B3 compra empresa de big data Neoway por R$ 1,8 bi, maior aquisição de sua história
Segundo a B3, a operação será paga com recursos do caixa
A B3 anunciou ontem a aquisição da empresa de tecnologia Neoway, especializada em exploração e análise de dados, ou “big data analytics”. Em uma negociação disputada, a Bolsa brasileira decidiu desembolsar R$ 1,8 bilhão pela empresa, que irá adicionar uma nova fonte de receitas à companhia, mergulhando a B3 em um mercado de R$ 4 bilhões ao ano no Brasil e com alto potencial de crescimento.
A transação marca a maior aquisição da companhia desde 2017, quando a B3 foi formada a partir da conclusão da compra da Cetip pela BM&FBovespa. A Neoway também estava na mira da gigante Serasa Experian, que acabou vencida na disputa pelo ativo, segundo apurou o Estadão.
“Já fazemos o uso tradicional de dados, mas não exploramos o potencial de muitos dados que temos, dentro do que podemos fazer de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e cruzar com dados públicos”, afirmou o presidente da B3, Gilson Finkelzstain, à reportagem.
De acordo com o executivo, a Bolsa ainda vê oportunidades de crescimento nesse mercado e segue interessada em aquisições, seja de controle, seja de uma participação minoritária, em novos negócios.
A Neoway é uma empresa catarinense fundada em 2002, uma das maiores no segmento de análise de big data e inteligência artificial para negócios do País. Ela coleta e cruza dados de um determinado mercado, que podem ser úteis, por exemplo, para empresas otimizarem vendas, modernizarem processos ou diminuírem seus riscos relacionados a compliance, por exemplo.
Pulverização
Hoje, a Neoway tem 4% do mercado em que atua. A B3 acredita que tem espaço para consolidação – isso porque, segundo a apresentação da aquisição, há nada menos de 36 mil empresas, de todos os portes, oferecendo serviços semelhantes aos da Neoway. A Bolsa estaria disposta a investir cerca de R$ 200 milhões na companhia de tecnologia ao longo dos próximos cinco anos.
“A chegada da B3 vai acelerar os nossos planos, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento dos nossos pilares de fraude e crédito, lançados no ano passado. Agora, conseguiremos desenvolvê-los com mais agilidade”, afirmou Eduardo Monguilhott, presidente da Neoway, em respostas enviadas por e-mail à reportagem.
Com esses dados, uma companhia pode até mesmo entender melhor seus clientes para tomar a decisão sobre uma estratégia de marketing ou lançamento de um novo produto. Esses pacotes de dados são vendidos conforme a necessidade do cliente e podem ser customizados.
E a demanda por esse tipo de produto vem aumentando, levando a um crescimento anual da empresa da ordem de 15% a 20% ao ano. Para 2022, a previsão da Neoway, que possui hoje uma base com 500 clientes, é de faturamento de R$ 190 milhões. A Bolsa, agora dona do negócio, é cliente da Neoway desde 2014.
Além de essa aquisição marcar o maior movimento desde a compra da Cetip pela BM&FBovespa, ela demonstra o apetite da companhia em diversificação em negócios adjacentes ao seu principal negócio, de olho em tecnologia.
Neste ano, no mesmo setor, já tinha anunciado um aporte de R$ 600 milhões na TFS Soluções em Software, subsidiária da Totvs, ficando com uma participação minoritária de 37,5% na empresa.
Há espaço para mais
O uso de dados já é algo explorado por Bolsas de Valores estrangeiras. Segundo o executivo, a B3, ao contrário das demais Bolsas, possui diferentes frentes de negócios, que vão além da renda variável e da renda fixa, como a área de financiamentos de automóveis e do setor imobiliário.
Finkelsztain diz que, além de trazer uma nova frente de crescimento, a Neoway adicionará à Bolsa uma fonte de receita recorrente totalmente independente de volumes de negociação do mercado acionário.
A B3 ainda vê oportunidades de crescer em novas verticais além da análise de dados. “Dentro da nossa estratégia de crescimento queremos também crescer em seguros, em negociação de crédito de carbono e recebíveis de cartões”, enumera o executivo.
Ainda na estratégia de avançar em novas frentes adjacentes ao seu negócio-chave, a Bolsa também analisa oportunidades com o viés mais digital, como em criptoativos e na tokenização, que tratam da representação digital e criptografada de um ativo – mercado em pleno crescimento por conta da tecnologia blockchain.
A transação será paga integralmente com dinheiro e ainda precisará passar pelo aval dos acionistas da companhia, além da chancela dos reguladores, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
7 anos para criar produto comercial
Agora uma empresa com avaliação bilionária, a Neoway teve origens humildes: foi criada por Jaime de Paula, em 2002, em Santa Catarina. Então aluno de Engenharia, Jaime levou sete anos até conseguir criar um produto que pudesse ir a mercado – algo que se concretizou em 2009.
Na gênese da Neoway, que agora foi vendida à B3 por quase R$ 2 bilhões, em uma operação paga totalmente à vista, está um software de cruzamento de informações sobre crimes cometidos em território catarinense, primeiro “case” de sucesso da companhia.
Não demorou muito para que a ferramenta desenvolvida por Jaime chamasse a atenção de dois pesos-pesados norte-americanos: a Polícia de Nova York (NYPD) e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).
À medida que ganhava fama, a empresa se tornou uma espécie de referência em “big data” para a América Latina. A partir de então, a empresa se aprofundou nas tecnologias envolvendo cruzamento de dados – que passou a focar cada vez mais no mundo corporativo – e abriu mais um escritório no Brasil, em São Paulo. A Neoway conta ainda com um centro de pesquisa em Palo Alto, na Califórnia.
Em 2019, Paula deixou o comando da empresa para dar lugar a Kadu Monguilhott, de 32 anos, que anteriormente atuava como chefe de operações da Neoway. Na empresa há sete anos, Monguilhott é formado em Economia pela Universidade da Califórnia e começou a trabalhar na startup catarinense como representante de vendas.
Apesar de a mudança de comando estar prevista, a troca foi realizada um ano mais cedo do que a intenção inicial do conselho de administração, depois que o nome da companhia foi citado em uma das conversas de Deltan Dallagnol, no caso da Lava Jato.
Segundo reportagens veiculadas na imprensa, o procurador teria recebido cerca de R$ 33 mil para fazer uma palestra para a companhia. Foi levantada também a possibilidade de a empresa fornecer soluções para a Procuradoria.