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    Biden recorre a países que tentou evitar após corte do petróleo russo

    Invasão russa abalou as relações internacionais, forçando os EUA e outras nações a buscar soluções em lugares que antes evitavam

    Kevin LiptakPhil MattinglyNatasha BertrandMJ Leeda CNN* , Em Washington

    O presidente Joe Biden busca urgentemente ajuda mundial para cortar as receitas do petróleo russo, recorrendo até a regimes que já quis isolar ou evitar.

    Autoridades do governo Biden viajaram para a Venezuela no fim de semana para discutir a possibilidade de o país vender seu petróleo no mercado internacional, ajudando a substituir o combustível russo. Biden deve viajar para a Arábia Saudita, pois os EUA estão tentando convencer o Reino Unido a aumentar sua produção. Além disso, um acordo nuclear iminente poderia trazer volumes significativos de petróleo iraniano de volta ao mercado.

    Caracas, Riad e Teerã seriam fontes improváveis de apoio a uma aliança ocidental liderada por Biden antes do início da guerra na Ucrânia. No entanto, a invasão russa abalou as relações internacionais, forçando os EUA e outras nações a buscar soluções em lugares que antes evitavam.

    Ao decidir os próximos passos, as autoridades do governo Biden estão levando em consideração uma série de fatores. A invasão da Rússia ao país vizinho, deixou centenas de civis mortos, gerou imensa pressão sobre as nações ocidentais para que cortem seus vínculos de energia com Moscou, envolvendo até democratas e republicanos do Congresso. Em uma videoconferência com parlamentares norte-americanos no sábado, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky pediu que a energia russa fosse banida.

    As importações norte-americanas da Rússia representam uma pequena fatia do universo energético – quase 8% em 2021, com apenas cerca de 3% de petróleo bruto. Segundo afirmam, as autoridades econômicas da Casa Branca estão há mais de uma semana trabalhando para administrar qualquer decisão de corte dessas importações. O Departamento de Energia informou que nas últimas duas semanas de fevereiro, as importações de petróleo russo caíram para zero quando empresas  norte-americanas cortaram relações com o país, implementando seu próprio banimento.

    Esses esforços se tornaram mais intensos nos últimos dias, e Biden anunciou a proibição das importações de energia russa na manhã desta terça-feira (8).

    “Hoje anuncio que os Estados Unidos estão mirando a artéria principal da economia da Rússia. Estamos proibindo todas as importações de petróleo, gás e energia russos”, afirmou Biden durante o pronunciamento na Casa Branca. “Isso significa que o petróleo russo não será mais aceito nos portos dos EUA e o povo norte-americano dará outro golpe poderoso na máquina de guerra de Putin”.

    Em conversas públicas e privadas, os principais aliados dos norte-americanos disseram que os EUA provavelmente agiriam por conta própria se visassem as importações de energia russa. Isso trouxe preocupações, pois as autoridades dos EUA continuam cautelosas em suas ações para não abalar a aliança cuidadosamente coordenada que tem servido como ponto focal da resposta até o momento.

    Em geral, a Rússia exporta cerca de cinco milhões de barris de petróleo bruto por dia, sendo que metade é destinada à Europa. A Venezuela, que tem as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, pode ajudar a compensar o desfalque, mas o país tem sofrido problemas de produção recorrentes. Antes das sanções serem aplicadas ao Irã, o país produzia cerca de quatro milhões de barris por dia. Já a Arábia Saudita tem capacidade de aumentar a produção, embora ainda não esteja disposta a fazer isso.

    Para Biden, o esforço para identificar fornecedores de petróleo – mesmo em regimes autocráticos – demonstra até onde ele está disposto a ir para infligir sérios danos a Moscou. Ele tem pautado sua presidência na defesa da democracia contra o autoritarismo insidioso e chegou a acusar seu antecessor de se aliar aos homens poderosos do mundo. No entanto, reduzir a dependência mundial de energia de um autocrata pode significar recorrer a outro.

