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    Chefe da OMC quer “dobrar ou triplicar” participação da África no comércio global

    Nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala foi nomeada diretora-geral da organização, tornando-se a primeira mulher e a primeira africana a ocupar o cargo

    Nell Lewisda CNN , Londres

    Espera-se que o comércio global desacelere acentuadamente este ano, à medida que os altos preços da energia e o aumento das taxas de juros afetam a economia. A Organização Mundial do Comércio (OMC) projetou em outubro que, após crescer 3,5% em 2022, o volume de comércio aumentará apenas 1% em 2023.

    Dada a incerteza sobre a força da recuperação da China após os lockdowns da Covid-19, o resultado poderia ser melhor. De qualquer forma, a África pode começar a colher os benefícios de um acordo de livre comércio que entrou em vigor em 2021.

    O acordo histórico da Área de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA, na sigla em inglês) criou a maior nova área de livre comércio do mundo desde o estabelecimento da OMC.

    No mesmo ano, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala foi nomeada diretora-geral da OMC, tornando-se a primeira mulher e a primeira africana a ocupar o cargo. Ela falou recentemente com Eleni Giokos, da CNN, sobre o futuro do comércio no continente. A entrevista a seguir foi editada para maior clareza.

    A AfCFTA entrou em vigor no início de 2021. É uma jornada incrível. A OMC conseguiu acompanhar as mudanças que são visíveis na área?

    Okonjo-Iweala: [AfCFTA] é importante – cria um mercado de 1,4 bilhão de pessoas e continua aumentando. O fato de isso ter sido ratificado, de termos 44 dos 54 países ratificados, já é um bom avanço. Mas aprendi que na área do comércio as coisas demoram muito.

    Sou economista, quero que as coisas evoluam, mas do lado comercial leva tempo.

    O comércio intra-africano [como proporção das importações e exportações do continente] está estagnado em cerca de 15%. Você está conversando com CEOs agora para descobrir qual é a experiência deles. O que eles precisam e o que estão dizendo sobre fazer comércio transfronteiriço no continente africano?

    Okonjo-Iweala: Esses 15% é muito pouco. A participação da África no comércio global de 3% é muito pequena. Precisamos fazer algo para dobrar e triplicar isso. Precisamos superar os desafios que se colocam à zona de livre comércio continental: precisamos de infraestrutura para funcionar, precisamos digitalizar mais, para superar alguns dos entraves burocráticos que dificultam o comércio, e precisamos reduzir custos comerciais.

    Conversando com CEOs, acho que a questão é [identificar] os setores em que podemos usar esse grande mercado para entrar nas cadeias de valor regionais e globais. A farmacêutica é uma delas, e é aí que me interesso pelo que podemos fazer para desconcentrar a fabricação de vacinas, de terapêuticos e de diagnósticos.

    O que vimos durante a pandemia é que a África precisa obter sua própria capacidade de fabricação, e isso se refere ao que pode fazer a área de livre comércio continental funcionar.

    Você é a primeira mulher e a primeira africana a chefiar a OMC. Que mudanças, se houver, você precisou implementar nesta enorme instituição no que diz respeito à política africana, e que impacto você diria que causou?

    Okonjo-Iweala: Ainda é cedo, mas uma das coisas empolgantes de estar aqui [na OMC] como africana é ver o quanto estamos nos beneficiando com isso. O que tentei fazer quando cheguei foi instar os membros a acelerar o ritmo com que essas negociações estão acontecendo.

    Estou muito animada porque, em junho de 2022, conseguimos concluir o Acordo de Subsídios à Pesca para reduzir os US$ 22 bilhões [em subsídios mundiais] que estão levando à pesca ilegal, não declarada e não regulamentada em nossas águas.

    Diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala / 28/09/2021 REUTERS/Denis Balibouse

    Outra coisa da qual estamos nos beneficiando é o acordo TRIPS [um conjunto de regras internacionais que regem a propriedade intelectual, incluindo patentes de medicamentos]. Tivemos a pandemia e importávamos 99% de nossas vacinas – ainda importamos, principalmente – e 95% de nossos produtos farmacêuticos.

    Conseguimos, na OMC, com países africanos pressionando outros países em desenvolvimento, conseguimos um acordo para anular contratos por um período de cinco anos para que nossa indústria tenha a capacidade de fabricar essas coisas.

    Agora temos o desafio da inflação, o alto preço dos alimentos devido à guerra na Ucrânia, a volatilidade dos preços dos alimentos e os desafios da energia. O que nós fizemos? Conseguimos um acordo para levar comida para as pessoas que precisam, como o Chifre da África.

    O Programa Mundial de Alimentos (WFP, na sigla em inglês) vinha encontrando dificuldades para obter acesso a alimentos humanitários. Os membros da OMC concordaram que não colocariam restrições à exportação de alimentos, para que o WFP pudesse ter acesso fácil. Isso é um benefício direto para o nosso continente.

    Essas são apenas três áreas nas quais sinto que conseguimos fazer algo concreto. Para mim, o comércio não é apenas falar sobre regras, é sobre obter conquistas que possam beneficiar o homem e a mulher comuns nas ruas da África.

    O comércio é sinônimo de globalização, mas a globalização nos últimos anos tem sido vilipendiada. Você poderia detalhar para nós o quão importante é o comércio na redução da pobreza, especificamente no contexto africano?

    Okonjo-Iweala: A globalização ajudou a tirar mais de 1 bilhão de pessoas da pobreza, não devemos esquecer isso. Mas também não há dúvida de que nem todos se beneficiaram. Houve pobres em países ricos que ficaram para trás […] e há países mais pobres – muitos em nosso continente – que ainda não se beneficiaram.

    Mas isso significa que não podemos nos beneficiar no futuro? A resposta é não. Precisamos de um novo tipo de globalização, que chamo de reglobalização, que vai beneficiar nossos países ao atrair todos aqueles que ficaram para trás.

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