Brasil negociou “cláusula antiperonista” contra rejeição da Argentina ao acordo com UE
Dispositivo foi acertado de forma inédita no Mercosul para permitir que tratado entre em vigência mesmo diante de eventual recusa do Congresso argentino
Os países do Mercosul negociaram uma cláusula inédita para a entrada em vigência do acordo de livre comércio com a União Europeia (UE).
Como todos os tratados internacionais, o acordo Mercosul-UE precisará de ratificação legislativa dos dois blocos para começar a valer.
Em 2019, porém, os quatro sócios do Mercosul decidiram mexer em uma regra antiga do grupo.
Se o tratado com a UE for aprovado em um dos legislativos do bloco sul-americano, ele já pode entrar em vigência naquele país, sem ficar à espera de ratificação dos demais.
Para isso, obviamente, é preciso que o Parlamento Europeu também tenha aprovado o acordo de livre comércio em Bruxelas.
A “cláusula de vigência bilateral” foi adotada naquele momento como uma espécie de vacina do Brasil, do Uruguai e do Paraguai contra a volta de um eventual governo peronista na Argentina.
Na época, o presidente argentino era Mauricio Macri. Ele tentou a reeleição meses depois, mas perdeu para o peronista Alberto Fernández, que teve Cristina Kirchner como vice-presidente.
Os peronistas são tradicionalmente críticos à abertura da economia, com forte tendência protecionista e discurso pró-indústria local.
Por isso, nos bastidores, a regra foi chamada de “cláusula antiperonista”. Cinco anos depois, ela tornou-se flagrantemente atual.
O governo Javier Milei é entusiasta do livre comércio e apoia o acordo com a UE, mas a ratificação do tratado ainda pode esbarrar na Câmara e no Senado, onde a oposição tem maioria. Dentro da oposição, o maior bloco é o peronista.
Na prática, a “cláusula antiperonista” significa o seguinte: se o acordo UE-Mercosul for ratificado no Congresso brasileiro e travar na Argentina, ele pode entrar em vigência no Brasil e não precisará aguardar o avanço no país vizinho. É preciso apenas que passe também no Parlamento Europeu.
Em ocasiões passadas, a exigência de ratificação nos quatro sócios do bloco sul-americano retardou a implementação de tratado, como foi o caso do acordo de preferências tarifárias (com uma lista menor de produtos) com a SACU – união composta por África do Sul, Namíbia, Botsuana, Suazilândia e Lesoto.
O acordo Mercosul-SACU foi assinado em 2008, mas demorou oito anos para entrar em vigência por causa da demora de todos os sócios do bloco sul-americano para ratificá-lo.