    Está longe de ser evidente que os esforços do governo terão resultados. O líder socialista da Venezuela, Nicolás Maduro, é o principal aliado do presidente russo Vladimir Putin na América Latina. Até o momento, a Arábia Saudita tem se recusado a aumentar sua produção, embora as autoridades permaneçam esperançosas. Além disso, a reativação de um acordo nuclear com o Irã continua indefinida, em parte por causa de novas exigências da Rússia, sua parceira em negociações internacionais.

    Ainda assim, as autoridades do governo Biden continuam empenhadas em identificar fornecedores de energia que possam substituir as exportações da Rússia. Embora as autoridades dos EUA tenham avaliado que não seria do interesse da Rússia problematizar suas exportações de energia, o risco de que isso aconteça e a necessidade de proteger os aliados europeus – principalmente quando se trata de gás natural – têm sido considerados, afirmam as autoridades.

    Preços disparam

    A intensificação das conversas sobre a proibição da energia russa já fez com que o preço do petróleo subisse, atingindo o nível mais alto desde 2008 na segunda-feira (7). O petróleo Brent, referência global, chegou a atingir US$ 139 o barril, com um salto de mais de 35% em apenas um mês. As ramificações de aumentos significativos de preços têm sido uma grande preocupação na Casa Branca, com Biden ressaltando em reuniões privadas a necessidade de amenizar o problema.

    Ron Klain, chefe de gabinete de Biden, também tem se pronunciado durante as reuniões, destacando a necessidade de limitar o dano nacional na medida do possível, já que o governo busca manter o apoio doméstico para seus amplos esforços, segundo duas fontes que estão por dentro do assunto. É uma realidade que Biden tem enfatizado publicamente diversas vezes quando descreve os riscos e a necessidade de atuação dos EUA na resposta à agressão russa.

    O presidente e alguns de seus conselheiros mais experientes da Ala Oeste veem os altos preços dos combustíveis como uma das mazelas econômicas mais tangíveis para o norte-americano comum – de acordo com diversas fontes – e há uma preocupação de que a situação possa piorar assim que as viagens aumentarem no verão.

    Com a aproximação das eleições de meio de mandato (midterm elections), a Casa Branca está bem ciente dos problemas políticos que o choque de preço na bomba pode representar para seu partido e vem elaborando estratégias há semanas para tentar conter o aumento dos preços da gasolina, enquanto volta a atenção dos eleitores para as conquistas da economia.

    Algumas autoridades de Biden também consideram cínicas as tentativas de parlamentares republicanos de pressionar o governo a proibir o petróleo russo, uma vez que o preço do gás na Casa Branca provavelmente subirá caso os avanços continuem.

    Diplomacia discreta

    As principais autoridades norte-americanas estão envolvidas em um amplo esforço discreto para reunir os principais fornecedores e os estados para atender a quaisquer problemas de demanda resultantes da invasão russa ou das sanções, segundo diversos funcionários de alto escalão do governo.

    Amos Hochstein, conselheiro sênior de segurança energética do Departamento de Estado, tem liderado o esforço e trabalhado em estreita colaboração com Brett McGurk, coordenador do Conselho de Segurança Nacional para Oriente Médio e Norte da África. Houve reuniões com os principais produtores de energia do Norte da África, incluindo a Argélia, bem como do Oriente Médio e da Ásia, e com os principais players da produção nacional. Países como Japão e Catar demonstraram estar dispostos a contribuir para uma ação ampla de preenchimento de lacunas na oferta.

    Hochstein e McGurk se reuniram com autoridades sauditas no mês passado “para discutir uma abordagem colaborativa para administrar pressões de mercado decorrentes de uma possível invasão russa à Ucrânia”.

    Biden chegou a tentar “reajustar” o relacionamento do país com a Arábia Saudita, recusando-se a falar com o governante de facto do Reino, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que os EUA acusaram de autorizar o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. As conversas diretas de Biden se limitaram ao rei Salman, pai do príncipe herdeiro, e incluíram uma ligação no mês passado que reiterou o compromisso de ambos os países de “garantir a estabilidade do suprimento mundial de energia”.

