Briga com BC, nova regra fiscal, impostos: os 100 dias de Lula na economia
Reoneração dos combustíveis e bases para marco legal que substituirá teto de gastos estão entre principais anúncios feitos pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad
Com juros altos, ameaças de PIB menor, uma espinha dorsal da legislação fiscal do país por ser refeita e um primeiro pacote econômico montado antes mesmo de o governo assumir, a economia se tornou um dos principais pontos de atenção nos primeiros 100 dias do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, completados nesta segunda-feira (10).
Veja o que movimentou a agenda do presidente e também de sua dupla de ministros que dirige a área econômica – Fernando Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento – neste movimentado começo de governo.
PEC do Estouro
Lula e seu ministro Fernando Haddad, confirmado para a Fazenda apenas em dezembro depois de dois meses de mistério, tiveram a particularidade de começar a comandar a agenda econômica antes do início do mandato, com todos os ajustes que envolveram a PEC da Transição, também chamada de PEC do Estouro.
A Proposta de Emenda à Constituição tinha o objetivo de ampliar o Orçamento para 2023 deixado pelo governo anterior de maneira a comportar a ampliação de programas e gastos sociais prometidos em campanha e que tinham ficado de fora dos gastos previstos para o ano.
Foi o caso das verbas para um aumento maior do salário mínimo e também do Auxilio Brasil, agora rebatizado de Bolsa Família.
O time de Lula chegou a pedir uma verba extra de quase R$ 200 bilhões e queria que esse dinheiro fosse dispensado de cumprir o limite do teto de gastos por todos os quatro anos de mandato de Lula – por isso o apelido de PEC do Estouro ao texto.
Os valores e prazos foram redimensionados durante tramitação no Congresso, mas a conta bilionária seguiu alta o suficiente para deixar aceso o principal medo dos investidores e analistas do mercado financeiro: um aumento descontrolado nos gastos e a volta de um Estado inchado demais.
A PEC do Estouro foi aprovada ainda em dezembro com um gasto extra final de R$ 140 bilhões para este ano.
Retorno do Bolsa Família e salário mínimo maior
Um Bolsa Família turbinado e um aumento maior para o salário mínimo foram promessas de campanha de Lula e tiveram as verbas adicionadas ao Orçamento do ano pela PEC do Estouro.
O retorno do Bolsa Família veio no início de março: ele tomou de volta o lugar que tinha sido ocupado pelo Auxílio Brasil, marca do presidente Jair Bolsonaro para o programa, e com o valor mínimo e permanente de R$ 600, além de pagamentos adicionais de R$ 150 para as famílias pobres com crianças menores de 6 anos e gestantes.
O salário mínimo, por sua vez, ganhou ainda de Bolsonaro, no final do ano passado, seu primeiro aumento acima da inflação desde 2019, começando 2023 no valor de R$ 1.302.
Em 2022 era R$ 1.212, um reajuste de 7,4%, ou quase 1,5% mais do que a inflação do ano passado.
Porém, em entrevista à CNN, Lula anunciou que o mínimo subirá mais uma vez em maio, passando a ficar no valor de R$ 1.320 pelo resto deste ano.
De acordo com o presidente, a intenção é que o piso salarial nacional volte a ter aumentos acima da inflação todos os anos, como foi feito ao longo de seus primeiros governos e também de sua sucessora Dilma Rousseff.
A questão de economistas é como ele irá encaixar isso no limite apertado de gastos que o país tem, já que o mínimo aumenta imediatamente, também, salários de servidores e da maior parte das aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), duas das maiores despesas do governo.
Juros altos e briga com o BC
Em uma escalada aberta desde o início de seu mandato, Lula passou a fazer repetidos ataques ao Banco Central, em um pacote de críticas que incluem os juros altos, a lei que formalizou a autonomia da autarquia e o próprio presidente da instituição, Roberto Campos Neto.
Campos Neto foi o indicado de Bolsonaro para chefiar o BC e deve continuar à frente dele durante metade do governo do sucessor, graças às mudanças promovidas pela lei da autonomia.
Ela descasou o mandato presidencial do da chefia do BC e impediu o presidente da República de demiti-lo.
Lula já chamou de “bobagem” a lei da autonomia, de “vergonha” o alto nível dos juros e já conclamou o Senado a ficar “vigilante” com Campos Neto, a quem costuma chamar de “cidadão”.
Foi também Lula quem iniciou o coro para um aumento das atuais metas de inflação, proposta controversa que, de acordo com ele, ajudaria a baixar os juros a baixar.
Volta de impostos
O ministro Haddad fez ainda em 12 de janeiro o primeiro grande anúncio de um pacote econômico do governo, prometendo melhorar os gastos, incrementar a arrecadação e, com isso, conseguir tirar as contas do governo do vermelho.
A primeira medida efetiva nesse sentido, no entanto, veio só no fim de fevereiro, quando o ministro da Fazenda, a despeito da contrariedade da ala política do governo, anunciou o retorno, mesmo que parcial, dos impostos federais cortados no ano passado, ainda por Bolsonaro, dos combustíveis.
Com as recomposições, o litro da gasolina voltou a pagar R$ 0,47 de PIS/Cofins, o do etanol pagará R$ 0,02 e os aumentos devem valer uma arrecadação R$ 28 bilhões maior para os cofres públicos. Os impostos do diesel continuarão zerados até o fim do ano.
Novo marco fiscal
Foi em 30 de março que Haddad fez, finalmente, o prometido e aguardado anúncio do projeto do governo Lula para o novo marco fiscal que deverá substituir o atual teto de gastos.
O objetivo de ambas as regras é estipular limites para o crescimento das despesas públicas e, em última instância, impedir um aumento descontrolado da dívida pública.
Depois de remendos legais feitos nos últimos dois anos para poder gastar mais, o teto de gastos chegou ao fim da gestão de Bolsonaro e ao começo da de Lula com a credibilidade em baixa, um dos principais fatores que levou à rápida piora da bolsa, do dólar e dos juros futuros na passagem de um governo para o outro.
Coube ao novo governo apresentar uma proposta para substituir a regra anterior – e o grande receio era de que o chamado “novo arcabouço fiscal” fosse ou muito frouxo, ou pouco crível.
O teto de gastos limitava o crescimento das despesas do governo à inflação, o que significa que, na prática, elas não cresciam.
As medidas apresentadas por Haddad, depois do devido aval de Lula, passaram a vincular o crescimento dos gastos ao crescimento da receita, além de estipular metas de resultado primário, ou seja, de quanto o governo deve economizar do que arrecada a cada ano.
Entre as principais críticas feitas por economistas está o fato de que a nova proposta ficou dependente demais de uma arrecadação de impostos robusta para conseguir se pagar. A recepção geral, no entanto, depois de meses de suspense e receio, foi positiva.
No dia do anúncio, a bolsa de valores subiu quase 2%. O dólar, por sua vez, que chegou a ficar acima dos R$ 5,20 em março, recebeu uma dose de alívio e voltou a rodar em torno dos R$ 5.
O texto completo do marco fiscal deve, agora, ser redigido pela equipe econômica do governo para começar a tramitar, nos próximos dias, no Congresso Nacional.