância do BC de 2,5%.
Mais injeção de recursos
Vale afirma que a situação atípica, em meio a um crescimento que já era fraco, demanda outros tipos de medidas que injetem crédito e recursos de maneira mais efetiva na economia. Isso, de acordo ele, já está sendo feito. O BC tem flexibilizado as garantias exigidas dos bancos (o chamado compulsório) e liberado bilhões de reais para o caixa deles, o que visa facilitar e baratear empréstimos.
O BC também quer buscar maneiras de fazer empréstimos diretamente para as empresas, por meio da compra de títulos emitidos por elas (como debêntures), o que tira do caminho a necessidade de intermédio dos bancos. É o que os bancos centrais dos Estados Unidos e da Europa fizeram fartamente após a crise de 2009 e estão reeditando agora, mas que, no Brasil, não é permitido e precisa ainda passar pelo Congresso.
Inflação negativa pela frente
Para o economista Marcio Milan, analista de inflação da Tendências Consultoria, os meses mais duros para os preços ainda estão por vir. Isso significa que há diversos produtos e serviços que podem ainda ter corte nos preços, como refeições em bares e restaurantes e o preço dos combustíveis nos postos. “Março sentiu um impacto maior nos últimos 15 dias do mês, mas em abril já deve ter inflação negativa”, disse. “Os maiores efeitos [das medidas de isolamento na economia] virão mesmo no segundo trimestre.”
A consultoria, entretanto, não acredita que o BC deva seguir pelo caminho de mais um corte na taxa de juros, mesmo com um cenário de recessão quase certo, e, por ora, aguarda que a Selic continue nos mesmos 3,75% atuais.
“No fundo, tem um evento extraordinário que interrompeu as atividades, e o BC não tem como combater os impactos primários desse choque”, diz. “O ele faz é combater os efeitos secundários desses choques na economia. Se, passado o pico da pandemia, as condições econômicas não voltarem, daí faz sentido o BC voltar a reavaliar a sua política e os juros.”
A projeção da Tendências para o IPCA em 2020 foi cortada de 3,1% para 2,6% – no limite da tolerância de 2,5% do BC. Para o PIB, a consultoria calcula uma queda de 1,4% no ano. A boa notícia é que, a retração agora, deve ser compensada depois, e o PIB tem fôlego para crescer 3,3% em 2021. “Na prática, vai só adiar o crescimento deste ano para o próximo”, explica Milan.