    A frieza com que os sauditas têm sido recebidos pelos EUA desde que Biden assumiu o poder irritou profundamente o país do Golfo Pérsico, levando à falta de vontade da Arábia Saudita em ajudar com o bombeamento de mais petróleo para o mercado, segundo as autoridades norte-americanas. Enquanto algumas autoridades dos EUA acreditam que o governo Biden deveria fazer um esforço ainda mais articulado para envolver a Arábia Saudita, elas afirmam que Biden – que chamou o príncipe herdeiro de assassino no ano passado – tem resistido.

    Algumas autoridades dos EUA estão tendo grande cautela com possibilidade de Biden envolver o príncipe herdeiro na produção de energia.

    “Para quem ele vai ligar – (para alguém) com quem ele não tem contato porque é um ser abominável que desmembrou um jornalista?”, comentou um alto funcionário democrata que pediu para não ser identificado para poder falar abertamente. “Não acho que isso acontecerá. Não estou recomendando isso.”

    Todavia, a guerra na Ucrânia causou seu próprio “reajuste mundial”, e agora as autoridades de Biden estão avaliando uma possível viagem presidencial à Arábia Saudita nos próximos meses, segundo três fontes que estão por dentro das negociações. O portal de notícias Axios foi o primeiro a divulgar as conversas sobre a viagem.

    “No momento, o presidente não planeja viajar para a Arábia Saudita”, afirmou a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, na segunda-feira (7).

    Ainda assim, ela reconheceu que os diálogos com os sauditas se intensificaram, tanto em relação a petróleo quanto a questões de segurança regional.

    “É do interesse de todos reduzir o impacto no mercado mundial de petróleo, e isso foi conversado”, adicionou.

    Até agora, as autoridades sauditas permaneceram firmes em seu compromisso com o cronograma de produção da OPEP+ acordado com a Rússia. Contudo, uma autoridade familiarizada com as conversas disse que os sauditas mostraram uma abertura para lidar com as principais turbulências do mercado. Ainda não está claro o que isso implicaria ou que tipo de ruptura levaria a uma mudança de postura.

    “Há ações que os produtores de energia podem tomar em termos de capacidade disponível e há ações que eles podem realizar para aumentar sua produção de energia nas atuais circunstâncias”, comentou um alto funcionário do governo ao descrever o esforço geral dos EUA nos últimos meses.

    Embora o funcionário tenha se recusado a fornecer um cronograma específico, “o poder coletivo dessas ações e de todas as outras ferramentas e autoridades disponíveis, além das manobras diplomáticas que estão à nossa disposição, podem ser eficazes em baixar o preço da gasolina e do petróleo.”

    Uma aliança coesa

    O controle dos aumentos do preço tem sido o ponto central da abordagem geral, mas também há um esforço para manter uma aliança com países que têm preocupações muito maiores com os efeitos das sanções de energia em suas respectivas economias.

    Durante uma ligação com líderes europeus na segunda-feira, Biden discutiu possíveis maneiras de limitar as compras de petróleo russo. Um dos líderes presentes, o chanceler alemão Olaf Scholz, disse que a Europa não consegue garantir o suprimento de energia sem as importações da Rússia. Em um comunicado à imprensa, Scholz afirmou que a energia foi deixada de fora das rodadas anteriores de sanções de propósito e acrescentou que a energia russa tem “uma importância crucial” na vida cotidiana de seus cidadãos.

    Já o Ministro das Finanças da Hungria, Varga Mihaly, disse em um vídeo publicado no Facebook na segunda-feira (7) que seu governo não apoiaria nenhuma sanção à energia russa.

    A Europa depende da Rússia para 40% de seu gás natural e um quarto do petróleo bruto que importa. Os esforços para garantir opções de fornecimento de gás natural foram vistos como cruciais, afirmaram as autoridades.

    Envolvimento com os venezuelanos

    O governo deixou claro que tentará todas as opções, inclusive onde os EUA possam ter outras preocupações.

    As autoridades do governo Biden – o diretor do Conselho de Segurança Nacional para o Hemisfério Ocidental, Juan Gonzalez, e o enviado especial presidencial dos EUA para assuntos de reféns, Roger Carstens – que estiveram em Caracas no fim de semana para discutir o assunto são os norte-americanos de mais alto escalão que visitaram o país em anos.

    Além do alívio das sanções e do petróleo, eles também conversaram sobre os cidadãos norte-americanos detidos na Venezuela que os EUA querem libertar – dois Boinas Verdes acusados de conspiração para remover Maduro do poder e um grupo de executivos de energia presos em 2017.

    Washington impôs sanções ao petróleo venezuelano em 2019 e fechou sua embaixada em Caracas depois de considerar a vitória eleitoral de Maduro em 2018 uma farsa. Uma autoridade dos EUA comentou que a Venezuela precisaria tomar várias medidas para que as sanções fossem suspensas, mas não especificou as condições.

    O envolvimento da Venezuela neste momento também pode isolar a Rússia de seu principal aliado na América do Sul, argumentam as autoridades.

    Um dia antes da viagem, os EUA fizeram algo estranho: o Departamento do Tesouro anunciou discretamente uma licença geral permitindo transações que deveriam ser proibidas para um oligarca russo – um grande investidor no mercado de energia da Venezuela que tem relações próximas com o regime de Maduro –, de acordo com o anúncio publicado no site do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros. O oligarca, Alisher Burhanovich Usmanov, também é aliado de Putin.

    Alguns dizem que deixar de sancionar as entidades de Usmanov deu a impressão de uma preparação para a viagem a Caracas, mas o Departamento do Tesouro afirmou que todos os bens pessoais do oligarca foram bloqueados e que ele deve sofrer novas sanções.

    “Vamos trabalhar com nossos aliados e parceiros para criar uma série de atenuantes que nos permita atingir empresas sob o controle de Usmanov sem aumentar o preço de commodities como o níquel, o que poderia acabar enriquecendo-o”, informou um porta-voz do Departamento do Tesouro.

    No entanto, os custos políticos do envolvimento com a Venezuela já estão claros.

    O senador republicano Marco Rubio, da Flórida – um estado que abriga uma grande população de venezuelanos-americanos que se opõem ao regime de Maduro – já criticou as discussões. No fim de semana, ele disse que “em vez de produzir mais petróleo norte-americano”, Biden “quer substituir o petróleo que compramos de um ditador assassino pelo petróleo de outro ditador assassino”.

    O senador republicano Rick Scott, da Flórida, que é o chefe do comitê de campanha do Senado do Partido Republicano, criticou: “Devemos parar de importar petróleo russo e ponto final. E não deveríamos recorrer à Venezuela. Quando vamos aprender que não podemos confiar nesses criminosos?”

    Outros republicanos também criticaram Biden. O deputado Chris Stewart, de Utah, membro do Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes, o chamou de “meio maluco” e alertou que isso “daria poder à Venezuela” e “enriqueceria o Irã”. Já o deputado Mario Diaz-Balart, da Flórida, comentou que estava “sem palavras” e esperava que os rumores não fossem verdade.

    “Não acho que alguém poderia ser tão imbecil assim. Digo isso com muita dor porque é muito imprudente, muito estúpido, muito absurdo, muito perigoso para ser verdade”, comentou Diaz-Balart. “Isso não vai adiantar. Petróleo da Venezuela? Eles mal produzem petróleo hoje em dia.”

    Não são apenas os republicanos que criticam a ideia. O senador Robert Menendez, o democrata de Nova Jersey que é o poderoso presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, declarou que “se oporá fortemente” a qualquer ação que enriqueça Maduro.

    “No último mês, a comunidade internacional se uniu de uma maneira inédita para se contrapor à agressão militar da Rússia e defender a democracia. No entanto, os esforços do governo Biden para unificar o mundo contra um tirano assassino em Moscou não devem ser prejudicados por apoio a um ditador que está sendo investigado por crimes contra a humanidade em Caracas”, afirma Menendez.

    *Manu Raju, Melanie Zanona, Kylie Atwood e Morgan Rimmer da CNN contribuíram para esta matéria

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